Fiquei na dúvida. Que diabos é um "déficit técnico"? Meu leitor, o termo "déficit técnico" não existe. O que existe é o termo recessão, que ocorre tecnicamente quando há dois trimestres seguidos de crescimento negativo. Possivelmente chegaremos lá em breve. E que "pessimistas" são esses que preveem um crescimento para o Brasil de 1,5%, 2% em 2009?
Fiquei abaixo da linha d?água, já que estou mais pessimista que os "pessimistas" acima. Ainda bem que eles não existem. Na verdade, apenas os realmente otimistas acreditam que o crescimento alcance 2% em 2009. Houve uma queda sincronizada do PIB no final do ano passado: o PIB dos EUA caiu 6,2%, o do Japão projeta-se em 12% e o da Europa, 5,7% (todos os dados medidos de forma anualizada). E não há sinais de que tenha ocorrido o tal desacoplamento das grandes economias emergentes em relação ao resto do mundo.
Certamente a economia brasileira não foi exceção neste mundo em queda. O PIB do último trimestre do ano passado recuou 3,6% em relação ao trimestre anterior. Medida de forma anualizada (se permanecesse por um ano), essa queda atinge impressionantes 13,6%. O crescimento total do ano passado, que chegava a 6,8% no terceiro trimestre, fechou o ano de 2008 com 5,1%.
Essa queda do PIB no final do ano passado gera um legado ingrato para este ano. Caso o nível de produção se mantenha no mesmo patamar do final do ano passado, o crescimento este ano sobre a média do ano passado (o famoso carry over, em economês) será negativo em 1,5%.
É bom lembrar que há poucos meses estimava-se um carry positivo de 2,5%. Com base nessa diferença, quem estimava um crescimento médio de 3% para 2009 deveria ajustar sua projeção para uma queda de 1% em 2009, a menos que esteja hoje enxergando novas forças propulsoras de crescimento, tanto globais como locais.
E a recessão? Estimamos uma nova queda do PIB acima de 2% (mais que 9% anualizado) no primeiro trimestre deste ano, com base no legado da queda brusca ocorrida em dezembro e na fraca recuperação observada desde então. Duas quedas seguidas e tecnicamente estaremos em recessão (Ooops!, digo, "déficit técnico").
Com a "herança maldita" (carry negativo em 1,5%), o crescimento este ano vai depender da capacidade de recuperação da economia do País, principalmente no segundo semestre. Desenvolvemos um exercício que utiliza as recuperações anteriores da economia brasileira - após as crises de 1998-9 e 2002 - para calcular a possível taxa de crescimento em 2009 (ou seja, embute-se as recuperações anteriores sobre o atual nível de produção). O resultado não é alentador. Mesmo embutindo recuperações rápidas da atividade no segundo semestre, baseadas em períodos saudáveis da economia mundial, o crescimento do PIB este ano ficaria entre -1,2% a -1,8%.
A razão para essa situação econômica global desalentadora (incluindo o Brasil) é que a economia global precisa de um ajuste relevante, o que pode limitar a capacidade de crescimento no futuro. A crise global é mais do que o seu braço financeiro: envolve o lado real da economia, por meio da reestimação da riqueza global. Hoje está claro que havia uma riqueza "falsa", inflada pela valorização enganosa do mercado imobiliário, das bolsas no mundo e dos ativos em geral. O problema é que o consumo era baseado nessa riqueza "falsa". Muito do que era produzido no mundo direcionava-se a satisfazer esse "falso" consumo. E houve excesso de investimentos para ampliar a capacidade de produção, para satisfazer o consumo exagerado baseado nessa riqueza "falsa". E provavelmente houve também exagero no planejamento e nos investimentos baseados numa demanda mundial de matérias-primas que se revelou excessiva.
Há, atualmente, um consenso de que pelo menos o sistema financeiro mundial tenha inchado demais. E também de que o consumo americano fosse insustentável e que deveria se retrair. Nesse caso é possível que as exportações chinesas para satisfazer o consumo dos EUA tenham sido igualmente exageradas, assim como as matérias-primas (vindas do Brasil, por exemplo) usadas para fabricar os produtos de exportação. Dessa forma, não são necessários muitos passos lógicos para construir um cenário em que a economia mundial precise de um ajuste, no qual o consumo e o investimento caiam antes que possam voltar ao vigor anterior.
Em suma, a economia global precisa de um ajuste que está em processamento. A economia brasileira não é exceção nem conseguiu se desacoplar do resto do mundo. A queda do PIB do final de 2008 foi severa e tem implicações sobre o crescimento deste ano. A "herança estatística" é uma queda adicional do PIB neste primeiro trimestre do ano e um carry negativo de 1,5% para o ano. Mesmo com uma recuperação saudável no segundo semestre, prevemos que a economia deva ainda se retrair em 2009 um pouco além de 1%.