Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, março 17, 2009

Poliana na economia Ilan Goldfajn

O ESTADO DE S PAULO,
Há gente que acredita que os governos têm de ser mais otimistas do que a população quando discorrem sobre a economia. Dessa forma conseguiriam incentivar o investimento, o consumo e manter a economia aquecida, mesmo em tempos difíceis. Eu, ao contrário, acho que os governos (felizmente) não conseguem enganar de forma sistemática a sociedade e não têm capacidade de incentivar a economia apenas no gogó. Mas esse tipo de tática continua sendo usado. Vejamos o caso recente do Brasil: até a semana passada, mantinha-se uma "meta" irrealista de crescimento para o PIB este ano. Essa "meta" não resistiu nem aos dados divulgados do ano anterior: "Com este resultado (do último trimestre de 2008), ficou difícil atingir aquela meta de 4% que eu vinha falando", disse o ministro da Fazenda em entrevista coletiva. Mas a tática continua, só com outros números: "os mais pessimistas preveem um crescimento de 1,5%, 2%", "o Brasil vai ser um dos poucos países do mundo com PIB positivo", "ficaremos distantes de um déficit técnico".

Fiquei na dúvida. Que diabos é um "déficit técnico"? Meu leitor, o termo "déficit técnico" não existe. O que existe é o termo recessão, que ocorre tecnicamente quando há dois trimestres seguidos de crescimento negativo. Possivelmente chegaremos lá em breve. E que "pessimistas" são esses que preveem um crescimento para o Brasil de 1,5%, 2% em 2009?

Fiquei abaixo da linha d?água, já que estou mais pessimista que os "pessimistas" acima. Ainda bem que eles não existem. Na verdade, apenas os realmente otimistas acreditam que o crescimento alcance 2% em 2009. Houve uma queda sincronizada do PIB no final do ano passado: o PIB dos EUA caiu 6,2%, o do Japão projeta-se em 12% e o da Europa, 5,7% (todos os dados medidos de forma anualizada). E não há sinais de que tenha ocorrido o tal desacoplamento das grandes economias emergentes em relação ao resto do mundo.

Certamente a economia brasileira não foi exceção neste mundo em queda. O PIB do último trimestre do ano passado recuou 3,6% em relação ao trimestre anterior. Medida de forma anualizada (se permanecesse por um ano), essa queda atinge impressionantes 13,6%. O crescimento total do ano passado, que chegava a 6,8% no terceiro trimestre, fechou o ano de 2008 com 5,1%.

Essa queda do PIB no final do ano passado gera um legado ingrato para este ano. Caso o nível de produção se mantenha no mesmo patamar do final do ano passado, o crescimento este ano sobre a média do ano passado (o famoso carry over, em economês) será negativo em 1,5%.

É bom lembrar que há poucos meses estimava-se um carry positivo de 2,5%. Com base nessa diferença, quem estimava um crescimento médio de 3% para 2009 deveria ajustar sua projeção para uma queda de 1% em 2009, a menos que esteja hoje enxergando novas forças propulsoras de crescimento, tanto globais como locais.

E a recessão? Estimamos uma nova queda do PIB acima de 2% (mais que 9% anualizado) no primeiro trimestre deste ano, com base no legado da queda brusca ocorrida em dezembro e na fraca recuperação observada desde então. Duas quedas seguidas e tecnicamente estaremos em recessão (Ooops!, digo, "déficit técnico").

Com a "herança maldita" (carry negativo em 1,5%), o crescimento este ano vai depender da capacidade de recuperação da economia do País, principalmente no segundo semestre. Desenvolvemos um exercício que utiliza as recuperações anteriores da economia brasileira - após as crises de 1998-9 e 2002 - para calcular a possível taxa de crescimento em 2009 (ou seja, embute-se as recuperações anteriores sobre o atual nível de produção). O resultado não é alentador. Mesmo embutindo recuperações rápidas da atividade no segundo semestre, baseadas em períodos saudáveis da economia mundial, o crescimento do PIB este ano ficaria entre -1,2% a -1,8%.

A razão para essa situação econômica global desalentadora (incluindo o Brasil) é que a economia global precisa de um ajuste relevante, o que pode limitar a capacidade de crescimento no futuro. A crise global é mais do que o seu braço financeiro: envolve o lado real da economia, por meio da reestimação da riqueza global. Hoje está claro que havia uma riqueza "falsa", inflada pela valorização enganosa do mercado imobiliário, das bolsas no mundo e dos ativos em geral. O problema é que o consumo era baseado nessa riqueza "falsa". Muito do que era produzido no mundo direcionava-se a satisfazer esse "falso" consumo. E houve excesso de investimentos para ampliar a capacidade de produção, para satisfazer o consumo exagerado baseado nessa riqueza "falsa". E provavelmente houve também exagero no planejamento e nos investimentos baseados numa demanda mundial de matérias-primas que se revelou excessiva.

Há, atualmente, um consenso de que pelo menos o sistema financeiro mundial tenha inchado demais. E também de que o consumo americano fosse insustentável e que deveria se retrair. Nesse caso é possível que as exportações chinesas para satisfazer o consumo dos EUA tenham sido igualmente exageradas, assim como as matérias-primas (vindas do Brasil, por exemplo) usadas para fabricar os produtos de exportação. Dessa forma, não são necessários muitos passos lógicos para construir um cenário em que a economia mundial precise de um ajuste, no qual o consumo e o investimento caiam antes que possam voltar ao vigor anterior.

Em suma, a economia global precisa de um ajuste que está em processamento. A economia brasileira não é exceção nem conseguiu se desacoplar do resto do mundo. A queda do PIB do final de 2008 foi severa e tem implicações sobre o crescimento deste ano. A "herança estatística" é uma queda adicional do PIB neste primeiro trimestre do ano e um carry negativo de 1,5% para o ano. Mesmo com uma recuperação saudável no segundo semestre, prevemos que a economia deva ainda se retrair em 2009 um pouco além de 1%.

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