Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 04, 2009

O velho truque Dora Kramer

ESTADO DE S. PAULO

O segredo do sucesso no uso de um ardil é a parcimônia. O abuso desqualifica o recurso, desmascara intenções, dissemina no ambiente a suspeita de armação.

A proposta do deputado Eduardo Cunha de criar uma CPI para investigar os Fundos de Pensão, a fim de "provar" que nem ele nem o PMDB alimentam planos dolosos em relação aos fundos de previdência de funcionários de estatais - Furnas no destaque -, repete o modelo recentemente adotado pelo PT na CPI dos Cartões Corporativos.

Qual seja o de sair da defensiva partindo para a ofensiva na suposição de que o adversário recuará no meio do caminho por receio de ver expostas suas mazelas e acabar também na bancada dos acusados.

No caso da CPI dos Cartões, a manobra foi exitosa. Diante do crescimento anormal das despesas com cartões de crédito corporativos e de gastos obviamente irregulares, a bancada governista não esperou a oposição exigir: propôs a criação de uma CPI, coletou assinaturas e deu início ao que seria o mais cínico simulacro de investigações já visto em comissões de inquérito.

Com a colaboração dos oposicionistas que, a despeito da tentativa de chantagem por meio de um dossiê sobre gastos da Presidência da República no governo Fernando Henrique Cardoso, se deixaram levar pela dinâmica da maioria e permitiram que a barafunda de desqualificações de parte a parte tomasse conta do ambiente.

De investigação sobre aqueles gastos com os cartões não se viu nem sombra. O suspeito de ter executado o crime do dossiê saiu do Palácio do Planalto, voltou à antiga função no Tribunal de Contas da União (!), ficou tudo por isso mesmo e a bancada governista ainda pôde proclamar seu destemor por CPIs.

É o velho truque, que, por sobejamente conhecido, no caso da investigação proposta sobre os fundos foi recebido com desconfiança, denunciado como arma de chantagem e, de pronto, desqualificado por quem vestiu a carapuça de alvo, o PT.

Os interesses dos dois maiores partidos da coalizão governista se chocam nesse setor. Conhecer-lhe os detalhes seria altamente didático para entender as razões da troca de acusações entre a Associação dos Funcionários de Furnas e o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão.

Os servidores disseram que o PMDB pretendia mudar diretores da Fundação Real Grandeza para cometer "atos inescrupulosos" e Lobão afirmou que a manutenção dos diretores era "uma bandidagem completa".

O ministro Reinhold Stephanes no ano passado foi impedido por seu próprio partido, o PMDB, de tentar tomar o controle do fundo da Embrapa. Por quê? Stephanes poderia explicar na CPI.

Na CPI dos Correios, o mesmo Real Grandeza apareceu como fonte do mensalão, provocou um constrangimento público no então deputado Jorge Bittar frente a insinuações do depoente Roberto Jefferson, que mais recentemente voltou a acusá-lo e ao PT de manipulação dos fundos de empresas estatais.

Há uma gama de suspeições, há um fato determinado recente, há a formalização da proposta, há em tese um cenário favorável a investigação parlamentar.

Mas falta vontade de fazer, sinceridade nos propósitos de esclarecer e sobra vocação para o jogo de cena, competência no manejo das armas de pressão e muita desfaçatez no abuso do instrumento da CPI.

Noves fora

A CPI dos Grampos deu em nada. Perderam-se no turbilhão da galeria as investigações da Polícia Federal sobre a autoria da escuta ilegal no telefone do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, cujas suspeitas foram inicialmente direcionadas pelo Palácio do Planalto para a Agência Brasileira de Inteligência, Abin.

Lógico supor que se não há autor não houve crime e, portanto, a denúncia original era infundada. Nunca existiu o grampo do STF nem o enxame de escutas ilegais que, se dizia no ano passado, assolava a capital federal e instituíra no Brasil um Estado policial.

Alegações falsas que ocupam o aparato de segurança inutilmente são passíveis de punição, como se vê em países de instituições rigorosas. A história da chamada "grampolândia" continua em aberto: ou os denunciantes devem explicações do poder público ou este deve uma satisfação à sociedade.

Por ora não se tem um desfecho do caso, mas um elogio à inconsequência.

Laços de ternura

Até na censura o MST leva vantagem com o governo federal. Quando invade e depreda não recebe reparo; quando um grupo de militantes mata quatro pessoas o ministro da Justiça considera ação "arrojada" (adj. fem. ousada, destemida ) e a alegação da legítima defesa recebe do presidente Lula a qualificação de "inaceitável".

Suave no conteúdo e na forma, muitos decibéis abaixo do tom reservado, por exemplo, contra manifestações de ministros do Supremo, políticos da oposição ou críticas na imprensa.

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