O ESTADO DE S. PAULO
A crise coloca várias dificuldades para o governo Lula - situação que, em si, já é um desafio para uma administração acostumada com o vento a favor.
Desemprego é talvez a dificuldade mais visível e mostra bem a virada da situação: depois de meses anunciando recordes de criação de empregos formais, o governo agora precisa lidar com as demissões. E, em vez de atacar o problema, busca culpados, ora na conjuntura internacional ou, preferencialmente, nas empresas locais.
Assim, quando age, age equivocadamente. O presidente manifestou-se indignado com as demissões na Embraer, reclamou de não ter sido avisado, chamou a diretoria da companhia para conversar e não falou mais nada. Como em outras ocasiões, Lula parece estar esperando, torcendo para que a situação se resolva, digamos, automaticamente. E o que aconteceu? A Justiça do Trabalho mandou suspender as demissões e chamou uma reunião de conciliação para esta semana.
Mensagens nada construtivas. Quer dizer que o governo se considera no direito de intervir na gestão de empresas privadas? A Embraer tem o governo entre seus acionistas, mas é uma posição minoritária, que, aliás, tem dado bons resultados financeiros. A União tem também uma golden share, fixada no processo de privatização, porque na ocasião se entendeu que a empresa, construtora de aviões, inclusive militares, era estratégica para os interesses nacionais. Essa golden share, entretanto, só pode ser utilizada no caso de troca de controle da companhia. O governo pode, por exemplo, vetar a venda do controle a um fabricante estrangeiro. Mas não interferir na gestão da empresa.
A Embraer também tem financiamentos do BNDES, em operações que o banco estatal de desenvolvimento sempre considerou boas e rentáveis. Trata-se de financiar a expansão e as exportações de uma companhia de ponta. É bom para a economia nacional, gera renda e empregos.
Isso também não dá ao BNDES o direito de intervir na gestão da empresa, desde que ela esteja cumprindo seus contratos com o banco, como está.
Mas a reação do presidente Lula diz o contrário. Tanto que os sindicatos, no correto papel de defender empregos, foram pedir ao presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que ele vete formalmente as demissões. Como não há base legal para isso, resta a pressão política, inclusive sobre a Justiça do Trabalho.
Esse ambiente gera duas consequências, ambas ruins. A primeira é que aumenta o risco de investir no Brasil. Suponha que a empresa fosse, de algum modo, obrigada a manter os empregos e, com isso, sem vendas, passasse a acumular prejuízos. Quem pagaria?
O que leva à segunda consequência possível, o balcão de favores. Ok, diria a diretoria, operamos no vermelho, mas em troca o governo poderia facilitar isto ou aquilo.
Tudo considerado, se não abrir esse tipo de balcão, a Embraer vai manter as demissões pela simples razão de que não tem o que produzir com esse pessoal. Toda a ação do governo terá criado um ambiente negativo, sem salvar os empregos.
O que poderia ser feito de concreto, não para esse caso, mas para o problema geral do desemprego causado pela crise?
Primeiro, ampliar para todos os benefícios do seguro-desemprego. O governo anunciou que fará isso, mas apenas para determinados setores.
O argumento oficial diz que tal medida só faz sentido nas áreas mais sensíveis à crise, mas a verdade é que não há dinheiro, já que o governo quer gastar recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) financiando empresas. (Vai mandar nessas também?)
Ou seja, dinheiro do seguro-desemprego deveria ir apenas para isso.
A segunda medida efetiva seria modificar a legislação de modo a ampliar o campo de negociação entre as empresas e seus trabalhadores. Líderes sindicais reclamaram, com razão, que a Embraer não negociou as demissões. Simplesmente comunicou, assim, de um dia para o outro.
Não sabemos as circunstâncias internas que levaram a companhia a fazer isso, mas muitos advogados trabalhistas e especialistas no setor vêm dizendo que as atuais leis que regulamentam as negociações são muito estreitas e inseguras. Para suspender contratos de trabalho ou reduzir jornadas e salários, por exemplo, a lei exige condições quase impossível de cumprir - que a empresa, por exemplo, esteja quase quebrada.
No sufoco, trabalhadores e empresas têm feito esses acordos ignorando algumas condições, o que pode gerar passivos trabalhistas. Nada impede, dizem especialistas, como José Pastore, que os trabalhadores ou mesmo o Ministério Público venham, no futuro, a contestar esses acordos e exigir pagamento integral de salários e atrasados.
Por isso muitas empresas têm preferido ir direto para a demissão, sobretudo quando esperam uma crise prolongada.
Na sexta-feira a ministra Dilma Rousseff disse que a decisão da Justiça de suspender as demissões na Embraer e chamar uma audiência de conciliação dá à empresa uma oportunidade de negociar de maneira mais humana. Disse ainda que a companhia deveria ter sido mais humana desde o início, já que foram "questões internacionais, e não nacionais, que a levaram a demitir".
Aparece aí, de novo, essa obsessão de jogar a culpa na crise lá fora. E algo muito estranho: quer dizer que, se as causas fossem nacionais, a empresa não precisaria ser mais humana?
Dessa conciliação pode resultar o quê? Alguns benefícios adicionais aos demitidos, mas não os empregos, que poderiam ser salvos, ao menos em parte, com uma negociação mais flexível.
E se a Justiça entender que pode obrigar a Embraer a operar no prejuízo - porque a crise vem de fora -, as coisas certamente vão piorar aqui mesmo.
Desde o início o governo tem dito que a reforma trabalhista estava na agenda. Estava...
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