Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 04, 2009

Míriam Leitão No mundo novo


A questão ambiental e climática ganha ruas e praças e muda fontes de energia. Em Nova Iorque, a prefeitura redesenhou ruas, espremeu carros e entregou o espaço para ciclistas e pedestres. Bicicletas de graça rodam em Paris, postes de recarga incentivam carros elétricos em Londres. No Brasil, a maioria dos leilões de energia nova em 2008 foi para termelétricas a carvão ou a óleo combustível.

Quem olha em volta às opções feitas por governos e empresas fica com a desagradável sensação de que o Brasil está na contramão do mundo. O “Bom Dia Brasil”, da TV Globo, levou ao ar uma série de reportagens mostrando mudanças animadoras em várias cidades do mundo, projetos para transformar os espaços urbanos, incentivar novas formas de aproveitar a energia do sol e dos ventos. Não são mais projetos isolados, experiências exóticas, é uma nova tendência. O moderno é levar a sério o trabalho nas múltiplas frentes de mudar nossa relação com o planeta.

Eu vi em Nova Iorque o que não pensaria em ver num centro sempre tão hostil ao pedestre. As ruas foram redesenhadas. Só na Madison Square os pedestres ganharam mais 4.400 metros quadrados do que, antes, era dos carros. Das ruas 42 a 34, na Broadway, há uma longa via tomada dos carros para ser utilizada pelos ciclistas e pelos pedestres.

A Comissária de Transportes da cidade, uma ciclista, Janeth Sadik Khan, argumenta que é preciso preparar a cidade para o fato de que terá um milhão a mais de habitantes em 2030. Em vez de pensar em mais espaço para os carros, abre-se avenidas para as pessoas. Os táxis estão sendo obrigados pela prefeitura a serem híbridos. Hoje, 30% já são elétricos, com motor de apoio movido a gasolina. A meta é chegar a 100% em poucos anos. Esses veículos são mais silenciosos e não poluem.

No Brasil, em um importante ponto, na poluição provocada pelo diesel, seria dado um grande passo neste ano de 2009. Mas o projeto foi adiado para 2013. Todos os novos caminhões e ônibus deveriam sair das fábricas, este ano já, com novos motores, adaptados a um combustível menos poluente, e a Petrobras deveria fornecer todo o novo diesel já com menos enxofre.

Um dia, talvez, a Petrobras admita o erro estratégico e de marketing de ter brigado com o projeto. As montadoras são cúmplices do crime de manter o enxofre no oxigênio que respiramos, mas, para elas, o Brasil sempre foi um mercado periférico. Para a Petrobras, o Brasil é o centro. No mundo inteiro, as empresas petrolíferas tentam limpar sua imagem com anúncios se dizendo sustentáveis; a brasileira não pode. Se a Petrobras tivesse entendido a oportunidade, se tivesse liderado todo o processo, se tivesse tido visão estratégica, que história bonita poderia estar contando hoje. Perdeu a empresa, perdemos todos nós.

No Brasil, a Vale acaba de comprar duas minas de carvão na Colômbia, para duas termelétricas a carvão. A empresa quer produzir energia com base na fonte mais poluente do mundo e no meio da Amazônia. Contando, ninguém acredita que o Brasil queira andar na direção contrária do bom senso e da lógica. A energia de Manaus virá através de um projeto megalômano de linhões de transmissão, que atravessarão dois mil quilômetros no meio da Floresta Amazônica, ligando Tucuruí a Manaus. Deve haver meia dúzia de outras soluções mais simples e mais baratas.

Tudo o que não é hidrelétrico ou fóssil para as autoridades de energia do Brasil é caro demais e inviável. Por isso, o governo dedica um solene desprezo a todas as outras fontes energéticas. Experimente perguntar a uma autoridade do setor elétrico brasileiro por que não investir em energia eólica ou solar. A pessoa responderá que é caro demais e vai, imediatamente, passar para outro assunto, como se a questão estivesse encerrada.

A atitude é a mesma que levou o país a pensar que estava melhor do que as outras economias e, por isso, a crise não chegaria ao Brasil. No caso ambiental e climático, o país está convencido de algumas lendas urbanas: de que tem a matriz energética mais limpa do mundo porque é baseada na hidreletricidade; de que tem o melhor álcool do mundo; e que é dono da maior floresta tropical do planeta.

É tudo verdade. Relativa. Um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostrou que existem hidrelétricas de baixa, média e alta emissões de carbono. As de alta emissão produzem tantos gases de efeito estufa quanto uma hidrelétrica a carvão. O mundo limpa a matriz energética, e nós sujamos ainda mais a nossa. No caso dos biocombustíveis, só permaneceremos na dianteira se investirmos na nova geração de biocombustível, o do álcool celulósico. O novo secretário de Energia dos Estados Unidos, Steven Chu, desenvolveu, no seu laboratório, várias experiências desse novo álcool à base de novas fontes baratas, como gramíneas e todo material orgânico que tenha celulose. Podemos ser ultrapassados. Sobre a Floresta Amazônica, a única meta aceitável para o Brasil é zero de desmatamento, mas o governo decidiu conviver com o desmatamento, prometendo apenas que ele será declinante ao longo dos anos.

Mais do que novos projetos urbanos, novas fontes de energia, novas estratégias das empresas, o que está em mudança no mundo são os conceitos e as atitudes. O Brasil ignora a tendência, e faz a sua marcha batida para o passado.

Com Leonardo Zanelli

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