24/10/2014 02h00
De todas as análises erradas que se podem fazer sobre a eleição deste domingo, a mais errada é a que sustenta que estaremos diante de um plebiscito: vencerá o "sim" ou o "não" ao governo. É um erro de forma, de substância e de história.
Fosse um plebiscito, e se Dilma vencer (reparem na combinação dos tempos subjuntivos), então a presidente poderia continuar a "presidenta do subdesenvolvimentismo", categoria inventada por Lula e que, nas suas mãos, chegou ao colapso. Fosse um plebiscito, e se Aécio vencer, então o tucano poderia ignorar os laços com o Estado de uma vasta clientela, que fizeram do assistencialismo a forma possível de cidadania. Ela teria de ser estúpida o bastante para não mudar nada, e ele, para mudar tudo. Ela teria de ser idiota o bastante para achar que Aécio está errado em tudo, ele, para achar que Dilma não está certa em nada.
A assertiva de um plebiscito embute a perigosa suposição de que, se o tucano vencer, poderá, então, desacelerar os programas sociais –já que estariam sendo repudiados pela maioria. Suposição ainda mais perigosa é a de que a eventual vitória de Dilma significará a aprovação dos métodos de gestão revelados no mandato da governanta, muito especialmente os adotados na Petrobras. Nota à margem: se a candidata já admitiu o malfeito, a presidente, no entanto, mantém João Vaccari Neto, o tesoureiro do PT, como conselheiro de Itaipu e como um dos chefões de sua campanha.
O regime democrático repudia que processos eleitorais regulares, devidamente previstos no calendário, realizados segundo leis previamente definidas, em mecanismos legítimos de consulta à população, sejam considerados plebiscitários. A menos que a força vitoriosa esteja com más intenções.
De resto, e não estou fazendo mero joguinho de palavras –expressão inferior do estilo–, o valor do "sim" e o do "não", nos regimes democráticos, é equivalente. Quando se escolhe um governo, também se define quem deve se opor a ele. A lição é básica, elementar, do nível "Massinha 1" do Estado democrático de Direito, mas tem de ser repisada: na democracia, o "sim" mais importante é a possibilidade de dizer "não" sem romper os fundamentos da ordem que abrigam um e outro.
O pilar principal que sustenta o edifício democrático é o valor negativo, que reforça, em vez de destruir, o sistema. Aí está a essência do regime que, ao longo da história, fascistas de esquerda e de direita tentaram e tentam perverter, com seus teóricos das "forças disruptivas", muitos deles escrevendo nesta Folha –que só existirá como Folha se e enquanto eles não forem bem-sucedidos.
Não haverá plebiscito nenhum no domingo. Será apenas uma eleição presidencial, a sétima depois da redemocratização do país. Se o país conseguir escolher um pouco mais de eficiência, um pouco menos de ladrões, com a perspectiva de um pouco mais de bem-estar aos que menos têm, então se terá feito uma opção progressista, dada a conservação necessária.
PS "" Esta coluna faz um ano hoje. Sou grato aos que amam e aos que odeiam, com uma quedinha particular, confesso, pelos odiadores profissionais. Afinal, o amor, às vezes, se descuida, mas o ódio não. O ódio nunca trai! No mês que vem, novidades a respeito.