Pela sétima vez
Enviado por Míriam Leitão e Alvaro Gribel -
05.10.2014
|09h00m
Coluna no GLOBO
A democracia brasileira chega à sétima eleição presidencial consecutiva com 142 milhões de pessoas aptas a votar. Entre os candidatos competitivos, estão duas mulheres — uma filha de um imigrante búlgaro, outra nascida numa comunidade de seringueiros da Amazônia — e o neto de Tancredo, um dos líderes da redemocratização. Uma eleição marcada pela tragédia e por surpresas.
Se fosse filme, o enredo pareceria exagero. Um avião caiu no dia 13 de agosto de 2014 matando o candidato Eduardo Campos, mesmo dia em que anos antes morrera seu avô Miguel Arraes, ícone da luta contra a ditadura, governador que fora tirado do Palácio das Princesas direto para a prisão em Fernando de Noronha e de lá para o exílio. O neto, velado no mesmo Palácio, não cumpriu o destino que buscava.
A morte de Campos impediu muita coisa: que ele fosse conhecido, que suas ideias fossem apresentadas ao país, que se enfrentassem dois políticos que estiveram nos fundos dos palanques das Diretas, levados pelos seus avôs, Tancredo e Arraes. As pesquisas indicavam que Eduardo tinha enorme potencial de crescimento. Nunca se saberá o que aconteceria. A partir da morte de Eduardo Campos outra eleição começou.
Desde 1992, quando Itamar Franco assumiu, o Brasil tem sido governado por quem se opôs ao regime militar, e continuará sendo, seja qual for o resultado. Mesmo assim, 30 anos depois do fim da ditadura, as Forças Armadas não aceitaram admitir que erraram em 1964. Se não agora, quando? Essa sombra do passado inconcluso ainda paira sobre a democracia brasileira.
Mas não é a única sombra. A mais perturbadora é a corrupção, que continua ceifando esperanças de que um outro Brasil é possível. O mensalão levou dirigentes do PT para a prisão, depois de julgados e condenados. O caso Petrobras floresceu na diretoria de abastecimento da maior empresa do país enquanto se investigava o mensalão. O PT nada aprendeu com um e o outro caso. O favoritismo do governo, sem que ele tenha feito qualquer autocrítica ou criado vacinas contra os próximos escândalos, mostra que uma parte considerável do país convive com os estarrecedores fatos que vieram à tona desde 2005.
A democracia brasileira segue assim com suas virtudes e defeitos. É forte o suficiente para permitir que três histórias diferentes entre si, mas notáveis, cheguem ao centro da decisão. Dilma, filha de um imigrante, foi para a política na radicalização dos anos 1970, integrou a luta armada, enfrentou prisão e tortura. Já governou o Brasil e tenta novo mandato. Aécio Neves, levado pela política de Minas pelo bom exemplo de seu avô, comprovou liderança e capacidade administrativa. Marina Silva atravessou todas as fronteiras do impossível: pobreza, analfabetismo, doenças endêmicas, distância dos grandes centros. Sempre surpreendeu quem a subestimou e exibe uma lúcida visão dos dilemas futuros. Os três representam trajetórias de o país se orgulhar. Essa é a lista tríplice que se coloca hoje para a soberana vontade do eleitor.
Perdeu-se — nas manipulações e irrelevâncias — o precioso tempo das eleições que deveria ser ocupado pelo confronto de propostas para resolver a complexa crise econômica e as urgências inadiáveis na saúde, educação, segurança, previdência pública.
Fortes emoções foram vividas nos últimos meses. A rápida ascensão de Marina Silva aconteceu ao mesmo tempo em que a campanha do PSB teve que ser completamente repensada, e material de propaganda, refeito às pressas. Todos os estrategistas tiveram que mudar o tom. O governo em busca da reeleição preferiu ir pelo caminho da feia palavra "desconstrução", sem informar como pensa enfrentar a inflação alta e reprimida, a estagnação econômica, o nó financeiro bilionário no setor de energia e o desmonte da área fiscal. Esse tipo de marketing funcionou, e Dilma Rousseff chega confortável a esse dia do encontro com as urnas. Se for a vencedora, ao fim da eleição, terá inevitavelmente que enfrentar os problemas que escamoteou durante a campanha.
Eleição sempre será um dia de festa num país com a vida democrática tão entrecortada. Que as pessoas escolhidas, na votação que começa hoje, tenham sucesso em governar o Brasil e os estados da federação, e que a próxima legislatura seja melhor do que a última.