12.10.2014
|9h00m
NO GLOBO Blog Miriam Leitão
Não haveria política social que funcionasse sem a vitória sobre a hiperinflação, e ela foi derrotada por economistas que são do PSDB ou que se identificam com o partido. O salário mínimo começou a se recuperar a partir da estabilização; os programas de transferência de renda foram possíveis por causa do real. As políticas sociais do PT têm méritos, mas o debate eleitoral criou uma dicotomia inexistente.
Não há os reacionários ortodoxos de um lado e os desenvolvimentistas de esquerda do outro. Temos no cenário político dois partidos da social-democracia com diferenças importantes nas escolhas econômicas, mas com simbioses e complementariedade em outros pontos.Não há conflito entre política fiscal controlada e recuperação da renda das pessoas. Ao contrário. É o descontrole fiscal que leva à inflação, o mal que corrói a renda. No primeiro ano do governo do PT, em 2003 o ministro Antonio Palocci fez uma política fiscal contracionista, elevando o superávit primário, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, subiu os juros. Fizeram por ortodoxia ou por necessidade?
O pânico que impedia que brasileiros, como explicou Arminio Fraga, comprassem títulos da dívida do Tesouro derivava do discurso despropositado que o PT defendera até então. Dois anos antes, importantes líderes petistas haviam abraçado a causa do plebiscito sobre pagar ou não a dívida interna. Dado que ela é constituída pelos depósitos de brasileiros em produtos financeiros lastreados em títulos do governo, evidentemente houve reação. O dólar disparou, o juro subiu, a inflação se elevou e o governo Fernando Henrique tomou junto ao FMI um empréstimo que teve 80% de seu valor sacado no mandato de Lula, criando um colchão de reservas sem o qual teria sido muito difícil o início do novo governo.
Esta foi a história que eu vi se desenrolar no dia a dia da cobertura dos fatos econômicos. Sei que foi assim não por ouvir dizer, mas por ter acompanhado cada momento. A reação Palocci-Meirelles permitiu superar o medo criado exatamente pelas atrapalhadas opções retóricas. Depois do ajuste feito em 2003, o país pôde crescer nos anos seguintes com a inflação controlada e chegando a alguns momentos até a ficar abaixo do centro da meta.
O que houve neste governo na economia está nos números divulgados pelos próprios órgãos oficiais, IBGE, Banco Central, Tesouro: o governo cumpriu 1% da meta fiscal do ano em oito meses, a inflação estourou o teto da meta, o crescimento do PIB desapareceu, a balança comercial está deficitária, e o rombo externo, das transações correntes, chega a US$ 80 bilhões. O país está numa situação precária e terá que passar por um novo ajuste no início do próximo governo. Caso contrário, quem vencer as eleições perderá a chance de fazer o país crescer nos seus quatro anos de mandato. Não será possível retomar o crescimento sem um novo ajuste, que se tornou obrigatório após os erros cometidos pela atual política.
A irracionalidade do debate e as manipulações dos números e fatos exasperam quem acompanha a economia brasileira há tantos anos e sabe o contexto de cada dado e momento.
O desemprego baixo é uma excelente notícia, mas suas bases vêm sendo corroídas pelos desajustes fiscais e monetários que este governo permitiu. O emprego na indústria já está em queda há cinco meses, mostrou o IBGE na sexta-feira.
O recuo do percentual de pobres e miseráveis é outra excelente notícia. Mas de que maneira a queda poderia ter sido construída num país com a hiperinflação que o PSDB domou? A propósito, o ministro Aloizio Mercadante mostrou os bons números da redução da pobreza em entrevista ao jornal "Valor Econômico" de sexta-feira. Disse que o percentual de pobres caiu de 34,4% para 15,9%. Maravilhoso. Mas cabem dois adendos. No resuminho de programa que a presidente Dilma divulgou, por determinação do TSE, está dito — e a candidata repetiu em entrevistas — que ao fim do governo FHC eram 54% os pobres. O dado certo é o de Mercadante, o mesmo do Ipeadata. O segundo detalhe ocultado é que a estabilização, em 1994, produziu a primeira forte queda, de 45% para 34%.
Há diferenças entre os dois partidos, mas não é a luta entre reacionários e progressistas. Há uma crise séria, produzida aqui dentro, que o governo, ocupado em agredir a oposição, ainda não disse como enfrentará.