O risco do recesso
Enviado por Míriam Leitão e Alvaro Gribel -
22.07.2014
COLUNA NO GLOBO
Em qualquer democracia do mundo, é de se esperar que haja menos sessões legislativas em ano eleitoral. É difícil, no entanto, defender um Congresso que dá a si mesmo o direito de ter apenas quatro sessões durante os meses de campanha, após dois meses de excessivos feriados. A ausência é agravada pelo fato de sequer ter sido aprovada a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Pelo cálculo do site Contas Abertas, o funcionamento do Congresso custa R$ 24 milhões por dia. No ano, chega a quase R$ 9 bilhões. Quando o contribuinte olha os números e pensa que neste segundo semestre serão apenas quatro sessões, ele pode se fazer a mais indesejada das perguntas: para que serve o Congresso?
O Poder Legislativo funcionando perfeita e livremente não tem preço. É a garantia da democracia, e quem viveu com ele fechado sabe que reduzir tudo a uma visão econômica é um equívoco. Porém, o que os deputados e senadores do Brasil têm que se dar conta é que a maioria dos brasileiros nem havia nascido quando o Congresso foi fechado pela ditadura. A geração dos que aguentam qualquer desaforo e aceitam todo o mau funcionamento envelheceu e é minoria. A maioria dos brasileiros pode, em determinado momento, se perguntar se vale a pena pagar tanto por um Poder Legislativo que não funciona.
— Os custos fixos são altos. Mesmo sem haver sessões, paga-se a luz, os serviços terceirizados de limpeza, cafezinho, os funcionários, os salários dos deputados e senadores, a verba indenizatória, os servidores que ficam nos estados nos escritórios pessoais dos parlamentares. Aliás, a maioria dos servidores dos gabinetes dos parlamentares fica nos estados e é impossível saber se estão ou não trabalhando em campanha — diz Gil Castelo Branco.
Um parlamentar não trabalha apenas quando está em votação na Câmara ou no Senado. A relação com o eleitorado e a visita aos estados para ver os problemas da região que representa são parte indissociável da representação. Mas tudo tem limite e há que haver regras. Dar a si mesmo o que chamam de "recesso branco", ou seja, uma não confessada suspensão das atividades legislativas, é nocivo à democracia.
Nos EUA, além das férias de um mês — a deles é em agosto — que acontece em qualquer parlamento, pode haver outros períodos de não funcionamento, mas a regra é rígida. Se a Câmara não puder funcionar por mais de três dias, tem que pedir a anuência do Senado e vice-versa. E é preciso votar uma resolução conjunta autorizando a suspensão das atividades por aquele período.
Há momentos em que o Congresso se nega a votar o Orçamento na data limite, mas isso paralisa completamente o Executivo. Acontece quando o Legislativo quer fazer uma demonstração de força ao Executivo, quando há uma crise séria entre os poderes. Não é um fato banalizado como no Brasil, em que o governo continua funcionando, tendo apenas que respeitar um certo limite de tipos de despesas.
No Brasil, fomos nos acostumando a esperar meses pela aprovação do Orçamento, ou a aceitar as faltas de quórum cada vez mais frequentes para votações importantes, mesmo não sendo época eleitoral. E nas eleições também nos acostumamos com a permanência prolongada dos representantes nos seus estados. Só que, desta vez, até para os nossos padrões, o recesso concedido, mas não oficialmente, chegou longe demais. Ficamos combinados que o Congresso terá, de firme, apenas quatro sessões neste segundo semestre até as eleições.
Quando voltarem, os deputados e vários senadores estarão já em fim de mandato.
— O deputado e o senador que concorre estando no mandato tem vantagens demais, porque tem toda uma estrutura paga pelo contribuinte — diz Castelo Branco.
Em qualquer democracia do mundo, quem está no cargo tem algumas vantagens impossíveis de serem neutralizadas. Mas, se houver regras, prestação de contas e fiscalização, os abusos podem ser reduzidos.
Não se deve transpor a visão da produtividade da economia para a política. Não se mede por leis aprovadas ou número de sessões o bom funcionamento do Legislativo. Contudo, o contribuinte tem o direito de exigir que os órgãos que sustenta com seus impostos prestem contas do seu trabalho. Esse recesso prolongado autoconcedido é um abuso que só contribui para enfraquecer a confiança no Poder Legislativo.