Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 13, 2014

A taça amarga -JOÃO UBALDO RIBEIRO - Estadão

A taça amarga - Cultura - Estadão

http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,a-taca-amarga-imp-,1527977
Há momentos em que aumenta muito a chance de você dizer bobagem - e é o risco que eu corro nesta manhã em que preciso encher de letrinhas este meu espaço, latifúndio onde cabem cerca de 4.000 caracteres com espaços. Não me faça, por favor, a maldade de dizer que o melhor na minha prosa são os espaços. Poupe-me de tanta franqueza quando tenho ainda a alma recoberta de hematomas. Também não precisamos revolver as cinzas de outra peleja, a do Mineirão, onde, disse alguém no Facebook, sopesando os 7 a 1: "Finalmente superamos o trauma de 1950". Ou aquele outro, na altura dos 5 a 0: "É o Brasil rumo ao vexa!".


Difícil ser dissonante quando não se fala noutra coisa. Mas não seja tão exigente com quem já confessou que não sabe distinguir um corner de um escanteio. Minha ignorância é especializada em futebol, e, vendo o jogo, só não chego a perguntar, como a grã-fina de Nelson Rodrigues: quem é a bola? Estou arrependido de ter dito que, desossados, os 90 minutos de uma partida não rendem mais que uns fiapos de carne. Sem os ossos do ócio, o jogo com a Alemanha me fez engolir sete indigestos bocados.

Não entendo da coisa, repito, mas nem por isso me doem menos na alma os hematomas futebolísticos, para os quais faz falta aquele Emplasto Brás Cubas com que sonhava o personagem do Machado, "medicamento sublime (...) destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade". Na gavetinha das miragens farmacológicas também não há, pode rir, o supositório para angústia imaginado por Aníbal Machado em João Ternura. Mas o caso não é de angústia, é de ressaca moral coletiva. A taça que nos coube sorver nesta Copa foi a taça amarga, com toim-toim e não tim-tim -, e contra seus efeitos não há na gavetinha algum tipo de Engov.

Não avisei que havia o risco de dizer bobagem?

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O Brasil subia o cadafalso no Mineirão na mesma tarde em que, num hospital paulistano, morria um velhinho porreta, como se dizia outrora, o infatigável militante de causas boas que foi Plínio de Arruda Sampaio. Aos 83 anos de idade, só mesmo assim haveria de quietar o facho quem nunca desistiu de pelejar. Ao contrário do que quase sempre acontece, e não só na política, a passagem do tempo não deu conta de entortar para a direita quem sempre veio em corajosa contramão. Começou democrata cristão e foi desaguar, quatro anos atrás, cheio de energia, numa candidatura à Presidência da República pelo PSOL. Entre uma coisa e coisa, perdeu um mandato de deputado federal, cassado nos primeiros dias do golpe de 64, gramou anos de exílio, e, em 1980, ajudou a fundar o PT, do qual se afastaria, nauseado, ao supurar o escândalo do mensalão, em 2005. Às vésperas de completar 84 anos, Plínio de Arruda Sampaio não dava mostras de que estivesse para jogar a toalha.

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Não me leve a mal se faço desta conversa um muro de lamentações, mas na mesma terça-feira aziaga se foi também, no Rio de Janeiro, aos 68 anos, a Thereza Oliveira da Silva, de quem falei aqui em 16 de fevereiro: a noivinha que ao se casar, meio século atrás, no subúrbio carioca de Brás de Pina, conseguiu que a revista Claudia realizasse seu sonho de ter uma festa da qual participasse, para fazer um discurso, seu cronista preferido, Paulo Mendes Campos. Discurso não houve, e sim coisa bem melhor: uma "Crônica para Thereza" lida no ato. A recuperação da história, tanto tempo depois, permitiu que a repórter Clarissa Thomé localizasse Thereza e, numa bela página do caderno Aliás, nos atualizasse com uma valente criatura que, mesmo baleada por vários tipos de infortúnio, jamais perdeu o pique de viver. Convido você a vê-la e ouvi-la, exuberante, na entrevista que com ela fez, dois meses atrás, a pesquisadora Elvia Bezerra, do Instituto Moreira Salles (http://www.ims.com.br/ims/explore/acervo/noticias/de-paulo-para-thereza). Ex-presidente de torcidas organizadas do Botafogo, por poucas horas Thereza não chegou a ver o massacre do Mineirão, que lhe teria reservado o dissabor adicional de encontrar carrascos vestindo uniforme muito parecido com o do Flamengo.



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