Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 01, 2014

Estragando a festa Míriam Leitão: O Globo

COLUNA NO GLOBO


A estabilização corre riscos. Não há risco de haver uma inflação descontrolada amanhã, mas as bases que sustentam a moeda vêm sendo minadas nos últimos anos. A conta de erros na economia sempre acaba chegando. Para se ter uma ideia, se fosse corrigir no ano que vem todo o preço de energia que ficou reprimido nos últimos dois anos, o reajuste teria que ser de 30%.

O governo fez, nas últimas horas, uma comemoração às avessas do plano que derrotou a hiperinflação no Brasil. Na véspera de o Plano Real fazer 20 anos divulgou-se que, em maio, houve um rombo histórico nas contas públicas, um déficit primário de R$ 11 bilhões. Isso significa que, mesmo sem contar o que pagou de juros da dívida, o governo teve um desequilíbrio dessa magnitude. É o maior desde que essa série começou.

O ministro da Fazenda anunciou ontem mais subsídio a empresários, que é renúncia fiscal, ou seja, uma forma de gasto. O governo teve queda de arrecadação e, mesmo assim, decidiu novamente distribuir a alguns setores vantagens tributárias. Isso já foi feito várias vezes nos últimos anos e não deu certo.

Outro fator desestabilizador é o da inflação reprimida dos preços administrados. Se fossem corrigidos em 2015 todos esses preços com atraso, o IPCA iria para 7,8%, pelas contas da equipe do Modal Asset.

De acordo com Alexandre de Ázara, sócio e economista-chefe do Modal, os administrados precisam subir 13,8% em 2015 para recompor o que ficou represado nos últimos anos. A energia elétrica tem uma alta atrasada de 30%; os ônibus urbanos, 20%; e a gasolina, 15%. Além disso, há defasagens em itens como remédios, telefonia, água, esgoto e gás.

Uma lição aprendida com os planos que fracassaram foi não manipular preços. Quando os preços foram congelados, ou houve reajustes artificiais dos bens e serviços que o governo controla, a inflação acabou subindo mais no período seguinte. O Modal fez contas para a coluna que mostram esse desequilíbrio:

— De 2003 a 2010, os preços administrados subiram em média 5,5%, no mesmo patamar do IPCA, que foi 5,4%. Entre 2011 e maio de 2014, no entanto, eles foram usados pelo governo para evitar que a inflação estourasse o teto da meta. Os administrados subiram apenas 3,8%, enquanto o IPCA foi de 6,2% em média. Para corrigir isso, será preciso que eles subam 13,8% no ano que vem, o que levaria a inflação oficial para 7,8% — disse Alexandre de Ázara.

Preços reprimidos são um perigo, mas o maior fator desestabilizador é a gastança. De janeiro a maio deste ano, a receita do Governo Central (Tesouro, Previdência e Banco Central) cresceu 0,5% enquanto as despesas primárias, que não incluem o pagamento de juros, subiram 4,8%, segundo a consultoria Rosenberg & Associados. Para piorar, houve adiamento de gastos obrigatórios, como, por exemplo, com precatórios e a Conta de Desenvolvimento Energético. As despesas de custeios tiveram um aumento de 12,8% nos cinco primeiros meses do ano.

Outra lição aprendida foi não fabricar dinheiro através de engenhocas contábeis como as contas de movimento. Como tudo foi há muitos anos, é preciso explicar. No governo militar fabricava-se dinheiro através de uma conta conjunta entre Banco do Brasil e Banco Central. O primeiro recebia do segundo fundos ilimitados para cobrir seus rombos.

No atual governo, foi recriada essa ciranda. O Tesouro se endivida no mercado e manda dinheiro ao BNDES, que, de vez em quando, envia dinheiro para o Tesouro nos momentos em que as contas estão em nível muito ruim. Na semana passada, o governo anunciou que vai mandar mais um cheque de R$ 30 bilhões ao BNDES, e o Tesouro cobrou do banco R$ 1 bilhão de juros de antigos empréstimos para ajudar na melhoria do desempenho fiscal. Aliás, essa montanha de dinheiro enviada ao BNDES virou um esqueleto gigante.

Estabilizar não é apenas num dia fazer a mágica de trocar uma moeda por outra. O trabalho é árduo e longo. Na área fiscal, foi preciso tirar muito esqueleto do armário, ou seja, dívidas não contabilizadas adequadamente, até ser possível ter uma Lei de Responsabilidade Fiscal. Foi preciso entender as razões dos fracassos dos vários planos para não repeti-los. O que o país não pode agora é cometer erros conhecidos. E é exatamente isso que o atual governo tem feito.

http://oglobo.globo.com/economia/miriam/




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