Dois dias de folga sem bola rolando e eis que se manifestam as primeiras crises de abstinência na plateia mantida a tensão mil por uma Copa do Mundo cheia de reviravoltas, bolas na trave, pênaltis, surpresas, milagres no último minuto, sem falar em mordidas e cenas de choro provocadas pela vontade patológica de ganhar.
A Copa é tida como um sucesso, porque além da média elevada de gols, tem proporcionado espetáculos mais eletrizantes que filmes de Hitchcock, e além disso nenhum estádio de futebol superfaturado e entregue fora do prazo desabou, embora alguns deles já tenham entrado em seu regime de aposentadoria precoce e os governos comecem a quebrar a cabeça com o destino que terão que dar a eles.
Aqui vale repetir a frase histórica da Economist sobre o futebol- "the business is dirty but the game is beatiful"- só para relembrar que as duas coisas, o negócio e o jogo, não se misturam - ou não deveriam se misturar, pelo menos em países que estão em gozo de sua sanidade mental coletiva.
Assim como é insano vestir máscaras, sair quebrando tudo e pisoteando carros importados de luxo, não é sério pensar que uma vitória ou uma derrota dentro do campo de jogo tenha consequências políticas e sociais e contribua de alguma forma para mudar os destinos de um País.
O Brasil tem mais problemas do que o peso que as camisas pentacampeãs têm sobre a psique de nossos jovens jogadores, tornados estrelas milionárias antes mesmo de seu amadurecimento emocional, pela extrema internacionalização e monetização do esporte que praticam, que os obriga a pisar nas estrelas antes mesmo de saber quem são e o que vieram fazer no mundo.
A euforia ou a depressão que se seguirão ao final do espetáculo terão a justa duração que têm os efeitos de uma vitória ou uma derrota no esporte.
Maracanazo já houve um, e foi o primeiro e único. Assim como nunca se repetirá o milagroso deslumbramento da campanha de 58 na Suécia.
Nos assuntos que dizem respeito ao verdadeiro futuro do País, espera-se que a discussão se torne mais madura.
O sobe-desce das pesquisas eleitorais à luz do que acontece ou deixa de acontecer nos estádios é uma banalidade que nenhum país merece.
Vamos voltar à mediocridade pacífica de nossos campeonatos desprovidos de estrelas mas repletos de fervor clubistico, e vamos decidir finalmente se nos próximos anos que nos esperam ali na frente vamos aproveitar para construir um país de verdade, com fundamentos sólidos, com liberdade consolidada, com democracia madura, com poderes ativos e independentes, com crescimento real da economia e educação verdadeira para que possamos trocar a nossa legião de sobreviventes por verdadeiros cidadãos.
A escolha, com um sem Taça, é única: construir um País de verdade, ou continuar pintando a festa de nossos trapos coloridos para enfeitar os programas dos partidos políticos na TV.
Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de "O Estado de S.Paulo". É autor do livro "A Ilha Roubada", (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez e "Armênio Guedes, Sereno Guerreito da Liberdade"(editora Barcarolla). E.mail: svaia@uol.com.br
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