FOLHA DE SP - 02/08
Celebrada pelo governo brasileiro como uma "nova etapa" do bloco comercial, a precipitada incorporação da Venezuela ao Mercosul, concretizada anteontem, seguiu a lógica estreita da afinidade ideológica e das políticas erráticas que têm impedido o aprofundamento da integração comercial sul-americana.
Foi excessiva a determinação do bloco de suspender o Paraguai após o impeachment do presidente Fernando Lugo. A exclusão dos paraguaios, que resistiam ao acordo com Hugo Chávez, abriu caminho para a Venezuela.
Ao rigor contra os excessos do Congresso paraguaio -que seguiu a Constituição, mas cerceou o direito de defesa de Lugo- se contrapõe agora à leniência com as iniciativas autoritárias de Chávez.
É compreensível o interesse do Brasil em aprofundar o comércio com o vizinho ao norte. A economia venezuelana representa mais de quatro vezes o produto anual conjunto de Paraguai e Uruguai. Assim como a Argentina, a Venezuela é um importante mercado para manufaturados brasileiros.
Olhar apenas para o tamanho da economia, porém, resulta num argumento míope. Um bloco comercial deve incentivar negócios entre os países membros, com respeito às regras acordadas, supressão de barreiras e tarifa externa comum.
A prática política no grupo aponta na direção inversa: desrespeito às normas e exceções numerosas, que dificultam o cálculo de longo prazo por agentes econômicos.
Empresários de toda parte tomam a previsibilidade como condição necessária para o investimento. É tudo o que os governos do Mercosul não lhes têm oferecido.
Nos últimos meses, a Argentina aprofundou a relação oportunista que sempre manteve com o bloco, com a criação de novas barreiras comerciais. O intercâmbio com o Brasil tem crescido ao longo dos anos, é bem verdade. Mas, desde 2004, as trocas com o vizinho do sul cresceram na mesma marcha das realizadas com o restante do mundo (excluída a China).
Era de esperar que o Mercosul tivesse feito o comércio crescer a um ritmo maior do que o realizado com países com que o Brasil não realiza tal esforço de integração.
Seria ingênuo a presidente Dilma Rousseff esperar de Chávez, cada vez mais confundido com o Estado venezuelano, comportamento menos inconfiável que o voluntarismo de Cristina Kirchner. Com eles, o Mercosul seguirá patinando.