Crônica de uma asfixia anunciada - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK
O Globo - 13/04/12
Nos últimos 20 anos a carga tributária da economia brasileira foi multiplicada por 1,5. Passou de 24% para 36% do PIB. Um aumento de nada menos que 12 pontos percentuais do PIB. Não há hoje no mundo outra economia emergente relevante com carga tributária tão alta quanto a do Brasil. E o pior é que a carga continua a aumentar. Só no ano passado, o salto foi da ordem de 1,5% do PIB.
"A elevação sem fim da carga tributária vai acabar sufocando o crescimento econômico do país." Tal advertência vem sendo repetida ad nauseam há muitos anos. E, no entanto, a maior parte da opinião pública tem reagido a esse prognóstico com a fleuma de quem toma conhecimento de que o sol está em inexorável processo de esfriamento. A percepção típica tem sido a de que a advertência aponta para um problema importante a ser enfrentado no futuro distante, quando, de fato, passar a merecer atenção.
A má notícia, para quem tinha tal percepção do problema, é que o futuro chegou. A elevação sem fim da carga tributária está, afinal, sufocando o crescimento da economia brasileira. Não da economia como um todo. Por enquanto, o que vem sendo claramente sufocado é o dinamismo de boa parte da indústria de transformação. Até mesmo Brasília parece ter-se dado conta disso.
Com o anúncio do pacote da semana passada, o governo reconheceu de forma cabal que muitos segmentos da indústria já não têm mais condições de arcar com a parte que lhes cabe na carga tributária que vem sendo imposta à economia. O agronegócio, a mineração e a extração de petróleo continuam tendo perspectivas promissoras. E, apesar de toda a voracidade da extração fiscal, a produção de serviços, resguardada da concorrência externa, vem conseguindo manter o crescimento. Parte da indústria, contudo, exposta à concorrência das importações, vem perdendo competitividade a olhos vistos, depauperada pela tributação exagerada e pelo custo Brasil despropositado, decorrente, em grande medida, da deficiência com que os três níveis de governo se desincumbem dos papéis que lhes cabem na oferta de serviços públicos e na expansão da infraestrutura.
O problema é que o governo mostra total despreparo para lidar com os desafios de uma agenda de redução efetiva da carga tributária. Porque, simplesmente, não contava com isso. Muito pelo contrário, vinha apostando todas as fichas na possibilidade de manter a arrecadação crescendo bem acima do PIB, para que o gasto público pudesse continuar em rápida expansão, em consonância com seu projeto político.
O que mais impressiona nesse despreparo é a negligência com que o governo trata possibilidades concretas de redução de carga tributária. Nas últimas semanas, voltaram a ganhar destaque as queixas da indústria contra a brutal carga tributária que recai sobre energia elétrica e serviços de telecomunicação. A reação do governo federal tem sido a de alegar, mais uma vez, que há muito pouco o que a União possa fazer a esse respeito, já que a maior parte do problema decorre das alíquotas extorsivas de ICMS com que os estados taxam tais insumos.
No entanto, ao mesmo tempo em que vem fazendo tais alegações, o governo vem negociando com os governadores a adoção de novas regras de indexação das dívidas dos estados com a União. Como era fácil prever, a abertura dessa caixa de Pandora já deu lugar a um festival de propostas irresponsáveis de renegociação das dívidas estaduais, como bem ilustra o projeto que ganhou corpo no Senado. Mas, apesar do risco de perda de controle da renegociação, tudo indica que o governo vai mesmo oferecer aos estados um pacote de bondades, com redução dos encargos das suas dívidas com a União. O que parece inexplicável, contudo, é que até agora não tenha havido a mais vaga menção à possibilidade de que a redução desses encargos esteja de alguma forma vinculada à diminuição das absurdas alíquotas de ICMS cobradas pelos estados sobre energia elétrica e telecomunicações. Como se isso pouco importasse ao governo federal. E não fosse crucial para o país.