O GLOBO - 26/04/12
Sair das obras do Maracanã, no entanto, não desviará a atenção das implicações que porventura existirem com políticos do Rio, nem deixar as obras da Petrobras apagará o rastro da empreiteira Delta pelo governo federal, notadamente no PAC, para o qual, ao final de 2011, era a principal fornecedora do programa, com contratos avaliados em mais de R$ 2 bilhões.
A prisão de seu diretor para o Centro-Oeste, Claudio Abreu, que, pelas gravações de conversas telefônicas, mais parecia um empregado de Carlinhos Cachoeira, não vai ter o dom de desfazer os "malfeitos", nem de restringir a ele as acusações contra a Delta.
A CPI terá espaço, por exemplo, para investigar qual a verdadeira relação do bicheiro com a empreiteira, pois cada vez mais essa promiscuidade dos negócios de ambos sugere que Cachoeira tem mais a ver com a Delta do que se suspeita.
A CPI começa com todas as investigações já feitas, e muita gente presa, e tudo indica que será difícil que novas revelações surjam, a não ser que as investigações sejam aprofundadas justamente onde a Polícia Federal e o Ministério Público ainda estão começando, que é o caso da Delta.
Além de tornar oficial o conteúdo das investigações anteriores, muito do qual já vazou, a CPI pode aprofundar aspectos das investigações.
O fato de a Corregedoria Geral da União (CGU) ter aberto um processo que pode resultar na declaração de inidoneidade da empreiteira não significa que os órgãos encarregados da vigilância do dinheiro público estejam cumprindo com o seu dever.
Um dos primeiros requerimentos da CPI deverá ser para que os órgãos fiscalizadores, como o Tribunal de Contas da União e a CGU expliquem por que não têm a capacidade de se adiantar aos fatos que são denunciados permanentemente pela imprensa e, como no caso da Delta, estão sempre a reboque das denúncias.
A capacidade de prevenção desses órgãos é praticamente nenhuma, e há uma tendência dentro da CPI para que uma de suas vertentes mais importantes seja a que vai definir novos procedimentos para a fiscalização das obras públicas e das licitações, para que se saia desta CPI com medidas concretas de melhoria do controle. Outra decisão que parece estar ganhando força dentro da CPI é não repetir o que já foi investigado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público nas operações Vegas e Monte Carlo.
O senador Pedro Taques, do PDT, por exemplo, um novato no Congresso e em CPIs, imagina um procedimento ideal: acha que não se deve convocar ninguém, muito menos o bicheiro Carlinhos Cachoeira, antes de a CPI receber os processos relativos às operações Vegas e Monte Carlo, para que todos os membros da comissão estejam bem preparados na hora do interrogatório.
Isso não impedirá, por exemplo, que as convocações de praxe aconteçam, e já está havendo uma corrida para registrar os primeiros pedidos dos partidos, que vão desde a convocação das figurinhas carimbadas da investigação, como o bicheiro Carlinhos Cachoeira e o empresário Fernando Cavendish, a até mesmo uma acareação entre o ex-diretor do Dnit Luiz Pagot com o bicheiro, a quem acusa de ter manobrado para tirá-lo do posto.
A preocupação formal com os trabalhos da CPI parece mais presente do que em outras ocasiões, pois o desejo é que essa não seja apenas mais uma comissão de inquérito, mas deixe sua contribuição para avanços na área de fiscalização do dinheiro público.
Por isso está ganhando corpo a proposta do deputado federal Miro Teixeira, representante do PDT na Comissão Mista, de bloquear os bens dos principais acusados nos processos da Polícia Federal e do Ministério Público, para que o dinheiro desviado possa ser ressarcido aos cofres públicos em caso de condenação.
Outro aspecto formal que terá muita importância no decorrer dos trabalhos é um pedido a todos os órgãos públicos para que enviem seus documentos digitalizados no mesmo formato, a ser definido pelos técnicos do Prodasen (serviço de processamento de dados do Senado Federal), para que seja possível montar um banco de dados de fácil acesso para seus membros.
Na próxima quarta-feira haverá a primeira reunião administrativa para definir os rumos que a CPI tomará. Há uma preocupação com a forma, para não perder o conteúdo. O grupo independente não quer deixar que as apurações se percam em brigas partidárias e pretende agir suprapartidariamente, "doa a quem doer".
O senador Jarbas Vasconcellos, do PMDB, por exemplo, só está na CPI por uma gentileza da oposição. Embora não se alinhe no bloco aliado, ele pretende trabalhar não com o objetivo de condenar o governo, mas de desbaratar o esquema criminoso que foi montado pelo bicheiro goiano, que vai muito além de seus domínios geográficos. Vai ser difícil, no entanto, impedir que a CPI sirva de trampolim político tanto para governistas quanto para oposicionistas, pois ela nasceu de um desejo de vingança, e esse traço negativo não desaparecerá mesmo que o ex-presidente Lula, que queria se vingar originalmente de seus adversários goianos, o governador Marconi Perillo e o senador Demóstenes Torres, já tenha compreendido que junto com eles poderão cair aliados diversos.
Lula parece empenhado em reorganizar suas forças para a batalha que ajudou a montar, mas já perdeu a primeira queda de braço com o Planalto, que vetou seu relator preferido, o deputado Cândido Vaccarezza.
A presidente Dilma, discretamente, como é de seu estilo na Presidência, não pretende ficar refém de manobras políticas alheias e tratou de montar sua própria estratégia, escolhendo um relator de confiança de seu grupo político.
Já que o desfecho é inevitável, pelo menos está tentando minimizar os danos.