O GLOBO - 09/10/11
Olhar o passado e o futuro ao mesmo tempo é um desafio estimulante. Eu tive essa chance na última semana, no meu trabalho. Olhar para trás permite ver uma soma de avanços incompletos, tarefas essenciais deixadas no caminho, um futuro com possibilidades reais, mas que será diferente do que temos hoje. Haverá rupturas e em alguns casos não estamos preparados para elas.
O economista André Lara Resende acha que a questão ambiental e climática muda o conceito do que seja desenvolvimento. É a hora, avisa, de deixarmos de ser "mercantilistas" no cálculo do que seja o avanço da economia. O historiador e cientista político José Murilo de Carvalho acha que a qualidade da democracia e uma nova cidadania são os desafios que temos pela frente. "Temos estadodania", excesso de Estado. O sociólogo José Pastore prevê que o mundo mudará muito rápido e diz que temos de ter a flexibilidade para seguir mudando.
A Globonews me deu o privilégio de reunir convidados num programa de auditório, com plateia qualificada, para a gravação do programa 15+15. O canal faz 15 anos e o desafio era olhar o passado que ele cobriu no seu noticiário 24 horas no ar e pensar o futuro. A CBN faz 20 anos, e a direção me convidou para junto com Carlos Alberto Sardenberg e mediação de Carolina Morand discutir no teatro Oi Casa Grande também o passado e o futuro.
O Brasil deu saltos extraordinários. Essa é sempre a primeira conclusão. Quando a CBN começou a tocar notícia em 1991 o País curava as feridas do Plano Collor e tinha uma demanda dupla e aparentemente contraditória: não queria mais intervenções arbitrárias na economia, mas continuava sonhando com a estabilidade. O País conseguiu: o real deu certo por ter sido explicado primeiro e adotado depois: sem surpresas, choques e imposições. Quando a Globonews nasceu, em 1996, o País estava descobrindo que vencer a hiperinflação não era o fim da história. Era o começo.
Nos últimos 15 anos houve crises sucessivas: a nossa crise bancária que estava no meio, quando o canal surgiu; a dos países da Ásia; o nosso colapso cambial. No mundo: o 11 de Setembro; as bolhas pelo excesso de liquidez; o aumento do poder da China; a crise de 2008 que ainda não acabou e tem tido assustadores desdobramentos. O Brasil aprovou a Lei de Responsabilidade Fiscal e fez uma transição política que preservou a conquista monetária e avançou em inclusão social.
Em 18 anos, vai do pico de 47% de pobres para 24%. E de 23% de extremamente pobres para os atuais 8,4%, pelas contas feitas pelo economista Ricardo Paes de Barros. É uma trajetória impressionante, porque, como lembra o economista, o Brasil já cumpriu em 2006 a meta do milênio prevista para 2015 em termos de pobreza extrema.
Parte disso pelo dinamismo do mercado de trabalho, lembrou José Pastore, no 15+15. O movimento de inclusão foi mais determinado pelo emprego do que pelas políticas de transferência de renda, e agora começa a faltar mão de obra. José Murilo de Carvalho alerta sempre que não se deve ver esses avanços com ufanismo. Ele acha que a gente sai muito rapidamente do complexo de vira-lata para o complexo de grandeza. Há atrasos inaceitáveis. De fato, no mercado de trabalho mesmo há 40 milhões, lembra Pastore, sem qualquer proteção por estarem na informalidade.
A China aparece em qualquer conversa sobre o futuro. André Lara Resende vê o início de uma transição, como a do começo do século passado com redução do peso da Inglaterra e aumento do poder dos Estados Unidos. "A mudança do padrão ouro para o padrão dólar." A crise americana é uma parte dessa transição. Só isso já daria um programa, mas tivemos que passear por temas complexos pela intensidade da agenda do mundo e do Brasil. José Murilo teme esse mundo mais chinês pela estrutura autoritária do poder político. José Pastore lembra a complementaridade com a economia brasileira. A China será sempre essa mistura de ameaça, chance e enigma.
André acredita que o Brasil tem que parar de ver o comércio internacional e a conta corrente com a visão antiga de que déficit é prejuízo. É preciso aprender que quando o sinal parece negativo, o que o país está fazendo é absorvendo poupança externa. Lembra que não podemos abusar dessa fórmula, mas usá-la como travessia para um país que tenha mais capacidade de poupar.
A educação é o grande obstáculo para o futuro. Nisso, há consenso, mas o caminho continua bloqueado. Os dados são assustadores quando se compara o Brasil com o mundo. José Murilo lembra que em alguns países da América espanhola as universidades foram criadas no século XVII. Aqui, só no século XIX. José Pastore acha que educação é um alvo móvel: nós avançamos, mas outros países avançam mais rápido. Não é hora de comemoração. É de apressar o passo.
Por que o Brasil não demonstra mais indignação com os defeitos da nossa democracia? Como aceita os números de desmatamento? Foram, em 15 anos, 209 mil km2 de Amazônia destruídos e isso dá 135 vezes a área da cidade de São Paulo. E até a escassa Mata Atlântica continua encolhendo: em 15 anos, 7,5 mil km2, cinco vezes a área da cidade de São Paulo. Números eloquentes que mostram - como disse André - que é preciso rever conceitos para o encontro com o futuro.
Trinta dias me parecem tempo demais para ficar sem vocês, mas tentarei: saio de férias hoje. Vocês ficarão neste espaço com Regina Alvarez. Com Álvaro Gribel