Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 01, 2011

Nova política velha MIRIAM LEITÃO



O GLOBO - 01/10/11

A política econômica mudou. Ela foi mudando devagar como aquela água que vai esquentando e o sapo não percebe. Começou discretamente em 2005; a crise de 2008-2009 foi entendida como licença para mudar; a disputa eleitoral ampliou o relaxamento fiscal e agora com as recentes guinadas já se pode dizer que não é a mesma política econômica dos últimos 18 anos.

O sistema de metas de inflação foi flexibilizado para se aceitar um pouco mais de inflação; o regime fiscal só fecha na meta quando há receitas extraordinárias ou truques contábeis; o fechamento comercial está no discurso supostamente nacionalista e nas medidas que se apresentam como defesa do emprego.

A política mantida desde 1994 deu ao país crescimento, inflação baixa, inclusão social, ampliação do mercado consumidor, e o grau de investimento. Mesmo adversários na arena política, o governo Fernando Henrique e o primeiro governo Lula foram complemento um do outro. No segundo, o governo começou a sair lentamente das premissas que mantiveram a estabilidade. Esse caminho é perigoso e velho. Na área comercial, a escolha de setores e os privilégios das montadoras são equívocos bem conhecidos do Brasil.

O economista José Márcio Camargo, da Opus Gestão de Recursos, alinha os sintomas dessas mudanças.

- O IPI dos automóveis é uma volta à economia fechada que protege um setor empresarial com tarifas. O Plano Brasil Maior é um projeto típico dos anos 1970, em que o país protege e subsidia setores escolhidos pelo governo - diz Camargo, lembrando que a indústria automobilística no Brasil tem 70 anos e não consegue competir com a coreana, que tem 30 anos.

Até o mês passado se dizia que ninguém poderia competir com aquele câmbio. Bom, o dólar subiu 18% em setembro. A maior alta em nove anos para um único mês. Isso não só tornou mais absurda ainda a elevação do IPI como também acelerou as pressões inflacionárias.

Camargo admite que a situação do governo não é fácil. O contexto internacional está muito ruim e em algum momento teria que ser feita uma escolha entre inflação e crescimento, na opinião dele:

- Não é um momento simples. O que preocupa é essa tendência da política econômica de reverter a melhoria institucional que vem desde os anos 90. O ponto é que temos uma arrecadação tributária de 37% do PIB e o país tem déficit nominal de 2%. O Estado consome 39% do PIB e presta serviços péssimos.

Em 2005, quando a então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, impediu a proposta de déficit nominal zero, por achar que era rudimentar, a política econômica estava começando a fazer a guinada para mais expansionismo fiscal. A chance era aquela, porque 2005, 2006, 2007 e 2008 até setembro foram anos bons, de crescimento, de mais arrecadação e o país poderia ter feito esforço maior para ajustar as contas, derrubar juros e perseguir metas menores de inflação.

Naquele momento a escolha foi não avançar em reformas, mudanças, aceitar a reprodução da mesma meta de inflação e continuar expandindo gastos. A crise de 2008-2009 produziu a escalada do intervencionismo estatal e a escolha de setores beneficiados pelo BNDES, que passou a ser financiado por recursos de endividamento. Tudo lembra fortemente a politica econômica do governo militar dos anos 1970.

Nos primeiros meses do governo Dilma o projeto de volta para o passado ganhou musculatura. A guinada da política monetária foi o momento em que todas as fichas caíram. É preciso derrubar mais os juros, e eles são a última fronteira da economia anormal que o Brasil teve até que a dupla Itamar Franco e Fernando Henrique mudaram o país. O problema é fazer isso tirando a âncora, como disse ontem em artigo magistral neste jornal o economista Rogério Werneck.

A inflação está acima da meta e muito provavelmente ficará acima no final do ano. As pressões inflacionárias do câmbio vão neutralizar qualquer pressão deflacionária que venha de fora por causa da crise. As matérias-primas que mais subiram no Brasil em setembro foram minério de ferro, soja e café. Isso apesar da crise internacional ter provocado uma enorme sangria nas bolsas do mundo inteiro. O índice Dow Jones perdeu 12% no trimestre, a maior queda desde 2009. A bolsa inglesa caiu 14,5%, a francesa e a alemã caíram 26%. O Ibovespa caiu 16%.

Tudo isso no entanto não derrubou os preços das commodities no Brasil, que é o argumento do Banco Central para justificar a queda dos juros mesmo com a inflação em alta. O índice CRB, que mede uma cesta de commodities, caiu 6,6% em dólares no mês de setembro, mas subiu 7,8% em reais. O dólar que estava cotado a R$1,59 no dia 31 de agosto ontem fechou em R$1,88. O fato é que na nova política econômica o governo aceita um pouco mais de inflação, no pressuposto de que isso garantirá algum crescimento, e amplia gastos com setores escolhidos que são também protegidos com política comercial. A ideia é que isso permitirá o desenvolvimento do mercado interno.

Como os últimos 17 anos mostraram, o mercado interno cresce, com ampliação da classe média, é com o trabalho incessante de manter a inflação baixa. É ela que corrói salários e mina a estrutura econômica do país.

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