O GLOBO - 01/10/11
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem pela frente pelo menos três julgamentos que o colocarão no centro das atenções da opinião pública: o que definirá o poder do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de punir e fiscalizar juízes, tema que provavelmente voltará à pauta na próxima quarta-feira; o da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa; e o do mensalão.
Os casos do CNJ e da Ficha Limpa têm semelhanças, já que são representações do anseio da sociedade por uma atuação ética e eficiente do Legislativo e do Judiciário. O caso do mensalão é o maior escândalo de corrupção política já ocorrido no país, que, segundo o procurador-geral da República, colocou em risco o próprio regime democrático brasileiro.
O que parecia ser uma tendência majoritária do Supremo contra a capacidade do CNJ de julgar e eventualmente punir juízes, independente da ação das corregedorias regionais, já não parece ser tão majoritária assim, diante da reação negativa da opinião pública, e procura-se uma saída para não esterilizar a ação do CNJ em benefício de um corporativismo que está na raiz da criação do próprio Conselho.
E está também na origem do desentendimento entre o ministro Cezar Peluso, presidente do Supremo e do CNJ, e a corregedora Eliane Calmon, que em entrevista disse que havia bandidos protegidos pela toga.
As palavras fortes de Eliana Calmon surgiram como pretexto para fragilizar o CNJ, do qual ambos fazem parte, quando o fulcro da questão era outro.
Que há bandidos escondidos em todas as profissões, não resta dúvida, e os muitos processos que o CNJ já julgou, condenando juízes por tráfico de influência, desvio de verba pública, favorecimento a terceiros, e os diversos processos que envolvem até mesmo denúncias de venda de sentenças mostram que o Judiciário não é, e nem poderia ser, um poder infenso a esse tipo de ação, já que é formado por humanos, e não por super-homens acima do bem e do mal.
Caberia à maioria dos juízes honestos batalhar pela punição dos que, acobertados pela toga, agem como criminosos, com o agravante de que se utilizam dos poderes de magistrado para perpetrarem seus crimes.
A defesa da corporação está com os que querem um Conselho Nacional de Justiça mais ativo, refletindo os anseios da sociedade por mais justiça, mais rapidez nos processos, um Judiciário, enfim, que inspire confiança aos cidadãos.
Foi justamente esse sentimento que fez com que a ideia de um controle externo da magistratura prosperasse e fosse vitoriosa, depois de anos de negociação em que foi fundamental a atuação do então presidente do Supremo, ministro Nelson Jobim.
Sua composição revela justamente essa preocupação de espelhar a sociedade. Ele é presidido pelo presidente do Supremo e composto por um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ); um ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST); um desembargador de Tribunal de Justiça; um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal; um juiz de Tribunal Regional Federal (TRF), indicado pelo Superior Tribunal de Justiça; um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça; um juiz de Tribunal Regional do Trabalho; um membro do Ministério Público da União; um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo procurador-geral da República dentre os nomes indicados cada instituição estadual; dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.
Ao contrário da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), que impetrou a ação direta de inconstitucionalidade no Supremo contra a ação do CNJ, a Associação dos Juízes para a Democracia (AJD) soltou uma nota em que o juiz José Henrique Rodrigues Torres, presidente do Conselho Executivo, afirma, entre outras coisas, que "na cultura política brasileira há longa e nefasta tradição de impunidade dos agentes políticos do Estado, dentre os quais estão metidos a rol os membros do Poder Judiciário, notadamente os desembargadores dos tribunais estaduais e federais, e ministros dos superiores".
Ao mesmo tempo, o senador Demóstenes Torres, do DEM, apresentou uma emenda constitucional que garante ao Conselho Nacional de Justiça o direito de julgar e punir juízes.
Na verdade, essa emenda remete ao espírito da lei que criou o CNJ e seria dispensável se não fosse essa reação corporativa. O CNJ não foi criado como um órgão revisor, e tem amplos poderes para receber denúncias contra juízes, mesmo diretamente, sem a necessidade de que a reclamação passe pelos tribunais locais.
Os poderes são tão amplos que ele pode mesmo agir por conta própria, mesmo sem que haja uma denúncia de terceiros.
O que pode sem dúvida explicar essa reação da AMB é o número crescente de processos contra corregedores dos tribunais de Justiça, presidentes dos tribunais de Justiça do país, presidentes de tribunais regionais federais, desembargadores, enfim, a cúpula dos tribunais anda sob a vigilância do CNJ.
Um caso emblemático de como o corporativismo encontra sempre meios de proteger os seus está registrado num relatório do CNJ sobre o julgamento de punição administrativa de um juiz pelos desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Como não houve consenso sobre o tipo de pena, embora nenhum dos 13 desembargadores tenha votado pela absolvição do juiz (seis votaram pela pena de censura, cinco pela aposentadoria compulsória, e dois pela remoção compulsória), o tribunal optou pelo arquivamento do caso.
São casos assim que fazem com que o Poder Judiciário como um todo caia no descrédito da população, e a ação moralizadora de um Conselho Nacional de Justiça com plenos poderes é fundamental para a recuperação da credibilidade do Poder Judiciário, que continua sendo a garantia final da democracia.