O Estado de S. Paulo - 04/08/2011
Quem esperava por imediata recuperação da economia global vai perdendo a esperança. A crise é mais ampla e mais profunda. Já começa a ficar mais claro que está em curso uma grande paradeira da qual a economia mundial não sairá tão cedo.
Esta não é puramente uma recessão, quando apenas se amontoam os estoques e cresce o desemprego, mas que, em meses, se resolve. O tão difícil acordo político obtido nos Estados Unidos garantiu somente o aumento da dívida do Tesouro, não sua sustentabilidade. Ao contrário, a situação fiscal americana está em franca deterioração. E o mesmo se pode dizer de um punhado de países do bloco do euro.
Em artigo publicado dia 2, o ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional Kenneth Rogoff (leia na página B9) advertiu que a saída quase inevitavelmente exigirá transferências de riqueza dos credores para os devedores. E isso poderá acontecer por meio ou de calotes; ou de desvalorização da moeda do devedor; ou de inflação. E, desta vez, o Brasil é credor. Suas reservas já perdem substância diante da forte desvalorização do dólar e do euro.
É também o que explica a quase exasperação com que a China vem advertindo para os riscos de calote dos títulos do Tesouro americano, dos quais é credora em US$ 1,2 trilhão.
O impacto da Grande Depressão dos anos 30 não se limitou aos países ricos. Foi uma crise mundial. Mas naqueles tempos, as finanças não estavam tão globalizadas como hoje. Isso significa que seus efeitos agora serão mais rapidamente disseminados, sem que isso garanta recuperação também mais veloz.
Uma forte transferência de riqueza dos credores para os devedores implicaria muita coisa e não só a ameaça de guerras comerciais e o aumento do desemprego. Elevaria o risco de naufrágio de um grande número de bancos, especialmente nos países ricos. Levaria a provável enfraquecimento dos fundos de pensão que, só nos Estados Unidos, têm ativos de mais de US$ 8 trilhões. E, pela escassez de recursos públicos, apontaria para a redução da capacidade de intervenção dos Estados e certo esvaziamento de programas sociais. A disputa por fatias de um bolo global, que diminuiria, teria desdobramentos políticos. Não há como prevê-los.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, avisou ontem que o Brasil terá de estender um cordão de isolamento. Ele não está prevendo somente ataques predatórios ao mercado interno, mas, principalmente, o assédio dos capitais que procurarão porto seguro no Brasil. Cordões de isolamento não servem para barrar a entrada de capitais, principalmente se o governo continuar insistindo em providências pouco práticas e de baixa eficácia, como as últimas restrições impostas ao mercado de derivativos de câmbio.
Até mesmo o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, que assumiu em janeiro prometendo imediata virada do jogo, parece disposto a jogar a toalha. Advertiu que "o Brasil entrou no clube das moedas valorizadas" e que o produtor tem de se acostumar com a ideia de que "o câmbio mudou de patamar".
A melhor maneira de fortalecer o setor produtivo nacional é derrubar vigorosamente o custo Brasil (alta carga tributária, juros extorsivos, má infraestrutura, energia cara e excessiva burocracia). Mas o que acaba de sair é essa política industrial decepcionante, ironicamente denominada Plano Brasil Maior.
CONFIRA
Mais para o BNDES
Apesar das críticas do Banco Central à excessiva distribuição de subsídios creditícios, o ministro Fernando Pimentel está anunciando nova bolada do Tesouro para o BNDES. Essa transfusão não é ruim somente por praticar juros artificialmente baixos, que exigem juros ainda mais altos do resto da economia. É ruim por criar recursos fiscais não previstos no Orçamento.
Entrevista:O Estado inteligente
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