Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 11, 2011

E se a pressão aumentar mais?

Veja - 08/08/2011




Imune à crise externa o Brasil não fica. Mas o governo brasileiro dispõe de mecanismos capazes de impedir que as ondas de choque causem estragos permanentes na economia

Nem os mais otimistas trabalham com a hipótese de que o Brasil vá passar incólume por este mais novo e fenomenal abalo na economia global. Ainda é prematuro estimar a intensidade das ondas de choque a ser produzidas pelo rebaixamento dos títulos americanos pela Standard & Poor"s, a primeira agência de avaliação de risco a duvidar da capacidade da nação mais rica e poderosa da Terra de pagar suas dívidas. Os Estados Unidos sempre foram classificados com AAA, o famoso e cobiçado "triple A". Agora perderam o brilho. São apenas AA+.

A crise atual toma a forma dos tsunamis, quando o mar subitamente se recolhe expondo largas faixas de praia, sinal de que uma onda gigantesca está se formando em alto-mar, ganhando energia e volume para despejar-se catastroficamente sobre as regiões litorâneas. Na semana passada, o mar financeiro se recolheu subitamente, expondo as bolsas de valores aos rigores do mercado e fazendo soar o alarme de que logo a economia real vai ser castigada. Desta vez, o medo foi maior do que nas recentes hecatombes das bolsas, pela simples e assustadora razão de que agora os governos não acenam com intervenções salvadoras – o que torna o resfriamento da economia real quase inevitável, variando apenas o grau do desastre: pode ser uma recessão profunda mas passageira, mas podem também estar se formando as condições necessárias para um tipo de estagnação duradoura e torturante, como a que paralisa o Japão desde o fim da década de 80.

A "moléstia japonesa" é conhecida. Seus sintomas são a quase total falta de fé na recuperação do ritmo de crescimento da economia e, seu corolário, a inapetência das pessoas para consumir e das empresas para investir. A economia se estanca. A riqueza financeira tende a ser estocada nos lagos estéreis dos títulos públicos que pouco ou nada rendem, mas dão a seus detentores a segurança de que suas economias não vão se evaporar ou ser queimadas em dias de fornalha nas bolsas, tais como os da semana passada, quando 3,4 trilhões de dólares viraram cinza nos pregões de vendas em pânico de todos os tipos de ações.

A bolsa brasileira foi duramente atingida com a perda de 166 bilhões de dólares no valor das empresas ali listadas. Esse tsunami nos papéis vai se lançar furiosamente sobre a economia real brasileira? Até a semana passada, os analistas mais aparelhados para explicar esses fenômenos cataclismáticos na economia se dividiam entre "preocupados" e "muito preocupados". Mas, de forma geral, eles concordam com a avaliação oficial do governo brasileiro, vocalizada por Guido Mantega, ministro da Fazenda, segundo quem "o Brasil nunca esteve tão bem preparado para enfrentar as consequências de uma nova crise, e o fará com um mínimo de danos". O grupo de economistas consultado por VEJA tem opiniões dissonantes quanto à capacidade do governo de gerenciar a crise, mas é unânime em concordar com Mantega no que diz respeito ao fato de o Brasil estar preparado para lidar com uma turbulência daquela magnitude.

O que pesa a favor do Brasil

No topo da lista está um sistema financeiro sólido e bem capitalizado, sem riscos ocultos em balanços crivados de truques, como ocorreu nos Estados Unidos. Prova disso é que desde 2008 nenhum banco brasileiro de cobertura nacional quebrou, com exceção do PanAmericano.

Em segundo lugar, o Brasil tem ainda em caixa mais reservas em moeda estrangeira do que o total da dívida externa. Com essa folga, o Banco Central tem margem de manobra para amenizar flutuações traumáticas do câmbio vendendo ou comprando dólares no mercado de acordo com as necessidades de cada momento. A boa situação das reservas deixa Brasília em condições favoráveis também para permitir que investidores estrangeiros retirem suas economias do país trocando seus reais por dólares, o que confere ao Brasil ainda mais credibilidade. Um país que não impede artificialmente a saída de dólares é um país que atrai dólares com mais facilidade.

O terceiro ponto é a ausência de "bolhas" na economia. Ou seja, embora se possa tecnicamente afirmar que os imóveis estão com os preços irrealmente altos no Brasil, isso ainda não configura uma bolha, pois eles não estão sendo financiados por instrumentos de crédito sem lastro, como ocorreu no mercado americano, abrindo caminho para a crise de 2008.

O quarto fator tranquilizador é a política monetária do Banco Central que, tendo sido bastante estrita nos últimos dez anos, acumulou credibilidade para atuar com o sinal trocado em caso de a recessão mostrar a cara. Ou seja, os juros estão em um patamar alto e baixá-las pode ter efeito estimulante na economia, se for necessário.

Finalmente, os bancos públicos, que representam metade do crédito disponível no sistema financeiro, podem ser acionados para injetar mais dinheiro na economia sem as mesmas precauções que os bancos privados são obrigados a tomar. Isso foi feito com sucesso em 2008 e 2009, quando o aumento da oferta de empréstimos pelos bancos oficiais ajudou a afastar o espectro da estagnação econômica.

Mas, se tudo isso dito acima ajuda a enfrentar situações emergenciais, ainda há muito a fazer...

Primeiro, o governo precisa evitar erros de diagnóstico que levam a medidas atabalhoadas com potencial de assustar os investidores. Um exemplo recente foi o aumento do imposto sobre operações financeiras (IOF), que elevou o custo dos investimentos, solapou a credibilidade do Brasil e, pior, não influiu no volume de dólares que entraram na economia – apenas piorou a qualidade do investimento externo.

Segundo, pesa contra o Brasil no longo prazo a interferência excessiva por parte do governo nas duas maiores empresas da bolsa – a Vale e a Petrobras. Isso produz insegurança quanto ao respeito às boas regras de governança.

O terceiro ponto de preocupação é a excessiva dependência que o Brasil tem das commodities, as mercadorias de exportação como a soja e o minério de ferro, cujos preços são definidos externamente pelos mercados mundiais.

Em momentos de desaceleração econômica, o preço dessas mercadorias sempre cai – como agora. Isso é um fator de fragilidade para o Brasil, já que 70% das exportações brasileiras são de commodities.

Por fim, mas o mais importante na lista das mazelas que geram instabilidade, há o desequilíbrio do estado brasileiro, um monstro consumidor de riquezas que presta serviços de terceira qualidade para os brasileiros cobrando-lhe preços de boutique parisiense. O governo fica com 40% de toda a riqueza produzida no país, um patamar de estatização que só encontra precedentes nos inviáveis países comunistas como Cuba e Coreia do Norte. Se o estado brasileiro investisse em tecnologia e infraestrutura com a mesma fúria com que arrecada, em pouco tempo o Brasil seria, se não à prova de crises, pelo menos um país em que as crises chegam e vão embora sem deixar marcas indeléveis na paisagem econômica nem traumas na população. Para isso, é preciso que o estado brasileiro funcione de maneira mais eficiente e custe menos aos cidadãos que trabalham e pagam seus impostos.

A semana passada fez reviver na memória a quebra do banco americano Lehman Brothers, em 2008, quando o pânico tomou conta do sistema financeiro global. A paralisia dos negócios que fazem girar a engrenagem da economia levou o mundo à recessão. Trilhões de dólares foram injetados pelos governos para tentar reativar a economia, mas o mundo rico e, em especial, os Estados Unidos não conseguiram engrenar um crescimento que pudesse seguir adiante com as próprias pernas. O acordo paliativo costurado de última hora entre democratas e republicanos, que permitiu ao governo americano elevar o teto de seu endividamento sem ter de dar calote nos compromissos, serviu para desmoronar a tímida e ilusória confiança que existia na recuperação da economia. Além de não resolver o problema dos gastos públicos crescentes a longo prazo – a discussão terá de ser retomada depois das eleições presidenciais de 2012. Sem alternativas à disposição, o mercado aposta que o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, vai fazer uma nova rodada de injeção de dinheiro no mercado, o chamado relaxamento monetário via compra de títulos públicos. O efeito prático desse instrumento, que já foi utilizado duas vezes pelo Fed nos últimos dois anos e meio, é real mas pouco duradouro. Entre o começo de 2009 e junho passado, foram despejados cerca de 2,3 trilhões de dólares no sistema financeiro americano, mas o dinheiro não cumpriu o papel que se esperava dele, e o montante disponível para as famílias caiu 170 bilhões de dólares no mesmo período. Na Europa, as fracas perspectivas de crescimento nos próximos anos advêm mais do endividamento dos governos do que da poupança das famílias. Com as principais economias tolhidas, o Brasil dependerá cada vez mais do crescimento da China para não afundar. Fica o alerta para o Brasil. Se não há tempestade eterna, também não existe bonança duradoura quando se gasta mal o dinheiro arrecadado.

O risco e como sair do foco da crise

Os analistas econômicos ouvidos por VEJA enxergam um cenário externo sem grandes catástrofes mas com previsão de recuperação lenta da atividade econômica. Para o Brasil, eles advertem que o maior risco é fingir que não temos nada a ver com a crise econômica que ruge pelo mundo todo.

Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos – muito preocupado

"Os Estados Unidos e a Europa estão com muita dificuldade de produzir uma resposta à altura dos problemas herdados de 2008. Isso exerce um efeito paralisante sobre as empresas e reduz as chances de novos investimentos privados para mover a economia. Acredito que a retomada será difícil e lenta. Já o Brasil esticou a corda no ano passado. O crédito vinha crescendo muito rápido, os gastos do governo inflaram e a inflação ficou acima da meta. Agora, o país está fazendo os ajustes necessários. Se tivesse começado antes, estaria mais protegido."

Eliana Cardoso, professora da FGV-SP – muito preocupado

"O desejável seria que os políticos brasileiros e mundiais pusessem na balança não apenas seus próprios interesses imediatos e os de grupos isolados de pressão, mas também as consequências de suas decisões para a equidade e o crescimento de longo prazo. Não é o que ocorre nem no Brasil nem no restante do mundo. O pacote de subsídios batizado de "política industrial" repete no Brasil a orgia do governo Bush, que distribuiu benesses entre os ricos, ajudando a cavar os déficits fiscais que agora martirizam o governo americano."

José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade Princeton – muito preocupado

"O plano do governo brasileiro para a indústria vai desonerar os tributos sobre o trabalho e passará a cobrar sobre o faturamento das empresas, o que caracteriza imposto em cascata, algo do qual o Brasil tentou se livrar. O que deve ser feito é investir mais em pesquisa, tecnologia e infraestrutura básica. Os projetos que deram certo no Brasil foram aqueles com aplicação de longo prazo: a abertura do comércio no começo da década de 90, o Plano Real, a redistribuição de renda que teve início na gestão FHC e foi ampliada no governo Lula."

José Márcio Camargo, economista da Opus Gestão de Recursos – muito preocupado



"Crises financeiras costumam ser longas e de solução complexa. Nos Estados Unidos, todas as tentativas de injetar dinheiro na economia fracassaram, o que indica que não há alternativa eficaz de curto e médio prazo. O governo brasileiro deveria ter aproveitado melhor o bom momento da economia para fazer reformas estruturais, racionalizar gastos e diminuir a pressão inflacionária. Essa teria sido a melhor forma de se blindar contra os efeitos da crise internacional – que certamente virão."

Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central – muito preocupado

"Por mais que o Brasil tenha se descolado, há mecanismos de transmissão da crise. O Brasil cresce hoje porque a sua expansão está apoiada na demanda interna, que vem em boa parte do consumo das famílias. Como é possível consumir mais e ainda aumentar o saldo comercial, como ocorre neste ano? O milagre se chama preço das commodities. Se a crise derrubar esses preços, a mágica desaparecerá e o Brasil terá de se ajustar de modo muito mais radical do que fez até agora, consumindo menos internamente para exportar mais."

Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES e sócio da Quest Investimentos – preocupado

"O esforço dos países desenvolvidos em prover liquidez às suas economias tem tido pouco efeito devido à desconfiança generalizada. Ainda paira a dúvida se teremos nova recessão que venha a afetar o crescimento dos mais ricos ou mesmo uma catástrofe financeira como a de 1930. O Brasil está razoavelmente blindado. Tem um sistema financeiro regulado e o governo pode pôr dinheiro em circulação por meio dos bancos públicos. O país deve continuar atraindo investimentos externos, pois oferece bom retorno financeiro."

Ilan Goldfajn, ex-diretor do Banco Central e economista-chefe do Itaú BBA – preocupado

"Há muita dúvida sobre a real capacidade dos governos dos países da Europa e dos Estados Unidos de imprimir ânimo às suas economias, uma vez que eles já se endividaram além do que podiam sem que os resultados obtidos tenham sido expressivos. O Brasil certamente não ficará imune às pressões externas. O preço das commodities já sofreu enorme baixa, o que é ruim para o Brasil. Mas, mesmo no pior cenário, o Brasil dispõe de mecanismos de defesa como a capacidade de injetar mais dinheiro na economia."

Martin Feldstein, professor de Harvard e ex-presidente do National Bureau of Economic Research – preocupado

"Os Estados Unidos chegaram ao limite do uso da política monetária ou fiscal para estimular a economia. Não dá mais. Mas há ainda um setor-chave, que está falindo e poderia agora ajudar na recuperação. Falo do setor de habitação. As medidas do governo Obama nessa área têm fracassado, mas, claramente, estamos falando de um setor que pode vir a reforçar a economia. Acredito também que o dólar vai se depreciar e isso, no fim, ajudará a aumentar as exportações americanas."

Jim O"Neill, economista do banco Goldman Sachs e criador da expressão Bric (sigla para os emergentes Brasil, Rússia, índia e China) – preocupado

"O governo brasileiro terá de estar preparado para reagir aos choques externos que podem estar começando a atuar sobre a economia do Brasil. Mas pode ser necessário ainda esperar que as atuais pressões inflacionárias cedam. Até lá é improvável que o Banco Central interrompa o ciclo de aperto monetário (aumento dos juros). Mas a regra geral nesses momentos agudos é estar preparado para atuar efetivamente caso as circunstâncias mudem muito rapidamente."

Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da consultoria Tendências – preocupado

"Os mercados financeiros finalmente se deram conta de que a economia mundial vai crescer menos do que o esperado, com uma razoável probabilidade de entrar em recessão em um período de tempo que está no nosso horizonte. O Brasil desfruta uma situação confortável, com um bom nível de reservas externas e um sistema financeiro sólido. Mas é claro que muito do sucesso do Brasil na reação à crise externa vai depender da correção da conduta do governo em relação à economia."

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