O Estado de S.Paulo - 13/02/11
Para ir rumo ao desenvolvimento o Brasil precisa desatar vários nós. A inflação é a principal dor de cabeça do governo, e as perspectivas para o ano não são animadoras devido aos preços dos alimentos e commodities em expansão mundial.
Cada 1% de aumento do CRB (indicador das oscilações das principais commodities) em reais eleva o IPCA em 0,12 ponto porcentual. O cálculo é do professor Affonso Pastore. Entre julho de 2010 e janeiro deste ano ocorreu alta de 19% do CRB em reais, o que deve provocar elevação de 2,28 ponto no IPCA. Esse efeito, segundo Pastore, deve se diluir ao longo de oito meses (Estado 10/2).
No início do ano, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) informou que seu Índice de Preço dos Alimentos bateu recorde em dezembro. Pior, no dia 3, anunciou que esse recorde fora quebrado em janeiro, quando os preços subiram mais 3% (Estado, 8/2).
Em 2010, a inflação foi de 5,9%, sendo 40% explicados pelo aumento nos preços dos alimentos, que superaram 10%. Interessante notar seu impacto no IPCA em 2010. No primeiro quadrimestre, os preços dos alimentos subiram 5,2% e o IPCA, 2,7%. No segundo, tiveram deflação de 1,6% e o IPCA foi de 0,5%. No terceiro, atingiram 6,7% e o IPCA foi de 2,7%.
É bom recordar que o remédio usado pelo Banco Central foi aumentar a Selic a partir do início de maio, que a elevou de 8,75% para 10,75% em 2 pontos, mas isso não causou redução da demanda, pois as taxas de juros ao consumidor caíram até novembro 2 pontos. Portanto, não funcionou.
Em dezembro, houve nova estratégia do Conselho Monetário Nacional de reduzir a liquidez e encarecer o crédito para financiamentos superiores a 24 meses, para produzir efeito imediato na atenuação da demanda. Dados do BC mostram que essa decisão causou elevação de 4,5 pontos nas taxas de juros para o consumidor em duas semanas e reduziu o ritmo de expansão do crédito. Foi definida como uma medida macroprudencial a ser testada. O BC, contudo, nem deu tempo para testá-la, já iniciando a velha receita de elevar a Selic.
Neste ano, além da pressão dos alimentos, outras despesas que ocorrem no início do ano, como material escolar, tarifas de ônibus, IPTU, IPVA já estão pressionando a inflação. Em janeiro, o IPCA foi 0,83%, e só alimentação, bebidas e reajustes de tarifas de ônibus explicaram 67% (!) dessa elevação.
Para combater a inflação, melhor que elevar a Selic é adotar medidas macroprudenciais que desestimulem o crédito, que crescia a taxas elevadas, dando combustível à elevação do consumo. O objetivo é reduzir o ritmo de crescimento do consumo das famílias, responsável por 75% do consumo total, três vezes maior que o consumo do governo, alvo preferido de análises.
Desatar o nó do combate à inflação pelo remédio ultrapassado da Selic é o primeiro desafio do governo, se quiser obter sucesso no combate à inflação, atacando a principal perna do impulso ao consumo que é o crédito. Com isso, não agrava o ingresso dos capitais especulativos, o que tem causado parte importante da valorização do real com os reflexos indesejáveis ao comércio exterior. Isso contribui para desatar em parte outro nó, que é o câmbio fora de lugar num contexto de forte concorrência internacional e tsunami de dólares.
É de se prever que os capitais continuarão fluindo na direção dos emergentes, atraídos por custo de mão de obra mais baixo e consumo em expansão. São várias as consequências desse processo do desenvolvimento do capitalismo. A mais imediata é o aumento da demanda por alimentos e commodities. A de mais longo prazo é a redução do elevado diferencial de custo da mão de obra entre desenvolvidos e emergentes.
O custo da mão de obra depende dos salários e dos encargos trabalhistas. A China, que vem penetrando todos os mercados, tem baixos encargos trabalhistas, pois não oferece a seus trabalhadores os benefícios da seguridade social. A concorrência internacional tende a se deslocar assim, na direção da mão de obra menos atendida em suas necessidades básicas, e não faltam nos emergentes amplas parcelas da população que estão fora do mercado de trabalho e de consumo. Portanto, esse processo de deslocamento da produção mundial tende a continuar.
O Brasil não é exceção. Sofremos uma concorrência interna e externa da China, que só tende a crescer. Temos, no entanto, a nosso favor posição privilegiada em alimentos e commodities, que faltam à China e a vários países, e esse é o nosso trunfo, que deve se manter enquanto durar o processo de forte diferenciação de custos de mão de obra.
Com o tempo os chineses vão exigir maior proteção social e os salários tenderão a aumentar com o avanço do mercado de trabalho. Até lá, o custo Brasil precisa ser reduzido, e para isso precisam ser desatados os nós que ainda nos prendem ao atraso: má distribuição de renda, alta regressividade tributária, juros estratosféricos, precária infraestrutura e logística, cipoal burocrático e imenso atraso na educação, saúde e segurança públicas.
Apesar dessas desvantagens, o País é um dos principais destinos do investimento direto de estrangeiros, atraídos pelas perspectivas de crescimento do mercado interno, que é nossa proteção contra o cenário incerto e altamente disputado do mercado internacional. Felizmente, o Brasil não depende tanto do mercado externo e tem amplo espaço para crescer seu mercado interno, caso políticas públicas se destinem a abrandar nossas deficiências. Mas essas políticas exigem pesados recursos do governo, e podem ser vistas como inadequadas por gerarem excesso de demanda e, consequentemente, de inflação, que corrói os ganhos das camadas de menor renda a quem se quer beneficiar.
Para desatar esse nó, é necessário manter o crescimento em níveis superiores a 5% ao ano, racionalizar e priorizar despesas e usar novos instrumentos de controle inflacionário, rompendo com a tradição de juros básicos anormais. Hoje estamos com juros reais de 5,5% contra uma média internacional de juros negativos de 1% e negativos de 0,5% nos emergentes. O crescimento amplia a arrecadação pública: aumenta o faturamento e lucro das empresas, a massa salarial e reduz a inadimplência e a sonegação. É importante fonte do ajuste fiscal. A outra é o corte de R$ 50 bilhões no orçamento do governo, como contribuição à redução da demanda.
Com relação às despesas, é necessário avaliar as da União, que representam metade das despesas públicas e a dos Estados e Municípios, que administram a outra metade. Para todos deve valer o rigor fiscal, mas há uma realidade que se sobrepõe ao ideal de redução/contenção de despesas. Na União, as despesas são dimensionadas para permitir um resultado primário determinado pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), e esse nível depende da arrecadação. Para os Estados e municípios, que renegociaram suas dívidas com a União entre 1997 e 2000, devem transferir até o limite de 11,5% das suas receitas para a União (Resolução n.º 43/2001) para amortizar a renegociação. Isso constitui a parcela do esforço fiscal deles.
Não entram nesse limite as operações de crédito, que cresceram 215% nos últimos dois anos para aumentar os investimentos, o que fez reduzir o superávit primário de 0,95% do PIB, parte requerida do esforço fiscal, para 0,75% em 2009 e 0,56% em 2010.
Outro nó a desatar é o conceito de resultado fiscal, abordado em artigo recente. O resultado primário é apenas parte do resultado fiscal. A outra são os juros, que dependem do nível da dívida bruta e da Selic, que contamina no curto e médio prazos todas as taxas de juros da dívida federal. A dívida está relacionada também aos empréstimos ao BNDES e ao nível das reservas internacionais, que elevam o ônus com juros. Em 2010, o setor público apresentou superávit primário de 2,8% do PIB, mas os juros foram de 5,3%, dando um déficit fiscal de 2,5%. Mesmo assim, a dívida líquida caiu de 43,4% do PIB para 40,4% entre 2009 e 2010 e a dívida bruta, de 62% do PIB para 55%, por causa da elevação dos depósitos compulsórios dos bancos no BC.
Segundo The Economist, para um conjunto representativo dos principais países, o déficit nominal em 2010 foi de 5,5% do PIB, sendo 10,2% para os desenvolvidos e 3,3% para os emergentes. Caso o governo consiga manter sua política de superávit primário de 3% do PIB e recue até 2014 a Selic real (exclusive inflação) dos atuais 5,5% para 2%, as projeções apontam para o almejado déficit nominal zero em 2014.
Para reduzir a demanda, neste ano, o primeiro passo foi dado pelo governo ao cortar despesas do orçamento. Vamos aguardar o BC exercer sua autonomia em relação aos interesses do mercado financeiro e desatar o nó da Selic e do câmbio, adotando políticas monetárias e cambiais eficazes.
CONSULTOR, É MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV
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