Grade de programação
A duplicidade ideológica do PT, evidenciada quando do registro do programa de governo de Dilma Roussef no TSE, na última segunda-feira, é apenas um dos problemas que a coligação com o PMDB enfrenta. O outro é o próprio PMDB, que se sentiu excluído, eleitoral e ideologicamente, daquele ato, do qual é parceiro.
Como se sabe, pela manhã, o PT registrou um programa que, na essência, repetia os postulados radicais do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) 3, editado em dezembro. Diante dos protestos, alegou engano e registrou outro, mais moderado, já no final do expediente, às 19 horas.
Tudo indica que teve que improvisá-lo.
O primeiro tinha a rubrica da candidata em todas as páginas; o segundo, não. Se tivesse havido apenas troca de arquivos eletrônicos no computador, como foi alegado, a substituição seria rápida. Bastaria imprimir o programa certo. Mas foi preciso consumir todo o dia para providenciar outro. Daí a suspeita de que não existia.
O programa original resulta das conferências nacionais do PT, que reúne sua militância em todo o país, e que serviu de base também para a elaboração do PNDH 3. Essa militância, que propõe mudanças radicais para o país – entre as quais, "controle social da mídia" (eufemismo de censura), liberação do aborto, legitimação das invasões de terras e quebra do monopólio do Judiciário para solução de conflitos -, foi contida ao longo do governo Lula.
As ONGs que as vocalizam foram sustentadas com verbas e espaços na administração pública, mas seus postulados ignorados.
O governo Lula manteve a política econômica do governo anterior, fez do êxito comercial do agronegócio um dos carros-chefes de sua propaganda e selou alianças partidárias conservadoras, que acabaram por incluir ao lado de Dilma, na chapa presidencial, o presidente do PMDB, Michel Temer. Antes, tentou substituí-lo pelo banqueiro, ex-tucano e presidente do Banco Central Henrique Meirelles. Um primor de conservadorismo e ambivalência.
Lula mostrou habilidade insuspeitada na administração desses extremos. Alegava aos companheiros que era preciso paciência. Não bastava estar no governo; era preciso estar no poder. Dilma é a expectativa desses grupos de que finalmente, com sua eventual eleição, terão chegado ao poder. É o que se depreende dos vídeos das conferências, acessáveis via Youtube.
O teor de seu programa de governo – o retirado, não o que o substituiu – confirma essa expectativa. Ela diz que o assinou sem ler, o que, além de inverossímil, é inconcebível a um governante. É como um padre conceder absolvição sem ouvir o pecador.
O PNDH 3 saiu também da Casa Civil, quando ela era a titular da pasta. Também não o leu? O que se questiona é sua capacidade – já que é neófita em política e em matéria de PT - de repetir a façanha de Lula, de administrar antagonismos, especialmente porque seu vice é bem diferente do bonachão José Alencar.
Michel Temer é o próprio PMDB: esperto e ambicioso, com grande experiência parlamentar. Já no episódio do registro do programa no TSE mostrou que não será mero figurante. Reclamou participação e não gostou das explicações que ouviu.
Quer ser parceiro de governo, não mero figurante. Como será isso? Eis a questão. O PMDB jamais subscreveria o programa inicialmente levado ao TSE. Talvez nem o segundo. Dilma, na campanha, faz o que pode. Diante do MST, veste o boné da entidade e reclama da criminalização dos movimentos sociais. Em auditórios conservadores, faz o contrário: tira o boné e condena as invasões de terras. Que perfil prevalecerá?
Para enfrentar o desafio, não basta um programa. É preciso uma grade de programação