O Estado de S. Paulo - 12/07/2010 |
O inverno começou com um banho de água fria na cidadania. Dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes e Dias Toffoli, livraram provisoriamente políticos do efeito anticorrupção da Lei da Ficha Limpa. Liminar do ministro Toffoli autorizou a deputada estadual goiana Isaura Lemos (PDT), que quer concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados, a registrar sua candidatura. Ela foi condenada em primeira instância, decisão confirmada pelo Tribunal de Justiça goiano. Foi a segunda vitória de candidatos com duas condenações no STF. Uma liminar do ministro Gilmar Mendes autorizou o senador Heráclito Fortes (DEM-PI) a disputar a reeleição para o Senado, apesar de ele ter condenação de órgão colegiado por condutas supostamente lesivas ao patrimônio quando prefeito de Teresina (1989-1992). Mendes, surpreendentemente, afirmou que o caso era de urgência, já que o prazo para o registro das candidaturas terminava no dia 5 de julho e até lá o Supremo não deveria manifestar-se sobre o recurso do senador. Não parece razoável que a preocupação com o calendário eleitoral de políticos condenados pela Justiça deva orientar decisões dos ministros do STF. O presidente interino do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, caminhou, felizmente, na contramão de seus colegas. Barrou a tentativa de três "fichas-sujas" concorrerem às eleições com aval da Justiça. Defensor da Lei da Ficha Limpa, Ayres Britto rejeitou os pedidos de liminares feitos pelos advogados de políticos. As liminares concedidas por Gilmar Mendes e Dias Toffoli, permitindo o registro de candidaturas de "fichas-sujas", provocaram fortes reações. O advogado e especialista em legislação eleitoral Luciano Santos afirmou que as liminares contrariam a própria Lei da Ficha Limpa. "No artigo 26, C, da lei está expresso que o feito suspensivo só pode ser concedido por órgão colegiado (grupo de juízes) e nunca em decisão monocrática", explicou. O que mais preocupa, no entanto, é a dúvida semeada por Dias Toffoli a respeito da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. "Aponto que a própria adequação da Lei Complementar n.º 135/2010 (Lei da Ficha Limpa) com o texto constitucional é matéria que exige reflexão", disse o ministro. Ora, a Lei da Ficha Limpa foi resultado de um impressionante movimento da sociedade para tornar inelegíveis políticos condenados pela Justiça. Antes da aprovação da lei, foram feitas outras tentativas, inclusive pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Em 2008, a entidade chegou a divulgar uma lista com os nomes dos candidatos com ficha suja. A Lei da Ficha Limpa é o clamor da cidadania pela ética na vida pública. O Brasil não suporta mais a imposição de um modelo de governança carregado de cinismo e corrupção. Uma onda irrefreável de decência, apoiada na força de quase 2 milhões de assinaturas, varreu a Praça dos Três Poderes, em Brasília. E o que parecia impossível ganhou contorno de realidade. O Congresso Nacional rendeu-se à explícita vontade da sociedade e aprovou, sem maquiagens, a Lei da Ficha Limpa. É essencial que o Poder Judiciário esteja à altura da indignação social. Em nome do amplo direito de defesa, importante e necessário, a efetivação da justiça pode acabar numa arma dos poderosos e numa sistemática frustração da sociedade. Não é possível, agora, que o Supremo Tribunal Federal decida de costas para a cidadania. O que deve prevalecer é o espírito das leis, não o mero formalismo jurídico. É preciso, uma e outra vez, refletir sobre os riscos de um formalismo interpretativo, de um apego à filigrana jurídica que supervaloriza a letra da lei em detrimento do seu espírito, acabando por cercear, tolher e manietar a legítima aspiração de limpeza política que grita na alma e no coração de cada brasileiro. Transcrevo, caro leitor, o trecho de uma sentença proferida há anos pela então juíza eleitoral de Campos (RJ), Denise Appolinária, numa decisão que tornou inelegíveis por três anos os ex-governadores Rosinha e Anthony Garotinho. É exemplar. Não se rende ao formalismo jurídico e mergulha no espírito da lei. "A corrupção atrasa os países em desenvolvimento, institui uma cultura condescendente com o crime, ao privilegiar grupos com interesses específicos ou ao deformar a manifestação de vontade dos eleitores, subtraindo-lhes o senso crítico capaz de expurgar maus governantes. E não se olvide que a corrupção, em todas as suas modalidades, causa um mal maior: protege a violência urbana, torna o cidadão comum prisioneiro de um sistema injusto e desigual, de miséria passada de geração para geração e insuscetível de ser abolida com transferência de renda de quinze, cinquenta ou cem reais, para quem vive sem perspectivas, abaixo da linha da pobreza. A nossa antiga e enraizada tradição política do "rouba, mas faz" ainda ocupa grande espaço no folclore político, sem que se possa perceber o quanto ele é devastador para o desenvolvimento das pessoas e das instituições no Brasil." A corrupção é, de longe, uma das piores chagas que maltratam o organismo nacional. Esperemos, todos, que o Supremo Tribunal Federal, instituição exemplar ao longo da História deste país, não decida na contramão da cidadania. É preciso que a sociedade civil, os juristas, os legisladores, você, amigo leitor, e todos os que têm uma parcela de responsabilidade na formação da opinião pública façam chegar ao STF, com serenidade e firmeza, um clamor contra a impunidade e uma defesa contundente da Lei da Ficha Limpa. Com ela subiremos ao patamar de decência e civilidade que o Brasil merece. |
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
segunda-feira, julho 12, 2010
CARLOS ALBERTO DI FRANCO STF - formalismo versus cidadania
Arquivo do blog
-
▼
2010
(1998)
-
▼
julho
(204)
- O preço da verborragia EDITORIAL O Estado de S.Paulo
- Guerrilhas e finanças :: Cesar Maia
- Por que fogem? :: Míriam Leitão
- MAURO CHAVES E o Sergipe, ministro?
- Alvaro Uribe tem razão EDITORIAL O GLOBO
- MARIO CESAR FLORES SOMOS TODOS SIMPLESMENTE BRASIL...
- ANTONIO CORRÊA DE LACERDA Por que interromper já ...
- Nelson Motta - O coronel e os babalaôs
- MÍRIAM LEITÃO Um tanto minério
- Aumentam incertezas sobre Petrobras EDITORIAL O GLOBO
- LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS Uma nova agenda de ...
- Controle de qualidade:: Dora Kramer
- A farsa e a realidade :: Roberto Freire
- Remadores fora do ritmo Celso Ming
- A política para a Petrobras -Adriano Pires
- "Avacalhação"-Eliane Cantanhede
- É uma ameaça: tente abrir uma empresa! CARLOS ALBE...
- MÍRIAM LEITÃO O esquecido
- De pai para filho - Dora Kramer
- As apostas no câmbio - Celso Ming
- Agricultura, um modelo Alberto Tamer
- Apagão aéreo na Copa?: Josef Barat
- Miriam Leitão Refazer o erro
- Marcas famosas:Dora Kramer
- Hora da decisão : Adriano Pires e Abel Holtz
- No dia seguinte: Wilson Figueiredo
- MÍRIAM LEITÃO O mico e a pressa
- ARNALDO JABOR Nossa vida será um videogame?
- EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO Entre o erro e a...
- AUGUSTO NUNES O maquinista do trem fantasma apita...
- Leis da alienação Dora Kramer
- Festa para poucos Celso Ming
- Aliança de Civilizações Rubens Barbosa
- Guantânamo nunca mais-Mary Zaidan
- Brasil fracassa em aspiração de ser potência mundi...
- Brasil-Irã: como fazer amigos e dar-se mal ROBERTO...
- Afirmação da democracia Moacyr Goes
- A lei vale só para os outros Paulo Brossard
- O que houve de novo com o Brasil Kátia Abreu
- O BC na campanha? Carlos Alberto Sardenberg
- Decifrar o enigma Dilma Carlos Alberto Di Franco
- SUELY CALDAS -O limite da irresponsabilidade
- Diogo Mainardi Vou embora
- JOAQUÍN MORALES SOLÁ El caso Macri aceleró el ritm...
- MARIANO GRONDONA Entre la caída y la presidencia: ...
- FHC reencontra Freyre
- Vergonha pouca é bobagem Clóvis Rossi
- Considerações quase finais, mas em tempo:: Wilson ...
- Considerações quase finais, mas em tempo:: Wilson ...
- Dora Kramer Cada um por si
- JOÃO UBALDO RIBEIRO O PROBLEMA DA AGONIA TEÓRICA
- MÍRIAM LEITÃO Misteriosa chama
- SERGIO FAUSTO MODERNIDADE ILUSÓRIA
- SERGIO FAUSTO MODERNIDADE ILUSÓRIA
- GAUDÊNCIO TORQUATO A DEMOCRACIA NO BALCÃO
- DANUZA LEÃO Nosso maior direito
- A rota que leva ao clube dos anistiados-Augusto Nunes
- Diogo Mainardi Vou embora
- Índio, Farc e PT- Ruy Fabiano
- Celso Ming-Rigor até onde?
- Arrumar a casa Miriam Leitão
- A lei não escrita ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA
- Debates na TV :: Cesar Maia
- O fator Lula :: Fernando Rodrigues
- Omitir-se perante as Farc é crime:: Clóvis Rossi
- Apoios e problemas :: Marco Aurélio Nogueira
- Maria Helena Rubinato Terreno Minado
- Admirável Brasil novo Nelson Motta
- O destempero do ministro
- Ladeira abaixo Dora Kramer
- Além da privataria Celso Ming
- Do enigma de Mantega ao seguro estatal Rogério L....
- Não acabou ainda- Míriam Leitão
- MÍRIAM LEITÃO Chávez deu errado
- CLÓVIS ROSSI O risco do fiscal da esquina
- DEMÉTRIO MAGNOLI Os caçadores e o elefante
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG Lula e Geisel, crises an...
- Expressão de vontade Dora Kramer
- A China leva vantagem Celso Ming
- Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso
- Poder, arbítrio e licitação:: Rolf Kuntz
- A Copa não pode se tornar um grande Pan
- MÍRIAM LEITÃO Risco BNDES
- JOSÉ NÊUMANNE Para os amigos, sigilo; para os inim...
- O Copom decide Celso Ming
- Ilegalidade que satisfaz Dora Kramer
- Relação insestuosa Celso Ming
- Postura de Lula tensiona campanha
- MÍRIAM LEITÃO Pelo motivo certo
- O lúgubre circo de Chávez
- DORA KRAMER O fato que virou fardo
- Meu reino (e as leis) por minha sucessora-da veja
- O homem que se diz uma bomba-da Veja
- Panorama - Radar
- Finanças federais: a volta às trevas Maílson da Nó...
- Veja entrevista:O presidente do TRE do Rio
- O cadáver e o Messias -Clovis Rossi
- Suely Caldas A EBS e o IRB
- JOAQUÍN MORALES SOLÁ Tiempo de cosecha para los Ki...
- MARIANO GRONDONA El plan es vencerlos uno por uno,...
-
▼
julho
(204)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA