É evidente, desde setembro de 2008, que a crise que levou ao fim deste ciclo é a mais grave experimentada pela economia mundial nos últimos 70 anos. Uma crise que não será superada em apenas alguns poucos trimestres e cujas consequências nenhum país deixará de sofrer, embora de formas distintas. O Brasil não é e não será exceção. Mas o que importa agora é nossa capacidade de avaliar e responder de forma apropriada aos desafios, riscos e oportunidades que a crise, e sua superação, sempre encerram. Para tal ajudaria em muito um maior grau de convergência sobre "aonde queremos chegar".
Começando pela área macroeconômica: o Brasil tem hoje dez anos de regime cambial de taxas flutuantes, mais de nove anos e meio de um regime monetário de metas de inflação e quase nove anos de vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal - tentativa de definir um regime fiscal responsável para o País. Adicionalmente, há mais de dez anos o País criou as bases para um sistema financeiro sólido, fato hoje reconhecido internacionalmente.
A melhor resposta que podemos dar à crise consiste na reafirmação clara do compromisso de avançar na consolidação destes três regimes e em assegurar o funcionamento adequado do nosso sistema de intermediação financeira. Do ponto de vista operacional, os três regimes têm margem para flexibilidade e aperfeiçoamento. Há espaço para reduzir juros, mas o que importa é a consistência entre as políticas fiscal, monetária e a evolução do câmbio em 2009 e adiante.
É sabido que a estabilidade macroeconômica e a financeira, fundamentais como possam ser, por si sós não asseguram o crescimento sustentado a médio e longo prazos da atividade econômica, do investimento e do emprego; que - com a melhoria continuada dos indicadores sociais - é aonde queremos chegar.
A agenda de temas microeconômicos e institucionais assume importância crescente na caracterização tanto da rapidez e qualidade da resposta do governo como dos sinais para que as empresas se possam posicionar para aproveitar oportunidades, as que existem e as que surgirão após a superação da crise.
A resposta apropriada do Brasil, com sentido urgência no momento atual, deveria ser acelerar o passo do destravamento da agenda regulatória, concorrencial e de redução de incertezas jurídicas, estimulando o investimento privado, doméstico e internacional. Como escreveu o ilustre ex-ministro Delfim Netto no Valor, na semana passada, "a máxima prioridade do governo (...) é aumentar seus gastos de investimento, sacrificando o custeio (...). Esta é a hora de ampliar as concessões de estradas, de saneamento, de geração de energia, de portos, etc." Difícil tarefa, como ilustra o belo artigo de Jerson Kelman, nesta página, há dois dias.
A preocupação com a redução dos efeitos da crise sobre a atividade econômica, o emprego e o investimento não nos deveria deixar perder de vista (sem desconhecer avanços) o muitíssimo que resta por fazer na área social e de reformas.
A educação é o tema central. Aqui residiam, residem e residirão nossas grandes deficiências e nossos grandes desafios. É na qualidade dos resultados do processo educacional que reside, em última análise, a capacidade de um país se adaptar continuamente às necessidades da competição internacional e de crescer de forma sustentada. Há muito ainda por fazer nesta área, que exige melhorias significativas em gestão e monitoramento, por meio de indicadores quantitativos, metas específicas e críveis a serem alcançadas mediante incentivos apropriados que estimulem o mérito e o efetivo desempenho. Em suma, uma difícil luta contra o forte corporativismo "isonomista" de boa parte do sistema.
A saúde sempre será fonte inesgotável de demandas sobre recursos públicos escassos. Com a superindexação dos recursos orçamentários ao PIB nominal, por preceito constitucional, o Brasil, comparativamente, não gasta pouco nesta área, mas essa é a sensação da população. O discurso e a prática aqui - aonde queremos chegar - deveriam ser o da busca da eficiência, da qualidade do gasto, do combate sem tréguas ao desperdício, à fraude, à corrupção e à demagogia no trato do tema.
Sobre reformas, é sabido quão difícil é avançar em épocas que são simultaneamente de crise e pré-eleitorais. Seria um equívoco, contudo, relegar a plano secundário o debate público voltado para aprofundar o entendimento objetivo - muito deficiente entre nós - das razões por que as reformas previdenciária, trabalhista e tributária terão de ser feitas, ainda que de forma gradualista.
É verdade que quando convivem climas de palanque e situações de crise, com todo o potencial de respostas inadequadas que esta combinação propicia, evitar retrocessos é uma forma - ainda que precária - de tentar avançar.
Mas isto é muito pouco para um país que deveria ter pressa em pelo menos indicar da forma mais clara possível o rumo do nosso "aonde queremos chegar" como país que tem confiança em seu futuro. Que significa confiança na sua capacidade de crescer com as três características de uma sociedade em que valha a pena viver: liberdades individuais, justiça social e eficiência tanto no setor privado quanto, e principalmente agora, na crise, no setor público, como gestor de recursos escassos - em relação à voracidade das demandas com que se defronta.