Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 11, 2009

Exuberância e miséria Gaudêncio Torquato

Agora está explicado. O presidente da República é um otimista incorrigível porque não lê jornais e revistas. Sem o coquetel cotidiano de informação e análise, Lula se livra do "problema da azia", como confessou à revista Piauí, podendo esbanjar permanente sorriso e externar confiança extrema nas coisas em que acredita. Agora se compreende a razão por que S. Exa., à imagem e semelhança de Deus, passa a impressão de que escreve certo por linhas tortas. Errados são os que se dedicam ao exercício da leitura dos textos da imprensa. Leitores que se deparam com a manchete de que a produção industrial acaba de levar o maior tombo em 13 anos não podem ver nisso motivo de apreensão, se guiados pela ótica presidencial. É apenas a onda de uma "marolinha que não serve nem para surfar". E ninguém ouse dizer que a área onde o torneiro mecânico Luiz Inácio aprendeu o primeiro ofício está em crise, mesmo diante da capotagem da fabricação de automóveis: recuou 34,2% em novembro, a maior queda desde 1991. Se lhe perguntarem, a resposta será um paliativo: trata-se de um leve freio de arrumação.

Menos, presidente. Neste momento, a situação do País está a exigir bom senso. Há uma tempestade em plena gestação. Os discursos, mesmo recheados de arroubo, não conseguirão evitar a avalanche. As crises, como se sabe, agregam fatores de natureza psicológica e, nessa vertente, é compreensível o esforço do comandante de uma nação para elevar o ânimo social e promover a articulação das energias em torno do bem-estar coletivo. Estribado na montaria do carisma e na alta popularidade, Lula convocou a população a ir às compras no final de ano. O resultado ficou aquém do esperado (alta entre 3,5% a 5%), a denotar que o brasileiro sabe distinguir a linha da verdade entre as curvas apelativas para explicar o tamanho da crise. Transparece a incongruência do comandante-em-chefe quando incute nas pessoas a ideia de que o Brasil é um motor de arranque no mundo que puxa para trás uma locomotiva financeira que, segundo Henrique Meirelles, presidente do BC, já queimou US$ 29 trilhões.

Compreende-se que Luiz Inácio, em desabafo, divise "olho gordo" nos grupos que desejam vê-lo "lascado", conforme garante. O presidente Fernando Henrique queixava-se de "fracassomaníacos" que torciam contra seu governo. Se, como já disse Clausewitz, a guerra é uma mera continuação da política, por outros meios, e sabendo-se que na arena brasileira os conflitos não dão trégua, é provável que a bandeira de destroços esteja permanentemente desfraldada sobre os governos. Ocorre que a doença que ameaça corroer a economia brasileira não pode ser ruim para uns e boa para outros. Todas as partes do corpo nacional sofrerão mazelas. Este é o foco da mensagem que se espera de Lula e dos homens públicos. Não dá mais para enganar. Nunca foi tão premente jogar a lupa sobre os espaços nacionais. O presidente não conseguirá sobrepor a imagem do Brasil virtual ao Brasil real, nem as oposições obterão êxito com a crítica de que tudo está errado.

A tentativa de arrumar o caleidoscópio com o traçado da verdade pode começar com esse tal de PAC, o Programa de Aceleração de Crescimento, que se veste, a cada dia, com o manto da panaceia. Para uns, será a "salvação da lavoura" da presidenciável ministra Dilma Rousseff, se, claro, as obras obedecerem ao calendário. Para outros, a continuar empacada, essa montaria, sem liderar a corrida na pista, pode jogar a mãe das obras do governo no despenhadeiro. O primeiro ajuste é para tirar a politicagem desse plano, selecionando obras prioritárias nos lugares adequados e na agenda possível. Sem dedo político e favorecimento a grupos estaduais. A segunda correção pontual aponta para o colchão social. A controvérsia, nesse ponto, sobe ao cume da montanha. Hoje, 11 milhões de famílias recebem o Bolsa-Família. E a fila para entrar no programa é de 2,2 milhões. Trata-se de um programa sui generis. O País cresce. A economia amplia seu raio de ação. Mas a cada ano, em vez de diminuírem, os desamparados aumentam. Que lógica é essa? Pessoas assistidas deveriam, ao correr do tempo, procurar a porta de saída do assistencialismo.

O programa contribuiu para trazer milhões de brasileiros à mesa do consumo. Os efeitos perversos, porém, multiplicam-se. Um olhar sobre a paisagem nordestina, neste final de ano, flagra o crime perpetrado por esse tipo cego de paternalismo. Multidões de pessoas ociosas se multiplicam na paisagem. Há relatos de trabalhadores que rejeitam a carteira assinada para não perder o benefício. Prefeitos procuram mão-de-obra para os serviços municipais. Não conseguem. A criminalidade se expande. Duas são as razões: a migração de gangues do Sudeste, que descobriram o Nordeste como espaço ideal para as ações criminosas; e a descoberta do celular por grupos de jovens - muitos beneficiados pelo Bolsa-Família - para negociar sequestros relâmpagos e comercializar drogas. Em Jardim de Piranhas (RN), na região do Seridó, cidade de 8 mil habitantes, 58 carros de luxos entopem as ruas. Fazendeiros se locomovem com proteção armada. Em Timon (MA), cartões do programa foram parar no comércio de drogas. Na Bahia, carteiros se negam a entrar em determinados bairros. A violência se expande na região sob o colchão amortecedor do governo Lula. Se os traços do paternalismo e da ociosidade matizam a cultura nordestina, hoje encontram fortes eixos de apoio.

A radiografia deveria flagrar todos os espaços. Nas estradas federais, onde o governo investiu apenas 15% do previsto no Orçamento para 2008; no sistema de saúde, que continua à míngua; na melhoria da educação; na gigantesca ausência de saneamento básico. Se Lula quer enxergar a verdade, precisa abrir os olhos e os ouvidos para a mídia. Um pequeno conselho ao presidente pode ser útil: é preferível ganhar uma "azia" ao tomar conhecimento do que acontece na sua administração a sofrer uma trombose ao perceber que o Brasil real é menor que o paraíso virtual de seus sonhos.

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