Estados Unidos e Inglaterra estatizaram bancos e seguradoras. GM, Ford e Chrysler chegaram à beira do colapso. O petróleo foi a US$ 147 e a US$ 35. Um negro foi eleito para a presidência dos EUA. O Lehman Brothers quebrou. Bolsas despencaram no mundo inteiro. Itaú e Unibanco se fundiram. Vivemos um ano louco. Difícil resumir a montanha russa, os sustos, os extremos de 2008.
O ano foi de mudanças radicais do ambiente econômico e de aflições terminais. O PIB do Brasil foi 6% no terceiro trimestre e será negativo no último trimestre. A frase “o pior da crise passou” foi repetida várias vezes, por vários equivocados, e ela, a crise, se agravou constantemente. Todas as frases pitorescas do presidente Lula na linha marítima – da “marolinha” à “a crise não vai atravessar o Atlântico” – estavam erradas. Lula não errou sozinho. O mercado financeiro no começo de 2008 andava, ao ritmo de manada, apostando no “descolamento” dos emergentes. Não colou: houve uma reversão em todos os emergentes.
Se existe um dia marcante do ano é o dia 15 de setembro. Era segunda-feira e o fim de semana tinha sido de tensão no governo americano. Em Wall Street, na rua do mercado financeiro de Nova Iorque, o secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, e o presidente do Fed, Ben Bernanke, tinham consumido o sábado e o domingo tentando salvar instituições financeiras. Fim de semana de reuniões intermináveis, alimentadas com sanduíches. Houve um momento da tarde de domingo que a manchete do “Financial Times” na versão on-line era “Bancos lutam pela vida”. Nessa agonia estavam Lehman Brothers, Merrill Lynch e a seguradora AIG.
A decisão tomada naquele fim de semana marcou o ano, marcará a economia por anos. O governo patrocinou a venda da Merrill Lynch para o Bank of America, o Lehman foi deixado sangrando até quebrar e a AIG foi salva com uma estatização que custou, até agora, US$ 150 bilhões aos contribuintes americanos. Os destinos diferenciados de cada instituição mostraram que os comandantes do barco não sabiam como conduzi-lo no meio da tempestade. Os critérios que foram usados em março para socorrer o Bear Stearns e passá-lo adiante para o JP Morgan não valeram para o Lehman Brothers, que era um animal da mesma espécie: banco de investimento. A indústria da intermediação financeira quase entrou em colapso.
Nunca se falou tanto em “a pior queda em”. Começou sendo dez anos, foi para 15, 30, até parar em 79 anos. A imprensa, os economistas, as autoridades econômicas passaram a lembrar o pior fantasma econômico que se conhece: o da crise de 1929. A palavra “depressão” saiu dos livros de História e voltou ao noticiário econômico. Felizmente ainda como previsão, medo, prognóstico, e não como fato.
Foi o ano em que o mundo banalizou a palavra “trilhão”. Mais de US$ 1 trilhão foram empenhados pelo governo americano para evitar o aprofundamento da crise. Trilhões de dólares desapareceram nas quedas das bolsas, na desvalorização dos ativos. Não eram riqueza de fato. Parte era ilusão, porque era um dinheiro que só iria para as mãos das pessoas que vendessem as ações. Elas haviam subido em ritmo de bolha, de repente despencaram. No mundo, caíram durante o ano todo. No Brasil, o começo da queda foi em maio, mas até setembro a queda acumulada do ano havia sido de 7% e termina o ano com um tombo de 42%. Mas se serve de consolo, isso foi mundial: a China teve queda de 60%, a Rússia afundou-se em mais de 70%.
Ano esquisito em que parte dele temeu um fantasma e, na outra parte, o fantasma oposto. Lembram-se do medo da inflação de alimentos e energia? Consumiu meses de debate. Os índices subiram no mundo inteiro. Ao fim do ano, o maior medo das economias desenvolvidas é que haja uma deflação no sentido clássico: a queda de preços aprofundando a recessão, num espiral negativo que leve à depressão.
Na política americana foi um ano brilhante. As primárias democratas, com a disputa entre uma mulher e um negro, apontavam na direção do futuro, do século 21, quando esses dois grupos vão ter cada vez mais poder. A campanha de Barack Obama foi ao som do mantra de que as pessoas podem sim mudar a política; levou um número recorde de eleitores às urnas; atraiu principalmente os jovens de volta para a política. Seus discursos fortes, bonitos, bem escritos, arrebataram corações. A imagem da família negra no palco, no dia da vitória, marcará para sempre o mundo. Naquele dia, caiu um muro. As desigualdades raciais não acabaram, o preconceito infelizmente vive e viverá, mas, naquele dia da vitória de um filho de uma branca do Kansas com um negro do Quênia, o mundo entendeu que tinha cruzado uma fronteira numa direção iluminada do entendimento. O pior governo americano recente estava acabando num sonho vigoroso de mudanças.
O despertar veio mais cedo. Antes da posse, Obama está preparando pacotes de resgate, já teve que depor como testemunha num caso de corrupção no seu estado, Illinois. A vida continua com suas mazelas.
Foi um 2008 de prender a respiração. Portanto, você merece – leitora, leitor – respirar fundo e comemorar o fim de um ano de extremos, de alegrias e medos. Feliz 2009!
Com Leonardo Zanelli