Chegou o Ano Novo. Percebo uma mistura incoerente de revolta sobre o ano passado e ilusão sobre o futuro.
Como os governos permitiram uma crise tão grave ocorrer? Como executivos bem pagos deixaram seus bancos e empresas (praticamente) na bancarrota? Por que os economistas não previram esta crise internacional? Ao mesmo tempo a ilusão: a crise no Brasil é fruto do puro pessimismo, da cabeça dos desesperados e do exagero dos economistas.
A solução seria ignorar os pessimistas e economistas, sacudir a poeira, que não há nada de concreto na crise.
A teoria por trás é que o futuro depende das expectativas atuais. Se todo mundo acreditasse num futuro melhor, continuasse consumindo e investindo, não haveria recessão e crise. No linguajar econômico: as expectativas são autorrealizáveis, mantidos o consumo e o investimento, haveria demanda, vendas, produção e emprego (nesta ordem). Equivalentemente, numa linha de pensamento paralela, a economia é movida pelo “espírito animal” dos empresários, que precisa ser mantido aceso.
Infelizmente a realidade é mais dura do que isso. É verdade que as expectativas fazem parte do arcabouço econômico e uma piora substancial da perspectiva futura afeta a realidade econômica. Melhorando as expectativas, melhora-se o cenário, pelo menos temporariamente. Mas as expectativas não se desviam permanentemente da realidade econômica.
Há fatores concretos que irão afetar a vida dos indivíduos e empresas no Brasil, independentemente do humor coletivo. A recessão mundial e a retração do crédito internacional são uma realidade. Há menos demanda pelos produtos brasileiros no mundo, seus preços são menores. Não há o mesmo crédito externo disponível de outrora para as empresas, certamente a um custo financeiro maior.
Os fluxos de capital já são menores.
A taxa de câmbio no Brasil já se ajustou a esta nova realidade.
Não é o excesso de pessimismo que está levando à redução nas projeções de crescimento para o ano, mas sim a situação internacional concreta: a falta de capital no mercado financeiro internacional que comprime o crédito externo, a perda de riqueza (queda das bolsas e outros ativos, valor das casas) e a queda de produção no mundo que reage ao excesso de estoques que se acumula.
Dada a severidade na crise internacional — a pior recessão mundial nas últimas décadas —, as expectativas sobre o crescimento no Brasil se ajustam. Não sabemos o impacto exato da crise externa, mas sabemos a direção e observamos a magnitude da crise internacional.
Nesse sentido, o governo deve se preparar para uma queda substancial da arrecadação e um desafio maior para o cumprimento das metas fiscais (que, por sinal, já ocorre faz uma década). Há menos financiamento para déficits nas contas externas do Brasil, dado o fluxo menor de capitais para o Brasil. Insistir na manutenção dos gastos públicos e privados — aumentaria as importações, reduziria o saldo externo e pressionaria a taxa de câmbio (o que reduziria o espaço para quedas da taxa de juros). Tenho percebido gradativa aceitação destes limites, mas também da idéia de que o pessimismo é que vai causar a desaceleração da economia.
Por outro lado, isso não significa que se deva exagerar as consequências da crise no Brasil. Há fatores que vão contribuir para a manutenção do nosso crescimento. A depreciação do câmbio de mais de 40% deve compensar parcialmente a perda das exportações e incentivar os bens e serviços que competem com as importações.
Não é possível para todos os países do mundo depreciarem a sua taxa de câmbio, muito menos nessa magnitude. Outros fatores podem contribuir também para amenizar o impacto da crise, como a substituição do crédito externo pelas linhas do Banco Central advindas das reservas, ou a queda das taxas de juros.
Em suma, a revolta sobre a crise de 2008 deveria dar lugar ao realismo econômico neste ano no Brasil. Exageros à parte, é prudente evitar qualificar o impacto da crise no Brasil como consequência exclusiva do pessimismo de alguns. Não é o momento para comportamento Poliana na economia.
Entrevista:O Estado inteligente
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