Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, janeiro 02, 2009

Entrevista Narciso Rodriguez

"Faço roupas, não faço moda"

O estilista americano fala do estilo de Michelle Obama,
diz que seguir as tendências da moda é garantia de
arrependimento e declara sua paixão pelo Brasil


Anna Paula Buchalla

Selmy Yassuda

"Michelle Obama é segura, sabe o que fica bom nela, um tipo de percepção que a maioria das mulheres, infelizmente, não tem"

Na noite da vitória de Barack Obama, a iminente primeira-dama Michelle apareceu no Grant Park de Chicago usando um vestido vermelho e preto da coleção primavera 2009 do estilista Narciso Rodriguez. Eleita uma das mulheres mais bem vestidas de 2008 pela revista americana Vanity Fair, e fortíssima candidata a substituir Jackie Kennedy no imaginário americano, Michelle tem em Narciso um de seus estilistas favoritos. "A noite da vitória foi um dos momentos mais importantes da minha vida", diz o filho de imigrantes cubanos nascido em Nova Jersey. Aclamado o rei do minimalismo, Narciso, de 47 anos, afirma que faz moda para celebrar a beleza da mulher. Sua carreira teve início ainda como estudante na Parsons School of Design, em Nova York, quando conseguiu seu primeiro emprego como assistente de Donna Karan. De férias no Brasil, país pelo qual se declara apaixonado, Narciso passou alguns dias no Rio de Janeiro e se encontrou com a cantora Madonna em São Paulo, antes de seguir para a Bahia, onde tem uma casa de veraneio. Ele deu a seguinte entrevista a VEJA.

Deve ter sido uma emoção e tanto ver Michelle, futura primeira-dama americana, vestindo uma criação sua na comemoração da vitória eleitoral de Obama.
Não resta dúvida de que foi um dos momentos mais importantes da minha vida, tanto do ponto de vista pessoal como profissional. O mundo inteiro estava assistindo! É uma honra saber que uma das minhas criações está presente num momento tão significativo da história americana. E pensar que Michelle tinha tantas opções...

O senhor não sabia que ela usaria uma roupa da sua última coleção de primavera?
Eu não tinha certeza e preferi não ficar pensando muito sobre isso. Mas, como Michelle gosta das roupas que crio (usou peças minhas durante toda a campanha), a chance era grande. Fiquei contentíssimo, é claro.

No dia da posse, ela usará alguma roupa de sua coleção?
Seria maravilhoso, mas isso eu não sei.

O senhor acha que Michelle se tornará uma nova Jacqueline Kennedy?
Michelle é uma mulher brilhante. Eu a conheci alguns anos atrás, em Chicago. É uma mulher que tem personalidade e, além disso, é muito elegante e bonita. São qualidades suficientes para se destacar.

O que a faz tão elegante?
Ela tem postura, além de grande senso de estilo pessoal, o que não é para qualquer uma. Michelle é segura, sabe o que fica bom nela, um tipo de percepção que a maioria das mulheres, infelizmente, não tem. Definitivamente, ela não precisa de personal stylist.

O senhor também teve um momento de grande projeção internacional quando Carolyn Bessette, no casamento com John Kennedy Jr., em 1996, usou um vestido de sua lavra.
Vestir Carolyn em seu casamento talvez tenha sido o momento mais maravilhoso da minha carreira. Todo mundo viu aquele vestido e houve uma corrida por cópias do modelo nos Estados Unidos e na Europa. É parte da minha história, não só pelo sucesso que causou, mas porque Carolyn era a minha melhor amiga, uma das pessoas que mais amei na vida. Até hoje é difícil falar sobre isso, porque ainda sinto muita falta dela. A sua morte, bem como a de John John, foi um choque.

Sua grife completou, no ano passado, uma década. Para comemorar a data, o senhor lançou um livro no qual cita o Brasil como fonte de inspiração. O que o atrai no Brasil?
Sou muito inspirado pela beleza dos corpos de homens e mulheres brasileiros. A francesa Madeleine Vionnet (estilista das décadas de 20 e de 30), quando se aposentou, continuou trabalhando apenas para as suas clientes brasileiras e cubanas. Madeleine achava seus corpos tão lindos que sempre queria criar roupas para elas. O mesmo acontece comigo. Não há nada mais inspirador do que uma bela figura latina. Quando estou no Brasil, tiro fotos de mulheres andando nas ruas (de meninas a senhoras) e de pessoas na praia, tomando sol. Sou apaixonado por este país e o meu processo de criação é muito influenciado por isso. Há três anos, fiz uma coleção totalmente inspirada no Brasil. Diria que 50% da minha vida e da minha inspiração estão aqui. O livro é metade brasileiro.

"Os desfiles de moda são uma falsa realidade. Você vai a um espetáculo desses e fica impressionadíssimo, mas não há nada na passarela que inspire uma mulher a querer vestir-se bem"
O senhor se diz contrário a essa história de "tendências" na moda. Por quê?
Não sou nem um pouco fã da moda descartável. Muito da moda que vemos hoje é criado apenas para efeito de espetáculo, não é feito para as mulheres usarem. Os desfiles de moda são uma falsa realidade. Você vai a um espetáculo desses e fica impressionadíssimo, mas não há nada na passarela que inspire uma mulher a querer vestir-se bem. No fundo, o que se quer nesses desfiles é criar uma reação da imprensa. Eles são divertidos, mas não me interessam. Fiz minha opção pelo estilo e, sobretudo, por tornar a vida das mulheres mais bonita e mais glamourosa. Meu objetivo é criar peças acessíveis e usáveis. Sempre. Nada pior do que a armadilha daquelas peças que você compra hoje, guarda no armário e amanhã se pergunta: "Como eu pude usar isso um dia?". Diria que faço roupas, não faço moda.


Como é possível inovar sem seguir as tais tendências?

Sempre dá para inovar o belo. É o que me proponho a fazer. Minha ideia de moda é criar beleza – e sob novas perspectivas, ainda que baseada em conceitos clássicos. Parte da minha filosofia de criação é não ser tão comprometido assim com os dados efêmeros. Pegue-se um vestido Chanel, dos anos 20, ou um Dior dos anos 50, e vista Kate Moss com uma dessas peças. Elas permanecerão tão lindas quanto eram naquele tempo. É isso que me interessa, é esse tipo de longevidade que busco. Tendência em moda é algo descartável e sempre que nos guiamos por ela nos arrependemos. É como comer em fast-food. Você passa em frente a uma dessas lanchonetes e o cheiro é delicioso, convidativo. Depois de se render a um hambúrguer desses, você pensa: "Onde eu estava com a cabeça para comer esse lixo?". Com a moda é exatamente a mesma coisa.

O senhor não acha que há uma valorização excessiva do universo da moda, com seus desfiles e supermodelos?
Acho. E acredito que todo esse ruído está começando a enjoar. Assistir aos desfiles de alta-costura em fevereiro e setembro em Paris ou Nova York é uma experiência maravilhosa, não posso negar. Mas o que percebo, principalmente neste momento político e econômico, é que as pessoas estão mais interessadas pelas coisas reais do que pelos espetáculos de moda. Não importa como a peça apareceu no desfile, ou qual o seu efeito no corpo de uma bela modelo,
o que elas querem são materiais bons, bonitos, de qualidade – e duráveis. Uma peça não pode ter a vida útil de uma única estação, o que é, inclusive, antiecológico. Aliás, esse movimento não se restringe ao mundo da moda. As pessoas também querem alimentos de melhor qualidade, mais naturais, mais saudáveis.

Anna Wintour (editora-chefe da revista Vogue americana) disse certa vez: "Ninguém como Narciso consegue fazer um simples traço parecer tão impressionante".
Bem, só posso dizer que esse foi o melhor elogio da minha vida. Afinal, ela é uma pessoa que realmente conhece moda. Anna é uma grande incentivadora do meu trabalho. Desde o começo da minha carreira, ela sempre gostou das minhas criações. Tive muita sorte nesse sentido.

"As fashion victims, aquelas pessoas que vivem para a moda e estão em todas as edições das revistas especializadas, não me atraem nem um pouco. Eu prefiro as mulheres que trabalham, têm filhos, valorizam a vida familiar"

O senhor trabalha numa indústria extremamente competitiva, que gira por ano 300 bilhões de dólares, e é muito suscetível a julgamentos subjetivos. Que tipo de pressão o afeta mais?
A indústria da moda é difícil por sua própria natureza e, evidentemente, muitas de suas dificuldades foram amplificadas pela crise econômica. Houve um momento na história da minha empresa em que eu tive de decidir se fechava e começava do zero ou me associava a um parceiro poderoso. Optei pelo segundo caminho. Hoje não há como sobreviver sem fazer sociedade com um grande grupo. É quase impossível para um novo estilista criar uma grife própria do nada. Não é mais como nos anos 70 e 80, quando dava para licenciar uma marca de jeans, por exemplo, e sonhar alto. Além disso, não é suficiente criar belas roupas e de qualidade. É preciso também idealizar acessórios como bolsas, sapatos e perfumes para o negócio se sustentar. Eu tive sorte porque há cinco anos lancei uma linha de perfumes que se tornou um sucesso.

O que é mais complicado fazer: perfumes ou roupas?
Perfumes. Para criar uma fragrância, é preciso descobrir o que as mulheres e os homens estão querendo naquele momento – algo que, no fundo, nem mesmo eles sabem. Antes de lançar meu novo perfume, por exemplo, foi necessário organizar inúmeras entrevistas, testes e grupos de discussão, num processo que consumiu praticamente dois anos.
No caso das roupas, faço o esboço, mando-o para a minha sala de provas, escolho a fábrica e pronto – o vestido está feito. É mais prático,
por assim dizer.

Antes de criar sua própria grife, o senhor trabalhou com Donna Karan e Calvin Klein. Como foi essa experiência?
Quando eu era jovem, tinha dois objetivos. Um deles era cursar a Parsons School of Design, em Nova York. O outro era trabalhar com Donna Karan. Consegui alcançar os dois. Conheci Donna enquanto cursava a escola e meu primeiro emprego foi como seu assistente. Com Donna, aprendi a ter apreço por materiais e pela etapa de criação em si. Ela me ensinou ainda que um estilista deve desenhar os modelos da cabeça aos pés. Hoje, Donna é uma grande amiga. Com Calvin Klein, aprendi muito sobre estratégias de marketing, ferramenta essencial para vencer nesse mercado.

Quem são seus estilistas preferidos?
São aqueles que, de uma forma ou de outra, mudaram o rosto da moda. Chanel, Balenciaga – provavelmente o meu favorito, porque foi vanguarda sem jamais esquecer a beleza – e Madeleine Vionnet, com suas peças impecáveis e extremamente inovadoras.

Entre tantas clientes estreladas – Sarah Jessica Parker, Jessica Seinfeld, Eva Longoria –, a atriz Rachel Weisz é uma espécie de musa inspiradora para o senhor. O que ela tem de tão especial?
Entre tantas jovens belas e célebres, ela se destaca porque é inteligente e tem estilo. Esse é o tipo de mulher que me inspira, para quem gosto de criar. As fashion victims, aquelas que vivem para a moda e estão em todas as edições das revistas especializadas, não me atraem nem um pouco. Prefiro as mulheres que trabalham, têm filhos, valorizam a vida familiar – aquelas que leem revistas de moda, mas também
bons livros.

Antes, as mulheres de 40 anos queriam se vestir como as de 20; hoje são as quarentonas que inspiram as mais jovens.
Ocorre justamente o oposto do que se via no passado. A verdade é que muitas mulheres estão chegando aos 50 anos enxutas e esplendorosas. É lógico, portanto, que, quando sabem o que usar e como usar, inspirem todas as outras. As coisas belas são atemporais.

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