Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 11, 2009

Augusto Nunes SETE DIAS



Ele sabe até o que fez Capitu

A platéia sempre em luta con- tra o cochilo iminente arregalou os olhos já no começo do discurso do presidente da República. "Hoje é um dia tão marcante para a nossa linda literatura", lembrou em 30 de setembro à platéia reunida na Academia Brasileira de Letras o único chefe de governo do mundo que, faz pouco tempo, confessou que preferia exercício em esteira a qualquer leitura. Dois parágrafos além, o mais cético dos imortais desconfiou de que estava testemunhando uma espantosa reedição do "estalo de Vieira". Segundo a lenda, o padre Antonio Vieira foi um perfeito imbecil até erguer-se da cama onde o atirara a tremenda dor de cabeça transformado no maior orador do Brasil colonial. Segundo a discurseira no auditório da ABL, alguma metamorfose misteriosa operara a conversão do inimigo juramentado de vogais, consoantes, pontos e vírgulas. "Ainda faltam muitos capítulos no acesso à leitura no Brasil", continuou a procissão de sobressaltos, encerrada com a notícia formidável: Lula lê livros. E aprecia Machado de Assis.
Bem no dia do centenário da morte do fundador e primeiro presidente da ABL, os corações imortais entraram em descompasso ao saberem que, entre todos os romancistas, Lula considera "insuperável" esse brasileiro "mulato, filho de lavadeira e neto de escravos alforriados".
"Machado de Assis venceu pelo seu próprio talento individual, mas quantos outros gênios da raça foram impedidos de surgir e de se desenvolver?", perguntou. O escritor a quem se referiu como "o bruxo genial do Cosme Velho" já lhe soprara a resposta. "Disse Machado de Assis que palavra puxa palavra, uma idéia traz outra, e assim se faz um livro, um governo ou uma revolução", caprichou o homem que formalizara a adesão do Brasil ao acordo sobre a reforma ortográfica. "Façamos juntos a revolução do livro e da leitura em nosso país", exortou. Na semana passada, com a publicação da conversa entre o presidente e o jornalista Mario Sergio Conti, da revista Piauí, desfez-se o equívoco. Quem sabe quem foi Machado de Assis é o ministro Luiz Dulci, redator do discurso que o chefe recitou. Lula continua a fugir de livros como o diabo foge da cruz, o vampiro da luz do sol ou o Congresso da decência. Parou até de folhear jornais ou revistas, contou na entrevista à Piauí. "Dá azia", resumiu. Embora também se tenha dispensado de ouvir noticiários radiofônicos ou telejornais, considera-se muito bem informado sobre o país e o planeta. Lêem por ele o ministro Franklin Martins e a assessora Clara Ant. Além dos quatro olhos amigos, Lula conta com o mundão de gente que encontra todo dia. E, em momentos críticos, troca idéias com Deus. Longe dos jornais e da internet, consegue avaliar o desempenho da imprensa, dar notas a colunistas ou indicar blogs e sites. Lula só leu Machado de Assis em placas de ruas batizadas com o nome do escritor. Mas decerto já sabe se Capitu traiu.

Isso sim é que é
coisa de bêbado
Em 2007, o Ministério dos Transportes foi contemplado com uma verba de R$ 7,6 bilhões para tornar menos mortal a malha rodoviária federal em acelerada decomposição. Só aplicou R$ 2,9 bilhões. Em 2008, o governo usou conforme o combinado apenas 15% do dinheiro destinado a obras de manutenção e recuperação das estradas em decomposição. No Rio, por exemplo, o indíce não passou de raquíticos 2%. Confrontados com a multidão de vítimas das rodovias assassinas, os pais da pátria fingem que o Brasil não estaria concorrendo com o Iraque ou a Faixa de Gaza se a Lei Seca fosse aplicada com rigor. Parece conversa de bêbado.

O abraço que
comove o país
Há uma semana na tela da Globo, a minissérie que reconstitui a vida da grande Maysa é um emocionante abraço póstumo concebido pelo filho inteiramente reconciliado com a mãe que já não há. Diretores comuns teriam sucumbido ao acerto de contas imposto por ressentimentos ou escorregado na pieguice nascida da falácia segundo a qual a morte apaga todos os desencontros. O talento e a sensibilidade de Jayme Monjardin permitiu-lhe encontrar o caminho do meio. Imaginava-se que Maysa não era alguém que um filho pudesse decifrar. Sabe-se agora que só o filho saberia reapresentá-la ao Brasil ­ de frente, de perfil e sem retoques.


O Brasil segue financiando a gastança olímpica

O Tribunal de Contas da União constatou que os organizadores dos Jogos Pan-Americanos do Rio estabeleceram um recorde de espantar qualquer especialista em desvio de verbas: o superfaturamento das obras passou de 1.000%. A proeza comandada pelo Ministério do Esporte e pelo Comitê Olímpico Brasileiro, com a ajuda da prefeitura carioca, ofuscou outras façanhas de bom tamanho. Entre 2004 e 2008, por exemplo, o Comitê Olímpico Brasileiro embolsou R$ 1,2 bilhão em recursos públicos. Em outros países, os recordistas tratariam de afastar-se do noticiário por algum tempo. Como isto é o Brasil, os craques não descansaram sequer nos feriadões do fim de ano, informou o Diário Oficial em edições sucessivas. Entre o Natal e o Réveillon, o ministro Orlando Silva e o presidente do COB, Carlos Nuzman, trataram de provar que, por aqui, a crise é mesmo uma marolinha. Fazer do Rio a sede dos Jogos Olímpicos de 2016 é coisa que não tem preço. Qualquer bolada parece troco se investida na candidatura que vai materializar o sonho de todos os cariocas. Em busca de votos, é preciso investir, "no evento Sportaccord 2009, a ser realizado em Denver/Colorado", a módica quantia de R$ 492.116,23, engolidos por "trabalhos de ação e preparação". É pouco diante dos R$ 7.380.106,54 exigidos pela "organização da Visita de Avaliação Técnica do Comitê Olímpico Internacional", prevista para abril de 2009. O dinheiro já está com o COB. Parece muito diante dos R$ 276.247,04 aplicados na "ação de relações públicas internacional, por ocasião de entrega do Dossiê de candidatura em Lausanne". Não é: a campanha em favor do Rio não pode perder palanque nenhum. Nem dispensar o apoio de assessorias e consultorias especializadas em mostrar o maior dos azarões com jeitão de favorito. É por isso que a primeira verba do ano contemplou a "contratação de serviço de Consultoria Internacional especializada em Relacionamento e Marketing Institucional, visando à coordenação e o desenvolvimento da estratégia de Marketing Institucional". Tamanho da conta: R$ 2.312.359,83. O Congresso continua achando que nada disso vale uma CPI. É o Brasil.



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