O Estado de S.Paulo - 17/08
Não serão tolerados abusos de policiais federais em greve, disse ontem de manhã o ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo. Ele prometeu tomar medidas para reprimir as "situações de ilegalidade", mas o País continuou sujeito, durante todo o dia, à truculência dos grevistas em estradas, portos e aeroportos. Pode-se chamar de operação-padrão ou de qualquer outro nome, "mas usar a competência legal para criar obstáculos caracteriza abuso de poder e ilegalidade", argumentou o ministro. Portanto, ele conhece muito bem a situação e, com sua experiência de promotor, está preparado para identificar tecnicamente as violações cometidas pelos participantes do movimento. Com ideias tão claras sobre a questão, poderia ter agido há muito mais tempo para combater os desmandos, mas continua devendo a intervenção e a demonstração de autoridade. O fato é que o governo hesitou, deixou alastrar-se a greve - cerca de 30 categorias estão envolvidas - e acabou tentando acalmar o funcionalismo com uma imprudente proposta de aumentos salariais.
Se algo parecido com essa proposta for acertado com os grevistas, será plantada a semente de novos e graves problemas nos próximos anos. Pelo acordo sugerido, haverá aumentos entre 4,5% e 5% no próximo ano e será fixada uma política salarial para execução até 2015. O Executivo ficará amarrado a um compromisso financeiro perigoso, nos próximos anos, como ficou ao negociar critérios de aumento real para o salário mínimo. O prazo - até 2015 - só valerá se o funcionalismo se acomodar. Mais provavelmente o governo será pressionado para estender a vigência da regra ou até para torná-la definitiva. Serão inevitáveis duas consequências indesejáveis: 1) o Orçamento-Geral da União, já muito rígido, ficará mais engessado; e 2) mais um valor será indexado legalmente, quando se deveria - exatamente ao contrário - tentar extinguir os últimos resíduos da indexação, uma herança dos tempos da inflação desenfreada.
Há quem censure o governo por haver demorado a buscar a negociação com os grevistas. Mas a presidente Dilma Rousseff e seus auxiliares estavam certos pelo menos em relação a um ponto: há pouco ou nenhum espaço nas finanças públicas, neste momento, para aumentos de salários ao funcionalismo. Desinformado e despreparado para enfrentar a mobilização do funcionalismo, o governo tentou ganhar tempo, evitando qualquer compromisso até o envio da proposta orçamentária ao Congresso, no fim de agosto. Esgotado esse prazo, o problema estaria superado, segundo os defensores dessa tática.
Mas a presidente foi abandonada por seu partido, o PT, que tem velhas e estreitas ligações com o funcionalismo federal. Foi também abandonada pelas centrais sindicais, generosamente cevadas pelo governo durante os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sem nenhum compromisso, como sempre, com questões de interesse público.
Diante do governo hesitante e despreparado para enfrentar a pressão do funcionalismo, as categorias em greve tomaram o País como refém para extorquir vantagens do Tesouro. O embarque nos aeroportos transformou-se numa experiência infernal. Voos foram atrasados, compromissos foram perdidos. Mercadorias ficaram paradas nos portos e aeroportos, porque os agentes policiais, fiscais e sanitários envolvidos nas operações de exame e liberação decidiram abusar de sua autoridade.
Congestionamentos enormes foram provocados, em estradas, por policiais dispostos a causar o máximo de incômodo e de prejuízo à sociedade. Na quarta-feira, havia 14 mil contêineres parados em portos de Santa Catarina. Dirigentes de laboratórios de análises clínicas já denunciavam o risco iminente de escassez de reagentes e outros materiais indispensáveis a seu trabalho. Também nos hospitais já soava o alarme, diante do esgotamento de recursos até para a manutenção dos centros de terapia intensiva.
Todos sabem dos abusos - principalmente o ministro da Justiça. Muito mais que um braço de ferro entre funcionários e autoridades, a greve tem sido um pesadelo de truculências e de agressões à sociedade, facilitadas pela inércia e pela fraqueza do governo.
N. da R. - Este editorial já estava redigido quando o STJ, a pedido do governo federal, declarou ilegal a operação-padrão das Polícias Federal e Rodoviária Federal.