O Estado de S. Paulo - 06/08/2012 |
O Brasil assiste, hoje, a dois acontecimentos singularmente importantes: o julgamento do mensalão e a greve no serviço público. O mensalão, independentemente do desfecho do julgamento, é uma prova de vitalidade das instituições. Já a greve é um sinal de imaturidade nas relações dos servidores com a administração pública. A grande repercussão midiática do mensalão contrasta com a do movimento paredista, somente percebido pelos que são diretamente por ele atingidos. Em nenhum dos casos, entretanto, há uma reflexão sobre as causas que explicam acontecimentos tão indesejáveis, o que é prenúncio de que eles possam voltar a ocorrer. No campo político, é necessário perquirir as razões pelas quais pessoas pouco virtuosas almejam mandatos políticos. Não me impressiona o argumento de que o financiamento público das campanhas eleitorais seria fator capaz de desencorajar a corrupção eleitoral. Ele, simplesmente, iria universalizar o caixa 2. O que mais provavelmente anima a postulação eleitoral das pessoas pouco virtuosas é o direito ao foro privilegiado nos processos judiciais e, sobretudo, a possibilidade de operar verbas orçamentárias, por meio das chamadas emendas. O foro privilegiado é uma aberração que segrega as pessoas, em função dos cargos que ocupam. E ao fazê-lo, paradoxalmente, suprime dos privilegiados o direito ao julgamento em dupla instância. Ainda que não tenham grande expressão nos gastos públicos totais, sendo, por esse motivo, negligenciadas pelos analistas de finanças públicas, as verbas orçamentárias, qualificadas como transferências voluntárias, propiciam perigosos conluios que envolvem políticos, empreiteiras e outras empresas contratadas pela administração pública. Essas verbas estiveram na origem de tenebrosos escândalos, rotulados como "anões do Orçamento", "sanguessugas" e outros esquisitos nomes. Servem também como instrumento de barganha para cooptar os parlamentares, como uma espécie de mensalão que não requer saques em misteriosas agências bancárias, sacolas de dinheiro ou complexas operações de lavagem de dinheiro. A extinção do foro privilegiado é matéria de solução simples, ao passo que o disciplinamento das transferências voluntárias se inscreve numa reestruturação do processo orçamentário, com base no artigo 163, inciso I, da Constituição. Vivemos, todavia, um longo período de apatia legislativa, em boa medida causada pela tirania das medidas provisórias, da qual resulta mora legislativa levada ao extremo. Na outra vertente das singularidades da agenda política contemporânea, temos a greve no serviço público, que parece ser grande, mas não se sabe ao certo sua dimensão, e se anuncia como legal, ainda que não seja reconhecida como tal pela Justiça. Algo, entretanto, é certo: existem vítimas. São jovens que frequentam a escola pública - de má qualidade, quase sempre -, cujas perspectivas de inclusão profissional são adiadas. São empresas que não conseguem realizar negócios para reanimar nosso combalido produto interno bruto (PIB). São doentes que não conseguem acesso aos serviços de saúde pública. A vítima, em síntese, é o povo, não bastasse a insólita colaboração das greves para aviltar ainda mais os precários serviços públicos. Não seria justo negar aos trabalhadores da função pública o direito à reivindicação salarial. De mais a mais, a Constituição admite, no artigo 37, inciso VII, o direito à greve, nos termos e limites fixados por lei específica. Essa lei, contudo, inexiste, o que obrigou o Supremo Tribunal Federal, incidentalmente, a suprir a preguiça legislativa. Menos mal, mas insuficiente. Esse quadro sem contornos bem definidos encerra uma montanha de dúvidas. Os dias parados devem ser pagos? A morosidade, mal disfarçada como operação-padrão, deve ser punida? Greve de policiais deve ser tida como motim? Quais são os serviços essenciais que não podem ser paralisados? Qual o rito das assembleias para a aprovação de uma greve? Deveria haver um canal institucionalizado de negociações ou um tribunal especial de conciliação e julgamento para evitar a deflagração do movimento grevista? A greve, especialmente no serviço público, deve ser um recurso extremo, porque o interesse individual ou corporativo não pode suplantar o interesse público. As demandas quase sempre incluem um "novo plano de cargos e salários", o que, em verdade, é uma forma oblíqua de postulação salarial. Constituem, além disso, uma evidência de que inexiste uma lei geral de remuneração do serviço público, que previna a assimetria de remuneração entre os funcionários dos diferentes Poderes, institucionalize a ascensão profissional fundada no mérito, discipline as vantagens dos servidores, etc. Sempre que uma demanda política não desfrutava viabilidade ou consistência, dizia-se que faltava "vontade política" para atendê-la, numa manifestação primária de voluntarismo. Falta vontade política, agora sim, para remover as causas da corrupção eleitoral e da degradação dos serviços públicos. Melhor dizendo, falta coragem política. |
Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, agosto 06, 2012
A falta de vontade política Everardo Maciel
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