O ESTADÃO - 04/03/12
O presidente do Equador, Rafael Correa, ganhou uma importante batalha
legal contra a liberdade de imprensa em seu país, e deu mais um passo
para transformar o seu governo em um regime autoritário. A Corte
Nacional de Justiça, a máxima instância da magistratura, condenou o
jornal El Universo, decano da imprensa equatoriana com mais de 90 anos
de existência, por injúrias ao presidente, com uma sentença
extremamente severa: US$ 40 milhões e 3 anos de cadeia para os
principais responsáveis do diário, os irmãos Carlos, César e Nicolás
Pérez. (Correa depois "perdoou" a multa e pediu a anulação da
sentença.)
O processo se iniciou há pouco menos de um ano, em razão de um artigo
do jornalista Emilio Palacio, que, comentando a atuação de Correa numa
confusa rebelião da polícia, em setembro de 2010, na qual acabou
envolvido, afirmava: "O ditador deveria lembrar, por fim, e isto é
muito importante, que com o indulto, no futuro, um novo presidente,
talvez inimigo seu, poderia levá-lo perante um tribunal penal por ter
ordenado que se disparasse e sem aviso prévio contra um hospital cheio
de civis e gente inocente". Correa considerou a frase lesiva à sua
honra.
Comemorando a decisão do Tribunal, enquanto seus partidários queimavam
na rua exemplares do diário incriminado, o chefe de Estado do Equador
disse que, com a sentença, haviam sido alcançados três objetivos:
"provar que El Universo mentiu e é possível julgar, não os palhaços,
mas os donos do circo, além de mostrar que cidadãos podem reagir aos
abusos da imprensa".
Ele não disse se estava satisfeito por sua honra ter sido reparada, e
por uma razão muito simples: porque agora, precisamente, essa honra -
aliás do seu nome e do seu governo - está sendo desprestigiada
internacionalmente por uma operação judicial que toda a imprensa livre
do mundo, as organizações de jornalistas, dos direitos humanos e
partidos e governos democráticos consideram um atropelo cínico e
exorbitante da liberdade de expressão. Levando em conta que esse
atropelo não é o primeiro nem será o último, essa operação traz com
consequências trágicas para o seu país.
Nem é preciso dizer que a sentença da Corte Nacional de Justiça do
Equador coloca uma espada de Dâmocles sobre todos os meios de
comunicação e os adversários do governo, advertindo-os de que qualquer
crítica ao poder poderá acarretar represálias.
A intimidação e a ameaça de instalar a autocensura no mundo da
informação, obrigando jornalistas e formadores de opinião a se
tornarem censores de si mesmos e a escrever olhando furtivamente ao
seu redor, é um método que todos os ditadores modernos praticam.
O exemplo mais conspícuo na América Latina, depois do caso óbvio de
Cuba, é o do comandante Hugo Chávez, da Venezuela, seguido por sua
aluna exemplar, a argentina Cristina Kirchner - mais hipócrita, mas
mais efetiva do que o da anacrônica censura prévia ou o mero
fechamento policial de meios de comunicação indomesticáveis.
O desaparecimento de um jornalismo livre e sua substituição por uma
mídia neutralizada e incapaz de exercer a crítica é o sonho, também,
das pseudodemocracias demagógicas e devastadas pelo populismo.
Na verdade, quando começou a se destacar, em abril de 2005, em plena
crise constitucional, Correa, economista católico, com títulos pelas
Universidade de Lovaina e de Illinois e uma brilhante carreira
acadêmica, inspirou muitas esperanças. Aparentemente movido por
sentimentos generosos e idealistas, acreditava-se que fortaleceria as
instituições democráticas, a justiça social e a modernização do
Equador.
Foi exatamente o contrário. Intoxicado pelo poder e pela obsessão
continuísta, peão dos delírios socialistas e bolivarianos do
comandante Chávez, Correa, com suas políticas de curto prazo,
irresponsabilidade fiscal e corrupção multiplicada, empobreceu e
confundiu a sociedade equatoriana, irritando-a e exasperando-a. Por
isso, sua impopularidade foi crescendo de maneira sistemática nos
últimos tempos.
Esse é o contexto que explica os golpes desesperados contra a
liberdade de expressão nos últimos meses.
Dito isso, ninguém pode negar que o jornalismo, tanto no Equador
quanto no restante da América Latina, está longe de ser sempre um
exemplo de probidade, moderação e objetividade. Evidentemente, às
vezes sucumbe ao sensacionalismo, ao exagero, à injúria e ao libelo, e
por outro lado, um sistema judicial probo e independente deveria
amparar os cidadãos contra esses excessos. Mas a decapitação não é o
remédio mais adequado contra a dor de cabeça.
A sanção a El Universo pela Corte Nacional escandaliza, entre outras
coisas, por sua desproporção com a suposta ofensa e o caráter
exorbitante com que se destaca. É a melhor demonstração de que sua
finalidade não é corrigir os erros de que tenha sido vítima uma
pessoa. É um ato político, que pretende acabar de vez com todos os
pilares da democracia.
De todo modo, foi uma vitória de Pirro de Rafael Correa. O caso serviu
para mostrar, por um lado, como são pouco confiáveis os tribunais
equatorianos em matéria de justiça, mancomunados como estão com os que
controlam o poder político, e, por outro, a coragem e a coerência dos
donos e dos jornalistas do Universo e dos inúmeros colegas
equatorianos que se solidarizaram com eles. Os desenfreados esforços
do governo para dividi-los e quebrá-los foram inúteis. Todos se uniram
à sua luta: empresários, jornalistas, funcionários e gráficos,
defendendo com magnífica coerência sua posição independente. Por seu
lado, Correa converte-se num vulto indefinido, meio esmaecido, entre o
tumulto dos pequenos caudilhos e dos "politicastros" que fazem parte
da pior tradição da América Latina. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA
Entrevista:O Estado inteligente
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