O GLOBO - 04/03/12
Hugo Chávez tomou posse pela primeira vez em 1999, em cerimônia a que
compareci, e já então deu o tom do que seria seu governo.Na plateia da
Congresso venezuelano, assisti entre constrangido e divertido ao
ritual do novo presidente. Iniciou com um teatral sinal da cruz, que
completou beijando sonoramente seu próprio anel e jurou "por esta
Constituição defunta". Do lado de fora, a multidão em peso envergava
boinas vermelhas dos paraquedistas. Aquilo era um mau presságio para a
democracia venezuelana.
Giulio Andreotti tem uma máxima segundo a qual o poder desgasta muito
a quem não o tem. Mas no caso de Hugo Chávez parece não ser assim. Há
vários meses, o presidente pouco apareceu em público, reduziu sua
agenda de compromissos e parou de apresentar o programa semanal "Aló
Presidente", que durante anos moldou o diálogo nacional e garantiu
seguidores. A fragilidade política de Hugo Chávez é agravada pela
perda de popularidade, decorrente de um conjunto de crises
estruturais, dentre elas: o colapso da segurança (desde 2007, houve
43.792 homicídios na Venezuela) e do sistema carcerário, a escassez de
produtos básicos, o racionamento de energia, a inflação, que é hoje a
maior da América Latina, alcançando 30%.
Chávez terá agora a mais desafiadora campanha de reeleição. Ele
enfrentará uma oposição fortalecida pela inédita união em torno de um
único candidato, Henrique Capriles. Sua imagem de invencibilidade, que
o fez descrer e mesmo ocultar sua doença, está agora destruída. Chávez
tem prognósticos médicos negativos e talvez nem sequer possa concorrer
às eleições de outubro. Mas não é meu propósito fazer especulações
sobre o resultado das eleições. Importa sobretudo tentar antever como
será a Venezuela no futuro próximo.
Como todo ditador, Chávez nunca quis designar claramente um sucessor.
Basta dizer que, em doze anos de poder, designou sete diferentes
vice-presidentes, sem deixar que nenhum se fixasse como alternativa
potencial. O resultado é que, como avalia Pedro Burelli, "não há
ninguém aceitável para a sua sucessão, num governo feito à medida para
um só homem". Daí resultaria uma crise de governabilidade, no caso de
sua morte ou incapacitação, com diversas facções digladiando-se pelo
espólio político.
Chávez desorganizou a economia venezuelana a tal ponto que repô-la nos
trilhos será muito difícil. Até pouco, ele andava pelas ruas de
Caracas com um grupo de assessores e apontava com o dedo para diversas
empresas pequenas e médias ordenando sua nacionalização. Há pouco
tempo, fez uma ameaça de nacionalização das minas de ouro e dos bancos
além da implementação de uma nova política de preços de bens de
consumo. Estas medidas são típicas da tática de pressionar empresas
privadas para obrigá-las a contribuir com recursos para os programas
populistas do governo e não contribuem em nada para gerar um clima de
confiança para investimento. A própria PDVSA, a grande estatal
petrolífera da Venezuela, detentora das maiores reservas do
continente, tem uma capacidade de produção de 4 milhões de barris por
dia, mas só consegue gerar em torno de 2,8 milhões, porque é sempre
sangrada para atender às pressões governamentais e também porque foi
objeto de expurgos que se seguiram a uma grande greve em 2003. Tudo
isto representa obstáculos ao crescimento do país, que é igualmente
dificultado pela ausência de reformas estruturais e má gestão. Quem
quer que ganhe as eleições de outubro deste ano vai encontrar uma
economia desequilibrada, uma infraestrutura caótica e uma distribuição
inadequada de bens de consumo.
Pela primeira vez desde que Chávez assumiu o poder, a oposição está
organizada em torno de Enrique Capriles, cuja escolha foi legitimada
por primárias nacionais. Chávez havia subestimado o resultado e, uma
vez consumado, tentou invalidá-lo com ameaças. O que reforçou a
posição de Capriles porque militares fizeram valer a legitimidade e
impediram uma violência governamental.
Os resultados das disputas dos próximos meses é imprevisível, embora
seja provável que ocorra algum tipo de transição de poder. Porém, a
Venezuela nunca mais será a mesma depois da passagem do furacão
Chávez. Em nome de um causa indiscutível - a da justiça social - ele
desorganizou a economia e introduziu uma profunda discórdia entre os
venezuelanos que só o tempo poderá superar.
Entrevista:O Estado inteligente
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