O GLOBO - 07/10/11
O Brasil é o único lugar do mundo onde se fica jovem até mais tarde e se envelhece mais cedo. Em todo lugar do mundo é idoso quem tem mais de 65 anos, mas no Brasil a velhice chega aos 60 anos, graças a pressões sindicais. Por outro lado, também por interesses políticos e da UNE, a juventude se estende até os 29 anos.
O Estatuto da Juventude aprovado no Congresso dá direito a meia-entrada em espetáculos e meia-passagem em transportes a "jovens" de 15 a 29 anos. E essas especificidades brasileiras entravam, tanto quanto a falta de aeroportos e estádios, a realização da Copa do Mundo de 2014.
A Fifa, como todos sabem, tem seus patrocinadores, seus interesses econômicos, e o governo brasileiro, que assinou o compromisso de aceitar as regras da Fifa, coloca a soberania brasileira no meio da discussão sobre a meia-entrada e a venda de bebidas alcoólicas.
Esse patriotismo tosco é o retorno do complexo de vira-lata do Nelson Rodrigues. Ou você quer realizar o evento e aceita as regras, ou chega à conclusão de que não vale a pena e não aceita sediar a Copa do Mundo, que no final das contas não passa de um negócio, um grande negócio, que movimenta bilhões e bilhões de pessoas e de dólares em todo o mundo.
É bom para a Fifa que se realize aqui, no país do futebol, único pentacampeão mundial. As imagens que as televisões transmitirão para todo o mundo certamente serão das mais belas já mostradas, mas nos pareceu ser também um bom negócio para o país, porque atrai turistas, lança mais uma vez a imagem do país no mundo, e, se Deus ajudar na construção dos estádios e dos aeroportos, mostrará não apenas as belas paisagens mas a capacidade de realização do país, um dos componentes do Brics - outro deles, a África do Sul, recentemente incluída no grupo, realizou a Copa de 2010 com grande sucesso.
Ao mesmo tempo em que batem no peito alegando defender os "interesses nacionais", as autoridades brasileiras cometem erros básicos, como, por exemplo, a presidente Dilma Rousseff discutir detalhes da organização dos jogos com o secretário-geral da Fifa, Jerome Walker.
Se o presidente da entidade, Joseph Blatter, não pôde ir à reunião na Bélgica, que Walker conversasse com o ministro dos Esportes, Orlando Silva, sobre questões como meia-entrada para idosos e venda de bebidas alcoólicas nos estádios.
E a discussão sobre esses pontos controversos pode ser mais simples do que está parecendo. Proibir venda de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol faz parte de uma legislação federal, o Estatuto do Torcedor, e sua suspensão no período da Copa do Mundo tem que ser negociada com o Congresso.
Mas é uma negociação de fácil resolução, já que não temos razões de fundo religioso nem cultural para proibir venda de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol.
Trata-se de uma medida preventiva, para evitar brigas e confusões entre as torcidas, que pode ser substituída naquele mês da Copa por outras. Difícil seria para a Fifa resolver essa questão em certos países árabes.
O fato é que quando se candidatou a sediar a Copa do Mundo - ninguém obrigou o país a fazer isso -, o Brasil sabia dos interesses econômicos da Fifa, e se comprometeu a acatá-los.
Ou as autoridades brasileiras que acertaram a realização da Copa do Mundo não avisaram que temos nossas especificidades, e agora terão que arcar com os prejuízos decorrentes.
O prefeito Eduardo Paes definiu bem a situação da meia-entrada para idoso, que agora também abarcará os "jovens" de 15 até 29 anos: se a legislação brasileira obriga a venda de meia-entrada, então prefeituras e governos estaduais terão que subsidiar os ingressos, com o apoio do governo federal.
A aprovação do Estatuto da Juventude colocou em foco o descompasso entre políticos do mesmo partido, no caso o PCdoB. O ministro dos Esportes, Orlando Silva, do PCdoB, está negociando com a Fifa a questão da meia-entrada para os idosos, e agora terá que negociar também a meia-entrada para os jovens de até 29 anos, lei proposta por uma deputada também do PCdoB, que transformou uma questão estadual em problema federal.
Chegamos a uma situação tal que o cidadão e a cidadã brasileiros só têm que pagar suas obrigações integrais dos 30 aos 60 anos, pois cada grupo corporativo vai protegendo os seus, sem pensar nos efeitos que cada benesse dessas provoca no País como um todo.
A meia-entrada, por exemplo, atribuída a tantos grupos, prejudica as companhias de transportes, os teatros, os cinemas, a classe musical e artística de maneira geral. É por isso que os preços dos espetáculos no Brasil são caríssimos, para compensar a perda de receita.
O texto do Estatuto da Juventude diz que no caso da meia-entrada em transportes não pode haver aumento de tarifa para compensar, e prevê que o prejuízo das companhias de transportes seja coberto por subsídio do Estado.
Ao mesmo tempo, a base aliada do governo, capitaneada pelo PT, se rebela pelo pedido de urgência para a regulamentação do sistema de previdência complementar para o serviço público, enviado para o Congresso em 2007 e que até hoje não entrou em funcionamento.
A limitação, no mesmo nível do INSS, das aposentadorias dos novos servidores públicos, é rejeitada pelos políticos governistas, sem levar em conta a inviabilidade no médio prazo do sistema de aposentadoria integral do nosso sistema público.
São novos sintomas de um mal já conhecido, consequências do Estado provedor que, nas palavras do acadêmico e ex-ministro da Educação Eduardo Portella, "traz, dentro de si, as ameaças do Estado autoritário, sem os benefícios do Estado previdência. Enquanto isso, o país se apresenta como forte candidato à medalha de ouro na olimpíada internacional da sobrecarga tributária".