O GLOBO
Um espectro ronda Copenhague: o dinheiro. Há discussões filosóficas, geopolíticas, científicas, ambientais mas tudo pega mesmo é na hora de discutir o financiamento. Dinheiro já oferecido some da mesa, moeda fácil é oferecida por milagreiros, e os lobbies correm atrás de miragens monetárias. No fundo, o que se discute aqui é quanto os poluidores pagarão e quem vai receber.
Alta, louríssima, voz forte, a jornalista da TV dinamarquesa cortou a fala diplomática do embaixador brasileiro Luiz Alberto Figueiredo Machado e pediu explicação sobre o adjetivo "robusto" que ele usou para qualificar a necessidade de financiamento dos países em desenvolvimento:
- O que é dinheiro "robusto"?
- São recursos de curto e longo prazo. Precisamos de dinheiro de curto prazo? Sim. Mas também precisamos de financiamento de longo prazo porque a luta contra a mudança climática é longa.
- Quanto? - insistiu a repórter.
Não recebeu a resposta quantitativa que queria. O que o embaixador havia dito, à imprensa, um pouco antes, era o recado que todos os países em desenvolvimento estão dizendo:
- No momento, não há nenhuma proposta de dinheiro na mesa e essa é a nossa preocupação.
O problema é que está tudo andando para trás. O negociador americano Todd Stern chegou aqui rejeitando a ideia de que há uma "responsabilidade histórica" dos países ricos na mudança climática. Isso derruba um dos pilares de toda essa negociação.
No começo do dia, ontem, George Soros apareceu prometendo solução fácil. Numa sala lotada de um evento paralelo, Soros explicou sua ideia: um fundo verde, de US$100 bilhões com Direitos Especiais de Saque do FMI para financiar proteção de florestas e países mais vulneráveis. Com uma proposta assim, ele agradou de Brasil a Bangladesh. Argumentou que o Fundo usou US$283 bilhões em DES para financiar países ricos na crise econômica.
A reação de descrédito também foi ampla. Paulo Adário, do Greenpeace, argumentou que isso pode tirar dos países ricos a obrigação de pagar pelo dano que fizeram. Os negociadores europeus rejeitaram a ideia de Soros:
- Nós desconfiamos muito de propostas assim. Dinheiro tem que vir de algum lugar, não se pode simplesmente imprimi-lo - disse Arthur Runge-Metzer, negociador-chefe da União Europeia.
Uma fonte do FMI informa que a ideia é inviável. Os países teriam que sacar dinheiro dos DES e para isso teriam que pagar juros. Se os países ricos estivessem dispostos a fazer isso, usariam seu próprio dinheiro.
Nas últimas horas, os diplomatas trabalharam na preparação da primeira versão do texto oficial do grupo de trabalho criado para isso na Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-15). Um órgão poderoso que tem um nome inacreditável: AWG-LCA. O embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado é o vice-presidente. O presidente é Michael Jammit Cutajar, embaixador de Malta. A promessa é que o texto vai ser distribuído amanhã para as delegações. Ficaria pronto ontem, mas as negociações estão difíceis e um dos pontos é o de financiamento.
Os europeus tinham anunciado, tempos atrás, US$100 bilhões, mas para financiar "adaptação". Essa palavra indica que o dinheiro vai para os países mais pobres e vulneráveis. Se for usada a palavra "mitigação", pode ser para proteção à floresta, e aí entra o Brasil. Até agora, o que está realmente oferecido pelos Estados Unidos e Europa é um dinheiro de curto prazo, de US$10 bilhões.
A corrida ao tesouro trouxe aqui para Copenhague muitas ONGs, defensores de diferentes mecanismos de financiamento, empresas de diversos setores, inclusive os de alta emissão, produtores de equipamentos para diversas tecnologias de produção de energia. Os ricos pararam de oferecer o que vinham oferecendo antes. Falam da crise e de como os países emergentes se saíram tão bem, e usam um argumento difícil de refutar: a China é parte dos emergentes, mas tem US$2 trilhões de reservas.
O Brasil pode construir um discurso sustentável para seu pedido de recursos, mas para isso tem um enorme trabalho a fazer. Financiar a pecuária sem fazer exigências, mesmo sabendo o que o Inpe divulgou ontem, que metade das emissões brasileiras vem da produção de carne, é insustentável. Ou a pecuária muda, ou o Brasil fica sem argumento.
Enquanto essas negociações ocorrem, as sessões plenárias da Conferência terminam sempre suspensas por causa de Tuvalu. Ontem, de novo, o pequeno arquipélago parou a reunião e pode ficar assim até sábado. Ela está em obstrução, pegando uma boa questão regimental. Fez uma proposta há seis meses, e propostas nesse prazo têm que ser analisadas.
Num plenário conflagrado, com suas divisões inesperadas, Connie Heddegaard, a presidente da Conferência, deu a palavra para uma representante da sociedade civil. Uma jovem negra, africana, traz todos de volta à realidade:
- Os países ricos, que já tiraram trilhões de nós, agora oferecem US$10 bilhões. Esse dinheiro não dá para pagar os nossos caixões.
Quando falam os muito pobres ou os afogados, como Tuvalu, tudo fica mais cheio de vida, mais emocionante. Até um frio debate sobre dinheiro.
Entrevista:O Estado inteligente
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