Pré-sal: os riscos de gestão
"Afora os efeitos negativos do regime de partilha em si,
poderemos ter uma piora do regime fiscal. Seria a repetição
do que ocorreu com as transferências da Constituição de 1988"
Na semana passada, assinalei as inconveniências do regime de partilha, a ser adotado na exploração do petróleo e do gás. Será abandonado o regime de concessão, em que o governo licita os blocos e cobra royalties e participações especiais. Nesse modelo, é baixo o potencial de corrupção, de captura de reguladores e de desperdícios.
É difícil entender por que se renunciaria a um regime que é mais seguro, testado como padrão de países de instituições confiáveis, por outro dirigista e pleno de riscos. As justificativas oficiais – defender-nos da cobiça internacional, controlar o ritmo de produção e considerar o caráter "estratégico" do petróleo – não são convincentes.
Diz o governo que os riscos da exploração do pré-sal caíram. O regime de partilha garantiria maior volume de recursos ao setor público. O argumento é procedente, mas a conclusão é falsa. Sob igual justificativa, o regime de concessão permite obter os mesmos recursos mediante simples alteração do decreto de participação.
Restam a ideologia e a motivação eleitoral para explicar a mudança. Na primeira, seus autores acreditariam que o pré-sal traria mais benefícios sob o comando de burocratas. Na segunda, seria explorada a visão pró-estado, majoritária na sociedade, em favor de candidaturas oficiais. Quem se opuser será "entreguista".
O Fundo Social, que acolherá os recursos atribuídos à União, contém elevados riscos de gestão. Na Noruega, o país que melhor conduz esse tipo de atividade, os recursos integram um fundo soberano no Ministério da Fazenda, que delega sua administração ao Banco Central, e este contrata profissionais do mercado financeiro.
O princípio básico que orienta seu uso é vedar o esbanjamento pela atual geração. Os recursos constituem uma espécie de fundo de pensão. Daí o seu nome, Government Pension Fund. O orçamento público recebe apenas os rendimentos das aplicações, o que reserva os benefícios da riqueza do petróleo para as gerações futuras.
O Fundo Social nada tem de norueguês. Será na prática um orçamento paralelo. O Congresso aprova as dotações globais, mas as prioridades e a gestão cabem ao Executivo, que decidirá sobre a política de investimentos e a destinação dos recursos para educação, saúde, tecnologia, meio ambiente e assim por diante.
O poder efetivo estará no Comitê de Gestão Financeira e no Conselho Deliberativo, cuja composição, competência e funcionamento serão fixados pelo Executivo. Do Conselho participarão servidores públicos e "representantes da sociedade civil", e não, como era hábito, pessoas de "ilibada reputação e notório saber econômico e financeiro".
O relator do projeto, deputado Antonio Palocci, reduziu o potencial de desperdícios. Por seu substitutivo, apenas os rendimentos das aplicações, à la Noruega, poderão ser utilizados a cada ano. Mesmo assim, a porta fica aberta para o uso presente e indiscriminado dos recursos.
Como está posto, o Fundo Social terá baixíssima transparência e reduzida ou nenhuma participação do Legislativo na definição de suas prioridades. Grande parte dos gastos será feita pelos governos da hora. Estará criado o ambiente para a excessiva valorização cambial, o oposto do que assegurou o governo ao encaminhar o projeto de lei.
Além disso, ao concentrar sua atenção na mudança do regime, o governo parece não ter-se preparado para enfrentar a poderosa coalizão dos governadores. Tudo indica que vai perder essa batalha e concordar com transferências maiores, mais gastos locais e mais valorização cambial. A situação não seria a mesma com o regime de concessão.
Assim, afora os efeitos negativos do regime de partilha em si, poderemos ter uma piora do regime fiscal. Seria a repetição do que ocorreu com as transferências da Constituição de 1988. Os estados e municípios terão mais dinheiro para ampliar os gastos correntes. O setor público diminuirá a já limitada capacidade de investir. O país perderá.
Ao examinar os projetos a toque de caixa, o Congresso não enxerga os seus riscos. Aprova práticas centralistas típicas do regime militar, delega poderes excessivos ao Executivo e atende a interesses políticos do momento. A conta irá para nossos netos, bisnetos e trinetos.