O ESTADO DE S. PAULO
A citação, en passant, do publicitário mineiro Marcos Valério no escândalo protagonizado pelo governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), revela mais um elo deste caso com dois outros similares, ocorridos no passado: o "mensalão" federal petista e a origem de tudo, em Minas Gerais, sob patrocínio tucano. O elo chama atenção porque o pântano distrital dividiu o destaque no noticiário com a aceitação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da abertura de inquérito contra o senador Eduardo Azeredo (PSDB), acusado de se beneficiar do esquema mineiro. Desde que Roberto Jefferson, então governista e presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), acusou o ex-chefe da Casa Civil de Lula, José Dirceu, de comandar a compra de apoio (tudo pela "governabilidade") do Congresso com verbas públicas, empréstimos bancários fajutos e dinheiro de empresas que têm negócios com o governo, esta é a terceira vez que a maracutaia vem a lume.
O esquema está descrito em detalhes e com graça em Nervos de Aço, de autoria do ex-deputado, uma das poucas vítimas da própria delação. Mas o livro sumiu das prateleiras, tendo restado na memória variável do público, informado praticamente a cada mês de um novo escândalo, apenas um engano: sua denominação. Com seu notório e oportunista apreço pelos formalismos inócuos, os beneficiários desses esquemas de corrupção se apegaram ao fato de as retiradas de dinheiro não terem sido sempre mensais para desmoralizar o termo "mensalão". Assim, tentam apagar as próprias digitais na cena do crime. De fato, pouco importa se o pagamento for diário, semanal, mensal, semestral ou anual. Importa é que dinheiro direta ou indiretamente retirado do bolso do contribuinte seja usado para pagar gorjetas milionárias a legisladores para que aprovem projetos de interesse do Executivo. Ou, numa extensão disso, para engordar o patrimônio pessoal de governantes e cupinchas. Foi disso que tratou a denúncia de Roberto Jefferson, que resultou na punição temporária de alguns gatos-pingados com mais culpa no cartório e num processo sem previsão de conclusão com eventuais penas a serem cumpridas por prováveis culpados, em trâmite no STF.
José Dirceu, o principal acusado, e seu acusador, Roberto Jefferson, perderam seus poderosos postos - num caso, a chefia da Casa Civil e no outro, a presidência de um partido do bloco do amém. Mas até hoje não foram chamados a pagar pelos delitos, pois estes ainda não foram devidamente apurados pela Justiça, cuja lerdeza é diretamente proporcional ao poder dos réus. O delator foi isolado no ostracismo e o delatado perdeu a pompa, mas não lhe retiraram as circunstâncias. Credor da carreira de muitos honrados brasileiros na cúpula e na burocracia dos três Poderes da República, este não esconde a força que detém na máquina pública e no partido em que milita o presidente Lula. E continuam a ser-lhe atribuídas missões relevantes, que vão da costura do vestido de posse da candidata oficial à sucessão de Lula, Dilma Rousseff, até as complicadas relações com o encrenqueiro venezuelano Hugo Chávez. Fora da Casa Civil, o cacife de José Dirceu é suficiente para impedir, por exemplo, que a Polícia Federal (PF), tão eficiente para prender banqueiros e devassar empreiteiros, consiga produzir um inquérito que seja capaz de instruir um processo contra seu antigo assessor para relações com o Congresso na época do poder total, Waldomiro Diniz. Réu confesso, filmado e gravado achacando um "bingueiro", o ex-pau-mandado de José Dirceu usufrui ostensiva e ofensiva liberdade.
O previsto como inevitável efeito maligno do noticiário do tal do "mensalão" na reeleição de Lula levou os insignes tucanos Geraldo Alckmin e José Serra a se engalfinharem num duelo fratricida na disputa pela indicação do PSDB no pleito presidencial de 2006. Alckmin venceu a convenção, mas perdeu a eleição. Se já era de duvidar que apenas uma denúncia de corrupção fosse capaz de derrotar um governo liderado por um presidente com popularidade bombando, qualquer possibilidade de que isso ocorresse ruiu com a reação do principal partido de oposição à revelação de que o método da compra de apoio havia sido testado por seu autor em território mineiro sob mando tucano. Ao negar-se a sacrificar seu então presidente nacional para ganhar a autoridade de enfrentar o PT no terreno que lhe parecia, à época, movediço, o PSDB entregou ao adversário a faca e o queijo para que Lula vencesse a disputa. Eleito por se dizer diferente dos adversários, ele se reelegeu porque estes se comportaram exatamente com a leniência (e, portanto, cumplicidade) que o acusavam de ter. Agiram, então, como "farinha do mesmo saco".
José Roberto Arruda é um repetente inveterado. Após haver saído à sorrelfa do Senado para não se tornar inelegível, ganhou o governo do Distrito Federal e protagonizou as cenas de entrega de propina do "mensalão". Marcos Valério é um detalhe insignificante. O que irrita é a repetição sistemática da violação dos cânones da lisura na gestão pública: o achaque, como o de Waldomiro Diniz; as cédulas (de reais, não mais de dólares) na cueca, como no caso do irmão de José Genoino (PT-SP), aliás, com mandato novo; e, sobretudo, a imperturbável certeza da impunidade. Só que do novo panetone à pizza de sempre há, agora, obstáculos. Os "mensaleiros" do PSDB de Minas e do DEM do Distrito Federal não têm os padrinhos fortes que garantem a livre circulação de seus coleguinhas federais do PT e dos "aloprados" do senador Aloizio Mercadante (PT-SP). Basta ver como a PF é eficiente contra Arruda e o STF, exigente com Azeredo.
Mas se a oposição se iguala ao governo petista nos métodos de rapina do erário, como vai querer que o eleitor a escolha para o lugar deste?
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2009
(3759)
-
▼
dezembro
(196)
- Brincando com fogo
- CELSO MING - O espaço da Bolsa
- Miriam Leitão Décadas gêmeas
- Guiherme Fiuza O super-homem do ano
- Decreto abre crise entre ministros
- Vinicius Torres FreirE- Banca privada volta à retr...
- Paulo Rabello de Castro -2010: um país para Kamila
- Míriam Leitão -Um ano, dois medos
- Celso Ming -O IGP-M andou para trás
- Miriam Leitão Leis e vetos
- Celso Ming Recado chinês
- PAC faz 3 anos com apenas 10% das obras concluídas
- Marvado atraso JOÃO UBALDO RIBEIRO
- CELSO MING - Sem ajuda, não avança
- Transição para 2010 Suely Caldas
- A política e o homem público Gaudêncio Torquato
- Internacional Retrospectiva 2009
- Brasil Retrospectiva 2009
- Miriam Leitão Tribos e eventos
- A morte manda recado
- Rumo ao interior
- Uma tragédia que se repete
- Cena fora do script
- Mais festa do que resultado
- Carta do Editor | Roberto Civita
- Boas Festas e um Feliz 2010
- O fim da batalha
- Entre a máfia e a máfia
- O senhor das eleições de 2010
- Brasil
- Diogo Mainardi A chapa cabocla
- Miriam Leitão Dentro dos números
- Merval Pereira Erros novos e antigos
- Dora Kramer -Fator de risco
- Clique e compre Celso Ming
- Vinicius Torres Freire Programa de Aceleração do ...
- Demétrio Magnoli O inimigo americano
- CELSO MING - Quem rasga dinheiro
- Luiz Carlos Mendonça de Barros:: 2009: lições e ci...
- Marco Antonio Villa O poder e a glória
- Ricardo Noblat Vai, minha filha, ajuda!
- DANUZA LEÃO Para que o amor dure
- O velho e o novo Miriam Leitão
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Noite feliz
- JB Entrevista : Fernando Henrique Cardoso
- Ferreira Gullar Cabra safado não se ama
- Merval Pereira O Supremo na berlinda
- Dora Kramer Dedo na ferida
- Rubens Ricupero:Condenados a melhorar
- Rubens Ricupero:Condenados a melhorar
- Alberto Dines:O efeito Noé
- Suely Caldas:Brasil, Chile e suas diferenças
- Veja Carta ao Leitor
- Aécio abre caminho para Serra
- O que se está falando dos presidenciáveis no Twitter
- MST O movimento social mais odiado no Brasil
- Mensaleiros Delúbio de volta aos negócios
- FGTS Recursos poderão ser investidos em obras de...
- Agora, Lula terá de despachar Battisti
- COP15 Aquecimento: a busca de uma saída
- Itália Política do ódio: a agressão a Berlusconi
- Grécia A explosão da dívida pública
- As Escrituras e os grandes dilemas atuais
- A investigação do acidente da Air France
- Bicicletas movidas a energia cinética
- Como surgiu o Mar Mediterrâneo
- Confecom: investida contra a liberdade de imprensa
- Entrevista Bjorn Lomborg
- Claudio de Moura Castro As escolas de dona Vicky
- Memória Paul Samuelson
- Maílson da Nóbrega Temos instituições fortes
- J. R. Guzzo Primeira classe
- Rubem Fonseca, colaborador do Ipes
- A Boca da Verdade, de Mario Sabino
- VEJA Recomenda e Os mais vendidos
- Radar Lauro Jardim
- Celso Ming Os capitais estão chegando
- Miriam Leitão Acordo de Copenhague
- Urubu ou faisão? NELSON MOTTA
- Luiz Carlos Mendonça de Barros:: Como entender os ...
- Fernando de Barros e Silva:Aécio abre a janela
- Dora Kramer : Roteiro original
- Merval Pereira : Fumaça branca
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG Haverá comida?
- Merval Pereira A busca do vice
- CELSO MING - Perfurador de bolhas
- Dora Kramer A hora e a vez
- Rolf Kuntz Dois presentes para Hugo Chávez
- Miriam Leitão :Líderes em ação
- Um partido à procura de um discurso
- Miriam Leitão COP em perigo
- ROBERTO DaMATTA Os verdadeiros filhos do Brasil (F...
- Celso Ming - Riqueza do vento
- Merval Pereira Disputa pela esquerda
- Os perigos da Confecom
- FERNANDO DE BARROS E SILVA Imagem envenenada
- Dora Kramer Conduta abusiva
- Augusto Nunes:O cinismo passou da conta
- Celso Ming - É a superpoupança
- Dora Kramer A força da tradição
-
▼
dezembro
(196)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA