Uma guerra de papéis foi detonada em Copenhague.
A China contra-atacou o documento da Dinamarca e fez o dela, que circula como sendo do Brasil também. É um texto péssimo. A Europa também fez o seu e propõe que nos recursos de curto prazo, o chamado fast start, não haja dinheiro novo. Ontem, eu li os documentos da China e da Europa, que são confidenciais.
O da Dinamarca vazou na véspera. Todos são ruins e minam a conferência. Todos são estranhos. Circulam sem procedência, prometem nos primeiros parágrafos os melhores propósitos.
Depois, nas entrelinhas, colchetes e eufemismos revogam avanços conseguidos.
São criaturas desse mundo diplomático: são non papers, ou seja, oficialmente não existem. “O documento dinamarquês realmente existe e ameaça a conferência”, disse o presidente do Grupo dos 77, Lumumba Stanislas Dia Ping, do Sudão.
O ambiente ficou péssimo.
Lumumba disse que o outro texto, a contraproposta, pertence aos Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China). Na verdade, a fonte que me passou o documento disse que o texto é genuinamente chinês.
O que pode parecer mais um capítulo da velha briga entre países ricos e pobres é mais complexo. Há vários interesses em jogo, há divisões entre grupos de países que parecem unidos, e há divisões dentro dos próprios países. A Dinamarca tem um racha entre o primeiroministro, Lars Loekke Rasmussen, e a presidente da COP-15, Connie Hedegaard.
O primeiro quer agradar os maiores países; Connie, uma ex-jornalista de 49 anos, quer algum cargo na burocracia multilateral.
A China preparou o texto como sendo dos países em desenvolvimento e pobres.
Fontes aqui garantem que os negociadores brasileiros não gostaram, mas em Brasília caiu bem a ideia de haver um texto curto de compromissos gerais pelos chefes de Estado.
Uma das criticas feitas ao documento dinamarquês é que ele teria proposto que os recursos de financiamento sejam administrados pelo Banco Mundial. Na verdade, a proposta foi feita de forma vaga. O texto fala em “organismos multilaterais”.
Já a China escreveu com todas as letras que o dinheiro seja gerido pelo Global Environmental Facility (GEF), um mecanismo de empréstimo do Banco Mundial para meio ambiente. O texto diz que o GEF seria “renovado” e “poderia ser designado como a entidade operacional do Fundo”. É a China que põe o Banco Mundial, tirando da ONU o poder de definição desses recursos.
E por que a China faz isso? Talvez como primeiro movimento para uma futura presidência do Banco Mundial, dizem observadores presentes ao encontro.
Agitação, rumores e bochichos tomaram conta ontem da conferência que está ainda no começo do primeiro tempo. O documento chinês tira responsabilidades dos grandes emergentes e consolida a ideia de compromissos apenas voluntários; o da Dinamarca dá aos países ricos o direito de emitir mais per capita do que os países não desenvolvidos. O da Europa torna mais vaga a referência aos recursos de longo prazo e afirma com todas as letras que “para as ações de curto prazo (fast start) os recursos existentes podem ser usados”.
A história do documento dinamarquês é misteriosa.
Por que ela teria feito um texto que pode minar a conferência que ela mesmo está sediando? O que me contaram duas fontes diferentes: o primeiro-ministro dinamarquês queria um texto para ter em mãos para apresentar na segunda semana da negociação, se houvesse um impasse. Teve a ajuda dos Estados Unidos. O texto final foi mostrado tanto à China quanto aos Estados Unidos naquela reunião em Cingapura.
A China naquela ocasião viu o texto e não gostou.
Fez seu próprio documento e veio pra cá preparada.
No final das contas, o que pega em qualquer negociação internacional é de onde virá o dinheiro e para onde ele vai. O Brasil pelo tamanho não receberá recursos do “fundo de adaptação” porque ele existe para ajudar os muito pobres a se adaptar aos efeitos da mudança climática.
Não somos pobres. Mas podemos receber dinheiro para a proteção da floresta.
Comparando os documentos, eles têm os mesmos defeitos.
Todos melam a negociação, nenhum deles resolve os impasses, em alguns pontos retrocedem à fase de antes de Bali, há dois anos. O da China garante a manutenção da situação em que os grandes emergentes não são obrigados a terem metas. A pior parte do documento chinês é a que diz que “uma janela para o financiamento da adaptação deve ser aberta no interior do mecanismo da convenção que apoia as ações de adaptação nos países em desenvolvimento”. Ou seja, o dinheiro dos pobres fica mais incerto.
Enquanto isso, no Brasil, a luta continua. O Ministério do Meio Ambiente que forçou o anúncio das metas — o que se provou a estratégia acertada — brigou depois para fazer parte do grupo que iria “instruir” a delegação. Quem instrui transforma em coisa concreta o que é apenas uma vaga promessa. Para a chefe oficial da delegação, Dilma Rousseff, a chance é de ouro para se apresentar como estadista.
Quer brilhar em Copenhague.
Mas só chega na reta final, e tudo já começou a acontecer.
oglobo.com.br/miriamleitao e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br
COM ALVARO GRIBEL
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