Nota vermelha
Elaborado às pressas, o Enem é um exemplo de como uma boa ideia
pode ser jogada no lixo. Resta saber o que o MEC vai fazer para evitar
um novo fiasco em 2010
Renata Betti
Dida Sampaio/AE |
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Ministério da Educação está debruçado sobre uma dura missão: recuperar a credibilidade do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que despencou com a sucessão de erros crassos que teve início no vazamento da prova, dois meses atrás, e culminou numa taxa recorde de abstenção no exame, no fim de semana passado. O episódio jogou por terra o que era uma boa iniciativa: o novo Enem tinha o propósito de substituir o velho vestibular nas melhores universidades do país, priorizando o raciocínio lógico em detrimento da decoreba. Teria sido um avanço, se não tivesse se tornado um caso de polícia, depois que o exame foi surrupiado da gráfica, em São Paulo, por funcionários do próprio consórcio responsável por sua elaboração e distribuição. Isso obrigou o MEC a adiar, por dois meses, a aplicação da prova – fato decisivo para provocar a revoada de pelo menos dez grandes universidades que já tinham aderido ao Enem, entre elas USP e Unicamp, donas dos maiores vestibulares do país. A justificativa oficial dessas instituições é que o atraso comprometeria o calendário escolar. A que circula entre os reitores é outra: "Deixamos de acreditar, pelo menos por ora, na seriedade do exame", diz um deles. A desistência dessas grandes universidades explica por que 38% dos 4,1 milhões de inscritos faltaram à prova no último fim de semana – a maior debandada desde que o exame foi criado pelo MEC, em 1998. Para esses estudantes, o Enem perdeu o sentido.
O próprio ministério concorda que a origem de tantos problemas está na velocidade com que a prova foi colocada de pé, em apenas cinco meses – a tempo de sua estreia ocorrer ainda neste ano (e trazer, eventualmente, dividendos eleitorais em 2010). Montar a operação de um exame com tal envergadura consome, em geral, o dobro do tempo. A pressa se traduziu em falhas básicas. A última delas atrapalhou a vida dos estudantes que, no domingo passado, chegaram em casa depois do teste e foram checar o gabarito no site oficial. Havia ali respostas erradas, consequência de um erro do sistema do MEC – que demorou duas horas para perceber a confusão. Por outra trapalhada do ministério, alunos receberam em casa cartões que indicavam o local errado da prova. O tempo gasto até que descobrissem o endereço certo fez com que muitos perdessem o Enem. Tropeços numa prova como essa sempre acontecem, mas nunca em tamanho volume – nem com tamanha gravidade. Quando o vazamento do exame veio à tona, em outubro, especialistas constataram que o sistema de segurança em torno dele era risível. Quem estava no comando era um consórcio que reunia três empresas com pouca experiência nesse tipo de concurso. Depois que o roubo foi descoberto, o MEC rompeu a parceria e convocou, além de dois institutos mais renomados, até o Exército para evitar um novo fracasso. O prejuízo para os cofres públicos foi de quase 40 milhões de reais.
O Enem ajuda a aferir a qualidade do ensino no Brasil. "Esse tipo de prova tem sido crucial para diagnosticar deficiências de nossas escolas e traçar planos para superá-las", diz o especialista Renato Pedrosa, da Unicamp. Esse era seu objetivo original. Há um consenso de que o novo Enem também pode representar uma evolução em relação aos vestibulares tradicionais. Para que cumpra essa tarefa, será preciso recuperar sua imagem. Com seriedade máxima, e sem açodamentos