DA VEJA
Ele existe, é bom que exista, mas a maior parte ainda está no papel
A análise dos números do Programa de Aceleração do Crescimento mostra uma realidade bem diferente da anunciada pelo governo
Fábio Portela
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É muito provável que o cidadão que corre os olhos pelas páginas dos jornais tenha mais dúvidas do que certezas a respeito do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento do governo federal. Afinal de contas, a algaravia em torno do assunto embaralha até mesmo quem se dispõe a ler com atenção redobrada o noticiário sobre ele. Os políticos de oposição dizem que o maior projeto do PAC é lançar a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, coordenadora do programa, à Presidência da República. De acordo com esses críticos, o PAC não passa de uma sigla publicitária a englobar obras que, em sua esmagadora maioria, já vinham sendo executadas por empresas estatais ou tocadas pela iniciativa privada. O Planalto estaria, assim, se apropriando de esforço alheio. Já os defensores do PAC afirmam que seu grande mérito é justamente organizar os investimentos em infraestrutura e permitir que sejam acompanhados com lupa. Eles acrescentam que, graças a tal monitoramento, as obras apresentam um altíssimo nível de realização, ecoando dados que aparecem nos balanços periódicos do governo. VEJA foi a campo para ver de perto os canteiros espalhados pelo país. Além disso, analisou os números oficiais, para esclarecer de onde vem o dinheiro que sustenta o programa e quanto de seu planejamento foi cumprido até agora. Passados três meses de investigação jornalística, conseguiu-se obter um retrato bastante nítido.
A primeira conclusão é que a parcela do PAC efetivamente paga pelo governo é minúscula. O programa, lançado em 2007, contempla investimentos de 646 bilhões de reais, que deveriam ser realizados até o fim do ano que vem. Em dois anos e meio, o governo desembolsou, por meio do Orçamento da União, apenas 22,5 bilhões de reais, ou 3,5% do total. Esse número pode surpreender, mas o governo nunca pretendeu entrar com a maior fatia do bolo. Números obtidos junto à Casa Civil mostram que, do total de dinheiro anunciado para o programa, apenas 14% saem diretamente do Tesouro. Quem ficou responsável pela maioria das ações, de fato, foram as empresas estatais – em especial, a Petrobras –, os governos estaduais e municipais, que tomam financiamentos no BNDES e na Caixa Econômica Federal, e a iniciativa privada.
Pablo Valadares/AE |
BANDEIRA POLÍTICA |
O tamanho do PAC |
A segunda constatação é que as ações do PAC seguem em velocidade mais lenta que a propagandeada. Na semana passada, a ministra Dilma apresentou o sétimo balanço do programa. Afirmou que 77% das ações estão em "ritmo adequado". A classificação é otimista demais e inclui projetos que nem sequer foram licitados. Um levantamento feito por VEJA, com 41 dos maiores projetos do PAC (veja quadros), exibe um quadro menos animador. Apenas 30% deles estão dentro do prazo. Os demais se arrastam. Se não começarem a receber mais investimentos logo, extrapolarão em muitos anos seus prazos de conclusão. A impressão de que o governo edulcora números foi confirmada por visitas de nossos repórteres aos locais onde as obras estão sendo realizadas(veja reportagem).
Para facilitar seu monitoramento, o PAC foi dividido em três eixos: o de Energia, o Social e Urbano e o de Logística. Este último, que concentra as ações sob responsabilidade direta do governo, é o que mais custa a sair do papel. Estão lá as ferrovias, estradas, portos e aeroportos. Quem lê os relatórios pode ficar animado. No capítulo de ferrovias, por exemplo, há projetos maravilhosos, como o do trem-bala que ligará São Paulo ao Rio de Janeiro; o da Nova Transnordestina, que cortará a Região Nordeste; e até o de um "corredor ferroviário bioceânico", que ligaria Santos, no litoral paulista, a Antofagasta, no Chile, cruzando a Cordilheira dos Andes. Mas a realidade é menos pujante: o trem-bala ainda não foi licitado, a Transnordestina não tem um metro de trilho colocado e o trem bioceâ-nico ainda tem a consistência de um sonho. A única obra que anda nos trilhos é a Ferrovia Norte-Sul, que começou a ser construída em 1987 pelo ex-presidente José Sarney e está prestes a chegar à metade de seu trajeto.
No eixo Social e Urbano, a joia é a transposição do Rio São Francisco, que levará água de forma perene ao sertão nordestino. Apesar de todo o barulho, a obra vem recebendo menos dinheiro do que deveria. Como apenas 12% dos recursos chegaram ao canteiro, a multiplicação das águas deve ficar para bem depois de 2010. A permanecer o ritmo atual, serão necessários quinze anos para finalizar o trabalho. As obras de habitação e saneamento também patinam: segundo o Ministério das Cidades, o volume de aplicação de recursos está ao redor de 15% do total previsto. O dinheiro, manejado pelos governos estaduais, é usado em quase 5 000 obras esparramadas por regiões pobres. Pelo fato de serem muito estratégicas para o governo, porque poderão render vistosas inaugurações em ano eleitoral, estima-se que elas receberão boa parte dos recursos que faltam nos próximos meses. Perto de atingir a meta está o programa Luz para Todos. Em pouco tempo, 2 milhões de ligações elétricas em domicílios pobres terão sido completadas. A ressalva é que ele é tocado desde 2004, três anos antes de o PAC vir à luz.
Por fim, o segmento que progride mais solidamente é o eixo de Energia. Não por coincidência, esse grupo de ações não tem um centavo investido diretamente pelo governo. O grosso do dinheiro vem da Petrobras, que desde 2007 já colocou na construção de plataformas de exploração de petróleo, refinarias e gasodutos algo em torno de 86 bilhões de reais. A estatal, que responde sozinha por 28,5% do programa, é a verdadeira mãe do PAC. É saudável que a maior empresa do país invista fortemente em infraestrutura, mas é preciso destacar que esses projetos seriam completados mesmo que o PAC não existisse.
Apesar de a execução do PAC deixar a desejar, seu espírito, o de coordenar investimentos em infraestrutura, deveria constar dos programas de todas as administrações federais, não importa o partido político que as origine. A situação brasileira nessa área é alarmante. A parcela da população com acesso a rede de esgoto é de somente 51%. Nossa malha rodoviária é uma das mais rarefeitas do planeta, e apenas 10% das estradas têm asfalto. Os trens se locomovem na velocidade de marias-fumaça, porque as (poucas) linhas estão sucateadas. Tapar os buracos da infraestrutura aumentaria a qualidade de vida da população, além de ser determinante para incrementar a produção econômica. É pena que haja mais empenho em defender o PAC como bandeira eleitoral do que em fazer com que suas obras avancem de forma consistente.