O Globo
As oscilações de humor são da natureza das crises.
Na segunda-feira, o relatório do Banco Mundial revendo para baixo o crescimento do Brasil derrubou a bolsa. O Banco não tem uma equipe de sábios; trabalha com dados enviados pelos países, portanto o motivo da queda não é a nova previsão. O que há é desconfiança de que os investidores podem ter sido otimistas demais nos últimos tempos.
Essa é a visão do economista José Márcio Camargo, da PUC-Rio e da Opus Gestão de Recursos.
Ele acha que o mercado ficou otimista nos últimos tempos sem base em dados concretos da economia mundial.
— O que houve foi uma certa recuperação das expectativas em relação às economias americana e europeia, mas os dados dessas mesmas economias continuam ruins. Agora, o mercado está se dando conta de que os números da realidade não corroboram as expectativas e começa a mudar de humor — disse.
Um fato qualquer pode mudar a direção do vento e do humor, como acontece em momentos de alta volatilidade.
Não há substância nem nos movimentos de recuperação, nem nos de queda. A economia mundial está encolhendo e a brasileira também, a despeito de pequenos sinais positivos que surgem nos indicadores.
No caso da economia internacional, há incertezas presentes e futuras.
— Há uma grande desconfiança sobre se o Fed (banco central americano) vai conseguir enxugar a liquidez excessiva da economia.
Ele, ao fazer isso, pode assumir perdas para o Tesouro — disse José Márcio.
O economista registra também que houve uma recuperação rápida do preço das commodities que não tem muita base nos dados.
— Os preços voltaram a 2006, quando a economia crescia a uma taxa de 4% ao ano, e agora o mundo está encolhendo cerca de 2%, mas os preços estão nos mesmos níveis, o que é uma contradição. Como as taxas de juros estão muito baixas, as commodities acabaram virando ativos financeiros — afirmou.
A alta das commodities, entendida, inicialmente, como sinal de retomada do crescimento no mundo, pode ser mais reflexo de especulação e fuga para algum ativo que tenha rendimento.
Isso significa que essa alta pode não ser sustentável.
Os dados do consumo de energia no Brasil divulgados ontem mostram uma queda forte, principalmente da indústria. O consumo está 14% mais baixo do que há um ano. Em relação ao mercado de trabalho no país, que teve em maio seu melhor mês pelos dados do Caged — estatística dos empregos formais controlada pelo Ministério do Trabalho — o economista acha que os números ainda dão sinais de fraqueza: — A indústria está destruindo emprego, o setor agropecuário cria emprego, mas temporário. Maio foi bem melhor que abril, mas quando comparado com a média dos empregos criados nos últimos 10 anos, fica bem abaixo. Se for dessazonalizado, o resultado é negativo.
A grande dúvida, segundo José Márcio Camargo, é se a queda do emprego vai abater o consumo e enfraquecer mais a economia brasileira, ou se o consumo, que veio ligeiramente positivo no último dado do PIB, do primeiro trimestre, será forte o suficiente para manter a economia aquecida e incentivar a criação de vagas.
— Pode ser que o quadro fraco do emprego afete em algum momento o consumo.
Se a trajetória continuar como está, a PME do IBGE pode indicar alta do desemprego — alertou.
Os dados do acumulado em 12 meses mostram a crise no mercado de trabalho.
Em setembro passado, nessa mesma base de comparação, o país tinha criado dois milhões de empregos, agora, a conta nesse mesmo período murchou para 680 mil vagas.
A queda do emprego se dá principalmente na indústria e é fruto da redução forte dos investimentos, como os dados do PIB mostraram.
A queda foi de 14%.
A diminuição das importações é até maior do que a das exportações, mostrando que o mercado interno está fraco e refletindo a interrupção de compra de máquinas e equipamentos, ou seja, dos investimentos.
No próprio governo, a indecisão nos últimos meses sobre dar ou não um incentivo fiscal ao setor de máquinas e equipamentos estava baseada no fato de que, como ninguém estava investindo mesmo, o incentivo seria praticamente inútil.
Pode ser que agora, os técnicos do governo estejam vendo alguma possibilidade de recuperação no setor.
O quadro é de uma economia fria, em recessão, e com uma ligeira recuperação neste segundo trimestre em relação ao primeiro.
A alta será pequena e não recupera o terreno perdido.
O segundo semestre deve ser melhor, mas não a ponto de fazer com que o ano termine com a conta do PIB no positivo. José Márcio diz que continua com a previsão entre meio e um ponto percentual de retração do PIB de 2009: — Mas mais para -1% do que para -0,5%.
Foi nessa direção que o Banco Mundial foi com suas previsões, revendo a queda de 0,5% para queda de 1,1%.
Nada que o Brasil não soubesse.
O mercado continua no reino da volatilidade e como subiu muito — apesar de a economia estar em recessão — pode ter novos períodos de queda pela frente.
— O que tem ajudado o consumo são as transferências de renda, as aposentadorias e o aumento do salário mínimo. Basta ver os dados regionais — explicou José Márcio Camargo.
Para um crescimento sustentado é preciso que, além disso, as empresas invistam, empreguem, e o consumo cresça em todas as faixas de renda.
Entrevista:O Estado inteligente
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