Michael Jackson
Uma lenda envolta em mistério, dentro de um enigma
A música popular americana deu origem a três ídolos incontestáveis no século passado. Frank Sinatra foi... Frank Sinatra. Elvis Presley foi a cintura e o topete do rock. Michael Jackson, o terceiro, inventou a música pop – e não há exagero nessa afirmação. Ele derrubou uma das últimas barreiras que restavam entre brancos e negros nos Estados Unidos, desde o movimento dos direitos civis nos anos 60. Em vez de música para brancos e música para negros, agora havia sua fusão revolucionária de duas tradições. Jackson elevou formas de dança das ruas à categoria de arte. Assombrou com seu estilo extravagante de se vestir, que definia, afinal, o que é um ícone pop: alguém que vive em um mundo em que as únicas regras a seguir são as próprias regras. Vendeu 750 milhões de discos, 100 milhões deles de Thriller, o álbum de maior sucesso da história da discografia mundial. Na quinta-feira passada, Michael Jackson morreu, aos 50 anos, depois que seu médico e os paramédicos de Los Angeles falharam em ressuscitá-lo de uma parada cardíaca. Estava longe dos palcos havia anos. Era visto como a personificação das deformações que a fama é capaz de imprimir, até mesmo fisicamente, em quem vive dela. Numa paráfrase da frase célebre de Winston Churchill, Jackson continuará sendo uma lenda envolta em mistério, dentro de um enigma. No momento de sua morte, contudo, voltou a ser o que foi na maior parte da vida: um ícone.
Sérgio Martins
Fotos Jan Nienheysen/AFP;Charley Gallay/AFP |
LUTO NO POP Michael num show dos anos 90 e a homenagem dos fãs na calçada da fama: artista virtuoso e ser humano perturbado |
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O cantor foi socorrido na mansão alugada onde vivia em Los Angeles por volta das 12h20 da quinta-feira. Jackson havia recebido os primeiros cuidados de seu médico particular, Conrad Murray (figura que logo se tornou uma incógnita: ele teve seu carro apreendido pela polícia, que queria interrogá-lo mas não o encontrava; em seguida, veio à tona que onze dias atrás o médico havia anunciado seu desligamento da profissão). Paramédicos o encontraram sem respiração e sem pulso. Levaram-no, em estado de coma, para o hospital da Universidade da Califórnia, a poucas quadras. Mal haviam chegado e a notícia de sua morte iminente – finalmente declarada às 14h26 – já causava comoção global. O tráfego do serviço de microblogs Twitter dobrou. O Google entrou em pane, tantas as buscas. O serviço de mensagens instantâneas da AOL também sofreu um colapso nos Estados Unidos. O iTunes e a Amazon, as maiores lojas virtuais de música do mundo, registraram um aumento extraordinário nas vendas de discos e canções de Jackson. No caso da Amazon, o volume de vendas cresceu incríveis 700 vezes.
A causa exata da morte só deverá ser conhecida em quatro a seis semanas, quando serão divulgados os resultados de sua autópsia. Mas informações vindas de parentes e amigos do cantor sugerem que Jackson vinha abusando de analgésicos potentes. Segundo aventou na sexta-feira o canal de fofocas TMZ, entre eles estaria o demerol, um opiáceo sintético de ação similar à da morfina. Jackson teria tomado uma injeção poucas horas antes da parada cardíaca. Na classe dos opiáceos, só a heroína causa mais dependência que a meperidina, como é chamado o princípio ativo do demerol. Nas primeiras doses, o efeito dura de seis a oito horas. "Se ele for consumido todos os dias, bastam duas semanas para o efeito do medicamento durar a metade disso", diz Irimar de Paula Posso, anestesiologista do Hospital das Clínicas de São Paulo. A parada respiratória ocorre porque o medicamento diminui a sensibilidade das células do sistema nervoso central que regulam a respiração – a qual vai diminuindo, até causar sonolência. A falta de oxigênio, então, pode culminar em colapso do coração. O cantor começou a usar remédios para a dor em meados dos anos 80. Desde então, teria se tornado dependente deles. Nos últimos tempos, Jackson os estaria tomando em razão de uma lesão numa vértebra e de dores nas pernas produzidas pelo excesso de ensaios: depois de vários anos sem fazer shows e da longa reclusão que se impôs desde que foi absolvido da acusação de abuso sexual de um garoto, em 2005, o cantor estava prestes a retornar ao palco. No próximo dia 13, daria início a uma temporada de cinquenta apresentações em Londres.
HOLLYWOOD.TV, KNBC4/Reuters, The Grosby Group e Southern.Press |
MORTE SÚBITA Em sentido horário, Michael Jackson entubado, o embarque do corpo no helicóptero rumo ao departamento de medicina legal de Los Angeles, a chegada da mãe ao hospital e a irmã La Toya em prantos: ele sai de cena dias antes do início de uma temporada de cinquenta shows |
No início da década de 80, momento de explosão de Jackson, nem nos confins do planeta se encontraria um adolescente que não tivesse se arriscado a imitar o quase impossível moonwalk, a dança que ele inventou ao fundir a suavidade dos passos de Fred Astaire à agressividade dos dançarinos de break, ou suas coreografias sensacionais, profundamente estilizadas – como aquela mão na virilha que era, ao mesmo tempo, erótica e uma paródia do erotismo. Hoje, não se encontra em lugar nenhum artista pop que não dance no palco à maneira de Jackson: como uma declaração criativa que avança por territórios e sentidos aos quais a letra e a melodia não chegam. Mas essa foi apenas uma das revoluções de Jackson.
As imagens de Thriller, catorze minutos que sempre pareciam curtos demais, cravaram o videoclipe como a forma essencial de veicular uma música e ajudaram a tornar a MTV uma força decisiva entre o público jovem. E o público jovem (com a ajuda decisiva de Walter Yetnikoff, então presidente da CBS, que ameaçou tirar todos os artistas da companhia da MTV caso ela não exibisse Thriller) obrigou a emissora, que antes torcia o nariz para artistas de música negra, a abrir sua programação para eles. Hoje, o rap e o rhythm'n'blues (R&B) são os estilos hegemônicos na emissora.
Fotos Mark Ralston/AFP, Gareth Cattermole/Getty Images, Natalia Kolesnikova/AFP e Frederic J. Brown/AFP |
GLOBALIZADO Fãs choram a morte do cantor em Pequim, Londres, Los Angeles e Moscou: a comoção mundial provocou pane até no Google |
Jackson desenhou ainda o mapa de comportamento do ícone pop para as décadas seguintes: o artista inacessível que, com suas esquisitices e demandas, causa frenesi entre os paparazzi, aumenta a circulação dos tabloides e leva seus assessores e contratantes à loucura. Pop star que se preze, hoje – e a lista vai de astros "normais" como Madonna, Justin Timberlake e Mary J. Blige a "excêntricos" do quilate de Mariah Carey e Britney Spears –, reza pela cartilha escrita por Jackson. Em uma reflexão que só pode ser feita a posteriori, Jackson foi ainda um exemplo definitivo do soft power, ou a tração que um país exerce por meio de conceitos e ideias. Na primeira parte da década de 80, a economia americana estava às voltas com um dado novo e desconcertante: a ascensão esmagadora do Japão como potência industrial – e dono de uma indústria não mais imitadora, como antes, mas criadora. A Sony japonesa lançou, nesse período, um ícone cultural tão poderoso quanto o próprio Thriller: o walkman, acessório que inaugurou a era da portabilidade da música. Mas os Estados Unidos, se não inventaram o aparelho, tinham a música que se ouvia nele – a de Michael Jackson.
E aí, claro, está a questão crucial para entender Jackson ou qualquer outro artista capaz de alcançar a longevidade na carreira: a música, o epicentro do qual irradiam todos esses tremores culturais e comportamentais. Em razão do aparato industrial e mercadológico que cerca os pop stars, é comum que se pinte com tintas ideológicas a sua existência, acusando-os de serem fabricações. Alguns o são. Outros trazem para o cenário artístico um talento verdadeiro e uma capacidade real de inovação. Descartar Madonna ou Justin Timberlake como "produtos" é só uma forma de não compreendê-los, nem ao mundo em que vivemos; categorizar Jackson como uma fabricação seria um equívoco ainda mais completo.
John Olson/Time & Life Pictures/Getty Images |
TALENTO PRECOCE O cantor (em primeiro plano), com os pais e os irmãos nos tempos do Jackson Five: sucesso e traumas em família |
Ele de fato criou o pop. Até a década de 70, a música jovem se dividia em dois nichos distintos. Havia o rock e suas variações, consumidos principalmente por adolescentes brancos e de classe média. E havia a música negra – soul, funk, disco, rhythm'n'blues –, que era ouvida por negros. Jackson quebrou essa barreira em discos como Off the Wall, de 1979, e Thriller, de 1982, e borrou para sempre a linha que separava os dois universos. Nesses discos, o cantor talhou as linhas de baixo e bateria na medida para as pistas de dança; mas associou-as à vibração característica do rock'n'roll. Até mesmo as origens de um fenômeno social notável entre os jovens americanos, o dos adolescentes brancos que querem falar, dançar e agir como negros, podem ser traçadas diretamente à sua influência.
Descontado Stevie Wonder, que lançou o primeiro disco aos 12 anos, mas cujo apelo nunca residiu no magnetismo ou na dança, Michael Jackson foi o primeiro grande ídolo mirim da música. Nascido em 29 de agosto de 1958 em Gary, no estado de Indiana, desde cedo ele mostrou talento para o canto e a dança. Seu pai, Joseph, que havia tentado a carreira num grupo de rhythm'n'blues, percebeu logo o talento de Michael, bem como de seus outros filhos. Transformou-os no Jackson Five, que ensaiava exaustivamente. Em 1968, o grupo foi contratado pela gravadora Motown, a referência mítica da música negra. A audição do Jackson Five para Berry Gordy Jr., fundador e presidente da Motown, deixa claro que a estrela ali era Michael. No vídeo remanescente do teste, ele canta I Got the Feelin', de James Brown, e encarna todos os trejeitos do astro do funk – mas com graça própria.
Katia Lombardi/Folha Imagem, Ron Galella/Wireimages/Getty Images e Reuters |
ONIPRESENÇA Michael Jackson gravando videoclipe no Pelourinho, em Salvador (à esq.), num jantar com Madonna (no centro) e recebendo homenagem de Britney Spears no Madison Square Garden, em Nova York: ele fazia questão de ostentar o epíteto de "rei do pop" |
Ao se lançar como artista-solo, em 1971, Jackson já havia aprendido muito sobre composição e produção musical. Teve a sagacidade de, pouco depois, aliar-se ao produtor Quincy Jones, que havia feito carreira no mundo do jazz. Eles colaboraram nos álbuns Off the Wall,Thriller e Bad. Jackson não era ainda o recluso das últimas décadas, mas um artista curioso e vivo. Muitos dos ritmos presentes nesses trabalhos nasceram de suas idas às discotecas, e suas letras vinham repletas das angústias de um rapaz da sua idade. Até 1996, ano em que foi ao Morro Dona Marta, no Rio de Janeiro, e ao Pelourinho, em Salvador, para gravar o clipe de They Don't Care about Us, Jackson ainda vivia no mundo real. Cada vez mais, porém, ia sendo dominado pelo lado obscuramente infantilizado de sua personalidade, que o levaria, a certa altura, a se isolar em sua bizarra propriedade de Neverland – ou Terra do Nunca, em referência ao lugar em que vivia Peter Pan, o garoto que não queria crescer. Esse Jackson aberrante e patético encobriu o totem da revolução pop. Mas, com a sua morte, ele renasceu.
Jack Kightlinger/Time &Life Pictures/Getty Images, Queen International, Peter Turnley/Corbis/Latinstock e Harrison Funk/Zuma Press |
SOFT POWER O cantor recebido na Casa Branca por Ronald e Nancy Reagan (no alto), com Bill Clinton e a filha Chelsea, ao lado de Nelson Mandela (à esq.) e com a princesa Diana(à dir.): símbolo do exercício do poder pelos Estados Unidos por meio da cultura |
POR QUE ELE FOI GRANDE
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O avesso do avesso
Michael Jackson passou a infância trabalhando como
um adulto. Aí, cresceu e dedicou a maior parte de seu
tempo a agir como criança e a querer provar que isso
era a coisa mais natural do mundo
Lizia Bydlowski
Fotos Rex Features
Em uma rara entrevista, dada à revistaTime, Joseph Jackson, o pai de Michael, descreveu o filho mais famoso: "Ele é muito tímido. Quer dizer, tímido diante de poucas pessoas. No palco, na frente de milhares, ele se solta. O rapaz adora animais. Tem um lhama, dois cervos, um carneiro, uma cobra, três papagaios, dois casais de cisnes, um negro e um branco, alguns pavões. É religioso (mais do que os irmãos) e vegetariano radical. Tem um carrinho de pipoca e uma máquina de fazer sorvete – e sempre convida crianças para compartilhar com ele essas delícias". A certa altura, a mãe, Katherine, interrompe: "Falam que ele é gay. Michael não é gay. Isso iria contra a religião, contra Deus". A entrevista é de 1984, Michael Jackson tinha 25 anos, ainda morava com os pais. Já se vislumbravam ali os esboços da esquisitíssima, ambígua e desequilibrada figura que ele viria a ser pelo resto da vida: nem preto, nem branco, nem homem, nem mulher, nem adulto, nem criança – ou, colocado de outra forma, preto, branco, homem, mulher, adulto e criança.
Joseph e Katherine. Pai e mãe. Pobre Michael. A ambição dos pais não conhecia limites. Aos 6 anos, Michael se tornaria a maior estrela do grupo criado por eles. Acabava-se ali sua infância. Ensaiava o dia inteiro – "Às vezes, olhava para fora, via as crianças brincando e chorava", contou em entrevista à apresentadora Oprah Winfrey, em 1993. Se os meninos erravam um passo ou uma nota, o pai se enfurecia como um treinador de animais de circo. Lembrou Michael na entrevista a Oprah: "Ele partia para cima da gente... Ficávamos muito nervosos nos ensaios porque ele ficava sentado numa cadeira, com o cinto na mão, e se alguma coisa não saía direito ele vinha para cima, sem dó". De tão aterrorizado, "tinha vezes que ele chegava perto e eu vomitava". Jackson pai dizia que o filho-prodígio era feio, criticava o rosto com espinhas e ria de seu nariz "enorme". Nos "muito tristes" anos da puberdade, ele "chorava todos os dias". O começo da carreira musical foi em boates e palcos de prostíbulos de Indiana. Em um deles, forçado pelos irmãos mais velhos, Michael perdeu a virgindade e ganhou mais um trauma para carregar vida afora. O pai dominador, a mãe muito religiosa mas indiferente aos maus-tratos, a fama, o isolamento, a fragilidade emocional, o abismo entre sua carreira e a dos irmãos (e irmãs – as três, Rebbie, Janet e LaToya, também se viabilizaram como cantoras, mas no limite mínimo da mediocridade), tudo isso moldou a personalidade de Michael Jackson. Seu caso se encaixa como exemplo acabado dos manuais básicos de psicologia, em especial nos capítulos sobre os efeitos na personalidade da infância perdida e da busca torturante pela perfeição.
Fotos Walt Disney/Retna e Tobias Schwarz/Reuters |
BONZINHO? NEM TANTO |
Aos 20 anos, Michael Jackson decidiu exorcizar os fantasmas infantis pela fuga de si mesmo e pela erradicação dos sinais visíveis de suas origens. Começou sua metamorfose. As sobrancelhas se arquearam. O queixo ganhou uma covinha, a pálpebra foi levantada e o maxilar afilou. Os lábios se adelgaçaram, o cabelo perdeu os caracóis e ficou liso. A pele clareava e o nariz reaparecia cada dia mais fino. Apesar de todas as evidências, nas poucas vezes em que tocou no assunto admitiu ter se submetido a rinoplastias. Foram muitas, a ponto de a estrutura cartilaginosa do nariz ter dado lugar a uma prótese, que atrapalhava a respiração e ele tirava para dormir. A uma admirada Oprah, ele disse candidamente que sua pele ficara branca em consequência do vitiligo, a despigmentação benigna da epiderme. "É de família", disse. Aproveitou para justificar a maquiagem pesada – "Uso para disfarçar as manchas na pele" – e para reiterar suas raízes: "Tenho orgulho de ser um negro americano".
Com suas roupas de soldadinho de chumbo (só que com muito mais brilho), a voz aguda e a extrema magreza, Michael Jackson fez o que pôde para parar no tempo – um tempo que o tornava cada vez mais esquisito. Recluso, calado e solitário, mas montado em muitos milhões de dólares, em 1987 comprou uma propriedade de 1 150 hectares na Califórnia e lá construiu sua Disneylândia particular, que chamou de Neverland, a Terra do Nunca de Peter Pan (o manual de psicologia básica, de novo). Nele instalou castelos em miniatura, um pequeno zoológico, roda-gigante, montanha-russa, fliperama, videogame, um trenzinho – e uma estátua em tamanho natural do Homem-Aranha.
Fechado em Neverland com seu chimpanzé de estimação, Bubbles, recebia poucos e escolhidos amigos pinçados em dois grupos distintos: o das mulheres mais velhas, que eram duas – Elizabeth Taylor e Diana Ross, presenças marcantes na sua vida (veja quadro abaixo) –, e o dos meninos pequenos, que eram muitos, inclusive o ator Macaulay Culkin, seu amiguinho 22 anos mais novo. A essa altura, Jackson já usava máscara (por temor aos germes). Deixou-se fotografar adormecido em uma câmara hiperbárica, em cuja atmosfera de alta pressão esperava encontrar a longevidade. A ideia era chegar aos 150 anos. Essa esquisitice, ele desmentiu a Oprah. A foto na câmara teria sido feita durante uma visita a um centro de tratamento de queimaduras cuja ala cirúrgica ele patrocinou.
Em 1993, quando um esforço para rea-quecer a carreira parecia estar dando certo, os pais de Jordan Chandler, 13 anos e hóspede frequente de Neverland, abriram um processo contra Jackson por abuso sexual do filho. "Não posso acreditar que isso esteja acontecendo comigo", lamuriou-se, com um fio de voz. Por 20 milhões de dólares, retiraram a acusação e sumiram, mas a reputação de Jackson desmoronou. Apressadamente, casou-se, para surpresa geral, com Lisa Marie Presley, a filha de Elvis. Divorciou-se dois anos depois e se casou de novo, com Debbie Rowe, uma enfermeira sem graça que ele conheceu no consultório do seu dermatologista. Debbie era boa de copo e gostava de motocicletas. Ela lhe deu dois filhos, Prince Michael I, hoje com 12 anos, e a menina Paris, 11. Separaram-se sem explicações e, no processo, ela abdicou da guarda das crianças. Quatro anos depois nasceria, de mãe não revelada, o terceiro filho, Prince Michael II, apelido Blanket ("cobertor", em inglês).
LFI |
ADEUS, TERRA DO NUNCA |
Pai solteiro de três crianças pequenas, cada vez mais excêntrico, Michael Jackson, no começo dos anos 90, já tinha uma longa história de abuso de remédios controlados. O problema pode ter começado em 1984, quando se queimou gravemente em um acidente ocorrido durante a gravação de um comercial. O forte analgésico Demerol, uma das drogas suspeitas de tê-lo matado na semana passada, foi então acrescentado ao coquetel diário que incluía tranquilizantes e antidepressivos. Em 2002, na cena mais marcante de seu desequilíbrio, diante de fotógrafos e cinegrafistas, balançou seu bebê Blanket (de cabeça coberta) do lado de fora da sacada de um hotel em Berlim. Desculpou-se depois, mas afirmou: "Ele se divertiu". Enquanto todo mundo se espantava, foi à TV tentar provar que era o pai mais amoroso do mundo das três crianças brancas que jurava serem seus descendentes. "Para Blanket, usei uma mãe de aluguel e meu próprio esperma. Também meus outros dois filhos são do meu esperma. São todos meus filhos", declarou ao inglês Martin Bashir em 2003. Nessa mesma e célebre entrevista, confessou que sim, dormia com garotos na mesma cama. Inocentissimamente. E recomendou: "É o que todo mundo devia fazer". À entrevista se seguiu seu pior momento: uma segunda denúncia de abuso sexual, desta vez contra Gavin Arvizo, 13 anos, que foi repetidamente convidado a Neverland quando se tratava de um câncer.
Dessa vez houve prisão, depoimento, julgamento público e humilhações várias, até Michael Jackson ser inocentado de todas as dez acusações. Estava, porém, acabado – e quebrado. Nos anos em que não trabalhou, envolveu-se em projetos mirabolantes e gastou sem parar, compulsivamente (Bashir o viu torrar 6 milhões de dólares em uma única tarde em antiquários). O cantor multimilionário, dono dos direitos de 250 canções dos Beatles, acumulou uma dívida avaliada em 500 milhões de dólares. Não quis voltar para Neverland (até por não conseguir pagar a conta de manutenção da propriedade) e instalou-se, com os filhos, em altíssimo estilo, em Barein, à custa do filho do rei, o xeque Abdullah bin Hamad Al Khalifa. O xeque, que compõe, concordou em sustentar Michael se ele gravasse suas músicas. Quando Michael se recusou, pôs ele e a família para fora e se juntou ao movimentado clube de pessoas que processavam o cantor. As ações e a falta de dinheiro prenunciavam uma velhice atormentada. Michael Jackson escapou de mais esse pesadelo pelo sono eterno.
As cinco mulheres
Quanto mais estranho parecia, mais Michael Jackson queria provar que era um homem normal. Sua primeira namorada "séria" foi Brooke Shields, ela também artista precoce, conhecedora dos sofrimentos intensos e fantásticos prazeres que ele vivia. No intervalo de décadas entre Brooke e seu próximo, digamos, romance, Michael Jackson cultivou a amizade de duas mulheres mais velhas: a cantora Diana Ross, com quem trabalhou no filme The Wize com quem por certo tempo tentou ficar parecido, e a atriz Elizabeth Taylor, uma alma gêmea temperamental, gastadora e maluquete. Em 1994, casou-se sem ter namorado com Lisa Marie Presley, a filha de Elvis. Durou dois anos e nunca convenceu ninguém, mas na sexta-feira, abalada por sua morte, ela escreveu num blog: "Nossa relação não foi uma simulação. Era uma relação incomum, é verdade, na qual duas pessoas incomuns que não tinham nem conheciam uma vida normal encontraram uma conexão". Com Debbie Rowe, a mãe de dois de seus filhos, Michael Jackson nem tentou disfarçar: depois do sim, numa suíte de hotel em Sydney, na Austrália, deu-lhe um beijinho no rosto – e foi só. |