China carrega US$ 2 trilhões de suas reservas em dólar e por isso não tem nenhum interesse em comprar e vender mercadorias em outra moeda. Na última reunião da Rodada Doha, a Índia rejeitou proposta do Brasil de eliminar subsídios agrícolas porque deixaria desprotegida sua agricultura familiar, que retém no campo 55% da população trabalhadora. Na quinta-feira o Brasil decidiu impor sobretaxa aos pneus importados da China, acusando esse país de prática de dumping. Diante da crise, China e Índia continuaram crescendo, o Brasil entrou em recessão menos grave e a economia russa desabou com o preço do petróleo.
Distantes, com culturas, sistemas políticos e economias diferentes e interesses por vezes contraditórios, China, Índia, Brasil e Rússia têm em comum a sigla Bric, o potencial de progresso futuro, a preferência do mercado financeiro global e o desejo de influenciar na reforma e participar do comando dos organismos internacionais. Fora isso, é ilusão imaginar que os quatro constituirão um bloco econômico forte, coeso e monolítico para enfrentar o poder dos sete países ricos que formam o G-7 (o oitavo do grupo é justamente a Rússia). E é ingenuidade achar que o G-7 morreu, como decretou o chanceler Celso Amorim há dias.
A crise afetou mais os EUA, a Europa e o Japão porque foi lá que ela nasceu, junto com a ambição de multiplicar dinheiro e na falta de regras, controle e fiscalização desses multiplicadores do mercado financeiro. Dos quatro Brics, a China e a Índia foram menos prejudicadas: desaceleraram suas economias, mas continuaram crescendo porque têm estrutura econômica mais consolidada e sustentável, um mercado interno potente e condições reais de se aproximarem gradativamente do estágio de desenvolvimento do mundo rico. É verdade que a população ainda é muito pobre, sobretudo a indiana, mas o crescimento forte e contínuo por mais de uma década deu impulso ao desenvolvimento social e mantém acesa a esperança de virada em futuro não distante. Nos últimos anos de prosperidade no mundo o Brasil apenas começou sua trajetória de virada, transita o caminho com fragilidades e a depressão da economia em dois trimestres seguidos mostra isso. A Rússia é o mais instável dos Brics, porque o fracasso ou o sucesso de sua economia são excessivamente dependentes do preço do petróleo.
Os quatro não vão constituir um bloco, tampouco comercializar produtos em sua própria moeda, como quer o presidente Lula, porque não interessa à China nem à Índia e porque isso é quase impossível em países tão diferentes e de fronteiras tão distantes. Se a Europa levou mais de quatro décadas para criar o euro e os países latino-americanos discutem uma moeda única há mais de 30 anos sem solução, como convencer o brasileiro de receber yuan, o chinês de aceitar o real e o russo de poupar em rupias?
Ernani Torres, superintendente de Estudos e Pesquisa do BNDES, e André Nassif, economista do banco, viajaram recentemente para a China e a Índia em busca de números e informações para compor análises comparativas entre os dois Brics e o Brasil. Ambos são céticos quanto à possibilidade de saírem acordos dos próximos encontros dos Brics. "Unidade de regulação do mercado financeiro, só em questões muito genéricas, como nivelar regras de risco bancário. Se nem os europeus conseguem unificar regras e se entender nesta crise...", analisa Ernani Torres, que acaba de voltar de uma viagem de pesquisa à China. Quanto a abandonar o dólar e negociar produtos em suas moedas, ele afirma que não interessa a ninguém, porque 65% das reservas cambiais do mundo inteiro são representadas em dólar e a China está abarrotada de títulos do Tesouro americano.
Torres lembra de outra questão que interessa ao Brasil na mesma proporção em que a China e a Rússia a ela se opõem: dar ao Brasil assento no Conselho de Segurança da ONU.
Em estudo que preparou depois de uma viagem de pesquisa à Índia, André Nassif compara os indicadores econômicos: o Brasil tem números melhores no quadro fiscal, de inflação e dívida pública, mas a Índia cresce continuamente há mais de uma década, sua taxa de juros real é negativa e o investimento público representa 3,4% do PIB, enquanto no Brasil não passa de 1%.
"São expressivos os déficits social e de infraestrutura na Índia, mas eles têm planos de longo prazo para reverter e investem pesado em construção civil, estradas, portos e programas sociais. O crescimento lá é sustentado em consumo e investimento público", analisa Nassif.
Distantes, com culturas, sistemas políticos e economias diferentes e interesses por vezes contraditórios, China, Índia, Brasil e Rússia têm em comum a sigla Bric, o potencial de progresso futuro, a preferência do mercado financeiro global e o desejo de influenciar na reforma e participar do comando dos organismos internacionais. Fora isso, é ilusão imaginar que os quatro constituirão um bloco econômico forte, coeso e monolítico para enfrentar o poder dos sete países ricos que formam o G-7 (o oitavo do grupo é justamente a Rússia). E é ingenuidade achar que o G-7 morreu, como decretou o chanceler Celso Amorim há dias.
A crise afetou mais os EUA, a Europa e o Japão porque foi lá que ela nasceu, junto com a ambição de multiplicar dinheiro e na falta de regras, controle e fiscalização desses multiplicadores do mercado financeiro. Dos quatro Brics, a China e a Índia foram menos prejudicadas: desaceleraram suas economias, mas continuaram crescendo porque têm estrutura econômica mais consolidada e sustentável, um mercado interno potente e condições reais de se aproximarem gradativamente do estágio de desenvolvimento do mundo rico. É verdade que a população ainda é muito pobre, sobretudo a indiana, mas o crescimento forte e contínuo por mais de uma década deu impulso ao desenvolvimento social e mantém acesa a esperança de virada em futuro não distante. Nos últimos anos de prosperidade no mundo o Brasil apenas começou sua trajetória de virada, transita o caminho com fragilidades e a depressão da economia em dois trimestres seguidos mostra isso. A Rússia é o mais instável dos Brics, porque o fracasso ou o sucesso de sua economia são excessivamente dependentes do preço do petróleo.
Os quatro não vão constituir um bloco, tampouco comercializar produtos em sua própria moeda, como quer o presidente Lula, porque não interessa à China nem à Índia e porque isso é quase impossível em países tão diferentes e de fronteiras tão distantes. Se a Europa levou mais de quatro décadas para criar o euro e os países latino-americanos discutem uma moeda única há mais de 30 anos sem solução, como convencer o brasileiro de receber yuan, o chinês de aceitar o real e o russo de poupar em rupias?
Ernani Torres, superintendente de Estudos e Pesquisa do BNDES, e André Nassif, economista do banco, viajaram recentemente para a China e a Índia em busca de números e informações para compor análises comparativas entre os dois Brics e o Brasil. Ambos são céticos quanto à possibilidade de saírem acordos dos próximos encontros dos Brics. "Unidade de regulação do mercado financeiro, só em questões muito genéricas, como nivelar regras de risco bancário. Se nem os europeus conseguem unificar regras e se entender nesta crise...", analisa Ernani Torres, que acaba de voltar de uma viagem de pesquisa à China. Quanto a abandonar o dólar e negociar produtos em suas moedas, ele afirma que não interessa a ninguém, porque 65% das reservas cambiais do mundo inteiro são representadas em dólar e a China está abarrotada de títulos do Tesouro americano.
Torres lembra de outra questão que interessa ao Brasil na mesma proporção em que a China e a Rússia a ela se opõem: dar ao Brasil assento no Conselho de Segurança da ONU.
Em estudo que preparou depois de uma viagem de pesquisa à Índia, André Nassif compara os indicadores econômicos: o Brasil tem números melhores no quadro fiscal, de inflação e dívida pública, mas a Índia cresce continuamente há mais de uma década, sua taxa de juros real é negativa e o investimento público representa 3,4% do PIB, enquanto no Brasil não passa de 1%.
"São expressivos os déficits social e de infraestrutura na Índia, mas eles têm planos de longo prazo para reverter e investem pesado em construção civil, estradas, portos e programas sociais. O crescimento lá é sustentado em consumo e investimento público", analisa Nassif.