O GLOBO
O ministro Mangabeira Unger, do Planejamento Estratégico, tem sido alvo, nos últimos dias, de ataques dos ambientalistas devido à medida provisória 458, que regulariza a posse de terra na Amazônia e é vista como nociva à preservação ambiental.
Ele diz que a primeira coisa que compreendeu quando assumiu a condução do Plano da Amazônia Sustentável (PAS) — o que, aliás, provocou um mal-estar com a então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e apressou sua saída do governo — foi que "nada na Amazônia vai avançar, nenhum aspecto do desenvolvimento sustentável includente, se não resolvermos o problema da terra".
Na definição de Mangabeira Unger, a Amazônia tem sido até agora "um caos fundiário", onde menos de 4% das terras em mãos de particulares têm a sua situação jurídica esclarecida.
Enquanto persistir esta situação, diz ele, a pilhagem será mais atraente do que a preservação ou a produção.
"Fico alarmado com o grande número de distorções que surgiu no debate nas últimas semanas. Dizer que a regularização favorece ou legitima a grilagem é um absurdo", reclama, afirmando que, com a MP, "vamos poder regularizar a situação de 500 mil famílias urbanas e 400 mil famílias rurais. Essa é a população que construiu a Amazônia, que está construindo a Amazônia".
Mangabeira Unger diz que chamá-los de grileiros é o mesmo que chamar de grileiros os que ocuparam e construíram os Estados Unidos ou a Austrália. "A grilagem é conduzida na Amazônia por máfias que se aproveitam justamente da falta de regularização, e que atuam acobertadas pela neblina dessa confusão fundiária que só a regularização pode liquidar", diz o ministro.
Dizer que a regularização favoreceria o desmatamento é outra distorção, reclama, afirmando que a situação "é exatamente o oposto".
Segundo ele, a falta de segurança jurídica "cria condições propícias a uma atitude curtoprazista e predatória.
Só com a regularização é que o posseiro ou o produtor vai poder ter um projeto de longo prazo, ter acesso a ajuda técnica, a crédito regular, e vai ter condições objetivas de desenvolver um projeto em sua posse".
A regularização não é uma condição suficiente para superar uma disposição predatória, adverte, mas "é necessária".
Nos planos de Mangabeira Unger, temos que iniciar uma grande dinâmica, que começa pela regularização ambiental baseada no zoneamento ecológico e econômico; no soerguimento da indústria extrativista madeireira ou não, "que não seja apenas uma atividade de cunho e escala artesanal".
Na Amazônia do Cerrado, temos que recuperar as áreas degradadas. Unger diz que grande parte do território brasileiro hoje é pastagem degradada, e que, se recuperássemos uma pequena parte disso, "poderíamos triplicar nossa produção sem tocar em uma única árvore". No projeto estratégico traçado, o objetivo é "tirar a Amazônia do isolamento, criando estradas vicinais necessárias à população, e dar um choque de educação e ciência.
Mas tudo isso começa na regularização fundiária".
Mangabeira Unger diz que nesse debate houve, "entre muitos absurdos, a tentativa de excluir da regularização qualquer posse onde haja trabalho assalariado. Isso é como querer decretar a morte do capitalismo".
O ministro diz que o debate demonstrou "como a Amazônia funciona como uma fantasia ideológica, onde os ressentimentos contra o mundo moderno, o arcaísmo de certa esquerda, resultam em uma conta a ser paga pela Amazônia".
A ideia de que possamos construir um modelo de desenvolvimento sustentável includente, numa área que representa 61% do território nacional, proibindo o trabalho assalariado e a presença de pessoas jurídicas "é absurda, um escândalo", ressalta.
A organização do crescimento socialmente includente é um ponto comum nos Brics, grupo de países emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia e China, cujos chefes de Estado se reunirão pela primeira vez na próxima semana, na Rússia.
Mangabeira participou de uma reunião preparatória, em Moscou, e ressalta que nessa reunião a China colocou na mesa a questão da mudança climática. Os chineses são muito sensíveis a que a temática não evolua como um constrangimento sobre os grandes países emergentes.
"A mudança do clima não deve ser vista como uma limitação imposta a nós; nós é que devemos liderar essa agenda, compreendendo que o desenvolvimento dessas novas tecnologias, inclusive dos agrocombustíveis como energias renováveis, cria novos setores da economia".
Na reunião de Moscou houve uma discussão sobre a cooperação entre os Brics nesse campo, com três focos.
O primeiro é a criação de um mercado mundial de agrocombustíveis, para transformá-los em commodities.
"Para isso, é preciso que mais países participem da produção, não pode ser um quase duopólio, como é hoje nos Estados Unidos e no Brasil", lembra Unger.
Em segundo lugar, o interesse no desenvolvimento de agrocombustíveis de segunda e terceira geração, lembrando que a tendência do avanço científico será diminuir a importância da geografia.
Por outro lado, lembra o ministro, é muito importante para nós que não aconteça com o etanol o que aconteceu com a borracha no século passado, superada pela evolução tecnológica.
"A única maneira de nos resguardarmos desse perigo é estarmos nós mesmos na vanguarda tecnológica".
O terceiro foco é a possível colaboração com os países mais pobres, como os africanos, onde o biodiesel poderia ter um impacto altamente benéfico.
Entrevista:O Estado inteligente
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