Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, junho 16, 2009

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O Globo - 16/06/2009

Em setembro de 2008, quando a candidata a vice-presidente Sarah Palin fazia grande sucesso entre os republicanos, ela foi entrevistada por Katie Couric, âncora do CBS Evening News. Os americanos puderam saber, então, que Palin não entendia nada de nada, era apenas um golpe de marketing. Segundo um estudo da Nielsen, a entrevista foi vista naquela noite por seis milhões de telespectadores. Imediatamente, a conversa já estava na internet, e ali foi vista por mais de três milhões de pessoas.

A humorista Tina Fey fez uma sátira da entrevista no “Saturday Night Live”, da ABC, que atraiu a audiência de nove milhões de telespectadores.

Novamente, o esquete foi posto nos sites da internet e visto por 25 milhões de pessoas. Fenômeno parecido ocorreu com “Britains Got Talent”, programa de televisão da ITV1, emissora do Reino Unido. O programa de estreia da terceira temporada foi visto por 10,3 milhões de britânicos. A grande atração foi a escocesa Susan Boyle, que se tornou uma celebridade instantânea. A apresentação de Boyle foi posta em sites da internet, e foi acessada 220 milhões de vezes, segundo dados de Visible Measures, uma empresa que mede o sucesso on-line de vídeos. O seriado “Lost”, um megassucesso da rede americana ABC, estreou em 2004 com 15 milhões de telespectadores.

Com o tempo, disseminou-se a prática de colocar na internet o episódio inteiro, para que telespectadores façam download quando desejarem (no Brasil, ele fica disponível no mesmo dia da exibição nos EUA, já legendado). E, um último exemplo, no fim de semana, jornais do mundo inteiro mandaram para Teerã equipes completas de repórteres para cobrir as eleições iranianas (o “The New York Times” enviou até mesmo o seu diretor de redação, Bill Keller).

Imediatamente, milhares de blogs usaram o material produzido pelos jornais, reproduzindo íntegras e gerando debates e mais debates.

Detalhe: em todos os casos, os conteúdos foram parar em sites alheios ao de seus produtores, sem autorização, num fenômeno tido até aqui como “natural”, contra o qual nada se pode fazer.

Os exemplos podem ser infinitos, e o leitor pode escolher os seus próprios.

Deixando de lado o fato de que é um poderosíssimo e insubstituível instrumento de intercomunicação (e-mail, mensagens instantâneas com imagem e voz, sites de relacionamento etc.), a grande riqueza da internet, em termos de conteúdo, é produzida pelas chamadas mídias tradicionais: jornais, revistas, rádio e televisão. Com um porém: tais mídias não recebem recurso financeiro algum em troca. Num fenômeno bem esquisito, dão o seu conteúdo de graça em seus próprios sites e são pirateadas sem constrangimentos por outros tantos sites.

Tem isso chance de dar certo? Para ficar em dois exemplos, cada episódio de “Lost” custa US$ 4 milhões, segundo a agência Reuters, e cada hora do “Britains Got Talent”, US$ 1,3 milhão, segundo o “Daily Telegraph”.

Com a pirataria, a repercussão de “Lost” é cada vez maior, mas sua audiência na TV tem sido declinante: na quarta temporada caiu para 13 milhões de telespectadores e, na mais recente, para 11 milhões.

Audiência declinante significa menos anunciantes, o que provocará inexoravelmente uma perda de qualidade no futuro: sem conseguir cobrar dos espectadores que assistem à série na internet, ficará cada vez mais difícil fazer episódios tão caros. Com Susan Boyle, muitos dirão que a internet só fez ajudar a audiência, e isso, embora seja verdade, não é toda a verdade. Na final, a primeira temporada em 2007 alcançou 10,6 milhões de telespectadores, a segunda, em 2008, 13,1 milhões (aumento de 23,5%) e a terceira, em 2009, estimulada pela internet, 17,3 milhões (aumento de 32%). O programa, portanto, vinha crescendo mesmo sem a internet, e a pergunta que fica é: quanto a audiência teria crescido se os telespectadores não tivessem outro jeito de ver a final, senão na televisão? Pode-se imaginar que, na quarta temporada, alguns milhões de telespectadores se inclinarão a deixar de ver o programa na hora em que é exibido para vê-lo depois, na internet. Se o efeito na audiência de TV for declinante, até quando os produtores admitirão pagar US$ 1,3 milhão por hora de programa? O mesmo tipo de questionamento cabe nos exemplos da entrevista de Sarah Palin, do “Saturday Night Live” e da cobertura das eleições iranianas. Um telejornal, um humorístico e uma cobertura internacional são altamente caros. Se não se consegue impedir a pirataria ou cobrar pelo que é reproduzido na internet, se este uso significar audiências menores nas mídias tradicionais, até quando seus custos poderão ser bancados? Se não puderem, o declínio na qualidade será geral.

Com o advento da interface gráfica da internet, em 1994, a mídia tradicional nunca temeu o novo meio.

Acreditou que, se morresse ou declinasse no velho mundo, continuaria vigorosa e com saúde no novo mundo.

Apostou em acesso gratuito, tentando reproduzir o modelo das televisões comerciais: atrair larga audiência e vender anúncio. Até aqui, a estratégia não deu certo. Contribuiu largamente para isso a crença de que a internet, por natureza, é um espaço sem dono, livre, democrático. Não é verdade: não existem terras de ninguém.

O que tem prevalecido é uma terra com novos donos que, até aqui, têm tido êxito em chamar de liberdade o que é puro roubo.

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