NOVA YORK. À medida que o Plano Americano de Recuperação e Reinvestimento vai sendo desvendado, o nome politicamente correto para o pacote que o Congresso deve começar a discutir nos próximos dias revela toda a grandiosidade da crise que os Estados Unidos enfrentam. Os números são todos monumentais e negativos, e levam o país de volta aos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial, de onde ele saiu para se transformar na potência hegemônica que hoje está sob desafio.
A maior crise econômica desde a Grande Depressão; o maior desemprego desde a Segunda Guerra Mundial, tudo leva para trás, para tempos que não se quer ver de volta, mas que até o momento ninguém sabe como evitar. Antes mesmo de tomar posse, Obama já começa a ver contestada sua capacidade de enfrentar a grandiosidade da crise, coisa que não se vislumbrava tão cedo.
Além de que o plano oficial gera muitas controvérsias, simplesmente por ser o primeiro tiro do novo governo nessa guerra que se prenuncia longa e incerta, há um fato político diferente a marcar os primeiros passos da futura administração: a tentativa real de fazer um governo suprapartidário, para unir a nação nos próximos anos de sacrifício.
Esse fenômeno parece não estar sendo devidamente entendido pela classe política, que se aproveita do equilíbrio imperfeito que a situação gera para seguir fazendo sua pequena política. Os democratas, que têm o domínio quase completo do Congresso, se frustram com a impossibilidade de exercer plenamente seus poderes, sem entender por que dividi-lo com os republicanos derrotados nas urnas pelo fenômeno Obama.
Os republicanos, desnorteados inicialmente com a surra eleitoral que levaram, agora já se consideram fortes suficientes para exigir compensações de um governo que tem 80% do apoio popular antes de começar a governar.
As divergências sobre o Plano ficam entre os políticos e os técnicos, pois a população continua a aguardar com esperanças a chegada do novo governo, sem opinião formada sobre questões técnicas: quer o milagre da recuperação pelas mãos de um presidente que chegou ao poder fora dos trilhos tradicionais da política dos Estados Unidos, e a frustração pode ser enorme.
É por isso que Obama insiste em ter um governo de consenso, pois sabe que não resolverá a crise tão cedo e precisará de apoio político para quando o desengano começar a surgir na sociedade americana. Enquanto isso, vai usando seu estoque de popularidade para pressionar o Congresso.
O senso de urgência das medidas, que ele vem ressaltando nos seus últimos pronunciamentos, é básico para dar início à recuperação, que será tão mais custosa quanto mais demorada for a tomada de decisão dos políticos.
Mesmo antes de assumir Obama vê-se diante de dilemas como o de ter que conter os gastos da recuperação para não aumentar perigosamente o já perigoso déficit público, embora haja um consenso técnico de que o pacote, que pode chegar a US$800 bilhões, poderia (ou deveria) ser muito maior.
Como equilibrar uma política fiscal necessariamente frouxa nos primeiros anos de governo com uma austeridade orçamentária de longo prazo para não permitir que o desequilíbrio das contas públicas torne-se incontrolável?
Quando Barack Obama anuncia um novo cargo para cortar gastos desnecessários no orçamento, ao mesmo tempo em que prepara um programa bilionário de gastos, está sinalizando para a frente, garantindo aos investidores que mantêm o apetite pelos bônus do Tesouro americano que eles não têm o que temer quanto ao futuro.
Ainda está longe o dia em que os investidores estrangeiros passarão a exigir juros maiores para comprar os bônus americanos, e Obama trabalha para que esse dia nunca chegue, embora muitos analistas considerem inevitável que venha a acontecer.
Nos próximos dois anos, pelo menos, será preciso evitar que a exigência de juros mais altos pressione os custos internos de financiamentos de novas casas, ou o crédito para o consumidor, e a promessa de equilibrar as contas no longo prazo, além da força natural de recuperação da economia americana, é o que sustenta a credibilidade do país, num momento em que o mundo todo entra em colapso financeiro e não há nenhuma economia que se apresente como sucessora da americana, nem nenhuma moeda que possa substituir em curto prazo o dólar, nem nenhuma potência que possa se equiparar ao poderio bélico dos Estados Unidos, apesar dos pesares.
Todos esses fatores, e mais a capacidade extraordinária deste país de se reinventar, do que é testemunha a eleição de Barack Obama, faz com que exista uma percepção de que, assim como foi o detonador da crise financeira global, os Estados Unidos ainda detêm a capacidade de vir a ser o propulsor da recuperação mundial.
O fato de que o plano de Obama prevê uma boa parte de investimento em infraestrutura de modernização tecnológica em escolas, bibliotecas e prédios públicos, e uma visão de longo prazo de políticas alternativas de energia, mostra como, mesmo dentro da crise, uma visão de futuro está sendo gestada para tentar manter a hegemonia mundial.
Esse é o principal indício de que a nova administração de Obama tem projetos de substituir o passado que gerou a crise e marcou a imagem dos Estados Unidos pelo futuro que dará mais valor ao conhecimento do que à ganância; à construção da paz do que à política da guerra; à imposição dos valores democráticos pelo exemplo e não pela força.
São esses os símbolos que Barack Obama vai enfileirando quando reafirma que Wall Street vai ser mais regulamentada; que os interrogatórios dos serviços secretos não usarão mais tortura, que o sistema educacional e a instalação de banda larga pelo país são prioridades e que a substituição da matriz energética continua sendo fundamental, mesmo com o preço da gasolina novamente barato.