Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 17, 2009

Newton Cardoso: divórcio bilionário

O divórcio de 2,5 bilhões de reais

A deputada Maria Lúcia Cardoso briga na Justiça para
receber metade da fortuna do marido, o ex-governador
mineiro Newton Cardoso, e ele ainda responderá a um
processo por arranhá-la e puxar seu cabelo


José Edward

Tião Mourão

SEPARAÇÃO DE BENS E DE CORPOS Depois de três décadas, a união de Newton Cardoso e Maria Lúcia chega ao fim

O divórcio é uma experiência dolorosa. Quando envolve um político famoso, há chances de que esse sofrimento ocorra em praça pública. O risco cresce se o rompimento implica a divisão de uma fortuna bilionária construída de forma nebulosa. Em casos assim, episódios de violência doméstica podem transformar a separação em rumoroso escândalo. É justamente o que está ocorrendo com o ex-governador de Minas Gerais Newton Cardoso e a deputada Maria Lúcia Cardoso, ambos do PMDB. Há dez dias, o Ministério Público mineiro denunciou o ex-governador por agredir fisicamente a deputada quando eles ainda viviam juntos. O crime teria acontecido em abril de 2007. Motivo: Maria Lúcia cobrou do então marido explicações sobre o fato de ele ter sido visto em companhia da amante no hotel Ritz de Londres, onde uma noite custa de 1 000 a 15 000 reais. Newtão, como é conhecido, perdeu o controle. Puxou o cabelo da deputada e arranhou seu pescoço com as unhas. Uma das filhas do casal apartou a briga. Maria Lúcia denunciou o marido à polícia. Revelou, então, que ele a tinha espancado outras vezes. Numa delas, Newtão quebrou-lhe o nariz. Em outra, atacou-a com uma tesoura. Depois de prestar queixa, a deputada expulsou-o de casa. No início de 2008, entrou com pedido de separação litigiosa. "Eu sempre soube que ele me traía, mas fazia vista grossa. Uma hora, resolvi dar um basta", disse Maria Lúcia a VEJA.

No processo, que tramita em sigilo na Justiça de Brasília, a deputada expôs muito mais que a intimidade do casal. A ação descreve de forma minuciosa a fortuna que o político mineiro de resultados amealhou e se esforçou para esconder. Na ação, o patrimônio de Newtão é estimado entre 2,5 e 3 bilhões de reais. O valor é 200 vezes maior do que o que o ex-governador declarou à Justiça Eleitoral há dois anos e vinte vezes superior a uma estimativa feita por VEJA há sete anos com base em informações de cartórios e juntas comerciais. A deputada sustenta que seu ex-marido é dono de 100 fazendas e diz ter documentos que provam suas afirmações em 70% dos casos. Segundo ela, seu ex-marido também teria dezesseis empresas no país, seis sediadas em paraísos fiscais, uma praia na Bahia, aviões, dezenas de carros e de imóveis, entre eles apartamentos em Nova York e Paris. Na capital francesa, Newtão teria até um hotel, o Résidence des Halles, um três-estrelas situado nas imediações do Museu do Louvre.

LESÃO CORPORAL O Ministério Público mineiro acusa o ex-governador de bater
em sua ex-mulher

A deputada confirma muito do que já se sabia sobre como o ex-governador conseguiu esconder sua fortuna. O recurso mais frequente foi montar holdings empresariais e atribuir às subsidiárias delas a posse de seus bens. Com isso, Newtão dificultou o rastreamento de seu patrimônio. Outro mecanismo foi abrir empresas em paraísos fiscais, que mantêm os nomes dos acionistas em sigilo. O ex-governador fez isso para esconder, por exemplo, uma participação que tinha na mineradora Magnesita, líder na produção do mineral de mesmo nome, que é usado na produção de aço. Newtão negou ser sócio dessa mineradora até agosto do ano passado, quando ela foi vendida. Descobriu-se, então, que ele detinha 28% do seu capital. As ações estavam sob o controle da Ovante Trading, sediada na Ilha da Madeira, e renderam 400 milhões de reais a Newtão. De acordo com sua ex-mulher, o ex-governador também guarda dinheiro na Suíça. Em 1995, ele vendeu o jornal Hoje em Dia à Igreja Universal do Reino de Deus e recebeu parte do dinheiro em uma conta bancária aberta na cidade de Fribourg em nome da empresa Panka Espace. A deputada conta que seu ex-marido recebeu outra parte do pagamento em dinheiro vivo das mãos do bispo Edir Macedo, mandachuva da Universal.

Maria Lúcia diz que testemunhou esse e outros negócios feitos por Newtão nos trinta anos em que viveram juntos. Em 1998, eles formalizaram sua união em um cartório da cidade mineira de Japaraíba, onde a deputada nasceu. Maria Lúcia acreditou que isso e o fato de ela conhecer na intimidade as finanças do então marido seriam suficientes para que Newtão partilhasse sua fortuna com ela, em caso de divórcio. Estava enganada. O ex-governador alega que se casou em regime de "separação de bens" e anexou à ação de divórcio uma certidão de casamento na qual esse status aparece discriminado. A deputada garante que a certidão é falsa e juntou outra ao processo, na qual se lê que a união foi celebrada com a comunhão parcial de bens, o que lhe daria direito à metade do patrimônio do casal. Evidentemente, um dos documentos é falso. Quem o apresentou cometeu crime contra a fé pública, punível com até seis anos de cadeia. O advogado de Newtão, Cláudio Donato, diz que uma sindicância realizada no cartório comprovou a autenticidade do papel apresentado por seu cliente. A deputada brande o termo de proclamas do casamento, no qual a expressão "comunhão parcial de bens" aparece datilografada e rasurada a mão. Segundo ela, foi seu ex-marido quem fez os rabiscos. Maria Lúcia exibe ainda documentos de empresas de Newtão nas quais ele declara ser casado em comunhão de bens.

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FRAUDE A certidão de casamento de Maria Lúcia diz que eles têm comunhão de bens. A de Newtão diz que não. Um desses documentos foi forjado

No processo, a deputada só não esclarece como seu ex-marido acumulou sua fortuna. Filho de um alfaiate e de uma costureira, Newtão começou a vida aos 13 anos como office-boy da Magnesita. Com tino para o comércio, vendia relógios e roupas aos colegas de trabalho. Usou os lucros para abrir uma loja e dar início aos seus negócios. Entrou na política e, em 1972, conquistou, pela primeira vez, a prefeitura de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. Dois anos depois, conheceu Maria Lúcia em um baile de debutantes. Newtão tinha 36 anos e foi à festa acompanhado. Nem por isso deixou de cortejar a estudante vinte anos mais nova. Ao se despedir dela, deu-lhe seu número de telefone. "Nunca mais perdemos contato", conta a deputada. Pouco tempo depois, ela deixaria a cidade onde morava para se tornar secretária de Newtão em Contagem. O casal ainda namorava quando, aos 20 anos, Maria Lúcia engravidou do primeiro dos quatro filhos que teria com o ex-marido.

O político e sua secretária passaram a dividir o mesmo teto, que, até então, era modesto. "Newton havia se elegido deputado federal e tinha poucos bens. Mais de 90% da fortuna dele foi construída no período em que vivemos juntos", relata Maria Lúcia. A carreira política do peemedebista engrenou. Ele voltou à prefeitura de Contagem, ganhou o governo de Minas, conquistou outro mandato de deputado, passou de novo por Contagem e, por fim, foi vice-governador. A intensa vida pública não impediu Newtão de multiplicar seus bens. Ao contrário. Maria Lúcia diz que foi esse o período em que ele ganhou mais dinheiro. O político foi denunciado muitas vezes por desvio de recursos oficiais. "Sou um dos políticos mais investigados da história do país", alardeia Newtão. Em 1989, ao final de seu mandato de governador, chegou a enfrentar um processo de impeachment. Venceu. Embora ainda responda a várias ações, Newtão nunca sofreu uma condenação definitiva por subtrair dinheiro dos cofres públicos.

O advogado Cláudio Donato ainda está empenhado em manter a fortuna do seu cliente sob sigilo. Alega que a estimativa de 2,5 bilhões de reais que a deputada faz dos bens do marido é delirante. "O patrimônio dele não chega a 10% disso", garante. Seus argumentos têm encontrado pouca acolhida nos tribunais. Há um mês, a juíza Nilsoni de Freitas Custódio, da 3ª Vara de Família de Brasília, condenou o ex-governador a dar 103 750 reais por mês à ex-mulher. Apesar de ser uma das maiores pensões já concedidas no país, Maria Lúcia recorreu. Argumenta que tem direito de receber cinco vezes mais. O processo mostra que é comum que mesmo políticos de resultados como Newtão se esqueçam de uma máxima repetida à exaustão nos corredores de Brasília: "Mulher de político é cargo de carreira. Ex-mulher é cargo de confiança".

 

Fotos Rogerio Altman, Charles Duarte/Ag. 1º Plano, Ivan Cruz/Ag A Tarde e Henry Yu
ELA DIZ QUE ISSO TUDO É DE NEWTÃO
A partir do alto, em sentido horário: o Hotel Des Halles, em Paris; uma fazenda de gado em Minas; a exportadora de frutas Frutimag; e uma praia de 3 quilômetros na Bahia

 

 

AMOR, PODER E MUITO, MUITO DINHEIRO

Álbum de Família
Celio Apolinario
Ainda menino, em sua terra natal, Brumado (BA), com a mãe, Adélia Cardoso, tabeliã local Aos 34 anos, ganha a prefeitura da mineira Contagem e começa a expandir seus negócios

Álbum de Família
Claudio Versiani
No início da década de 1980, com o então governador de Minas, Tancredo Neves, cuja morte lhe abriu espaço na política Eleito governador em 1986, ajudou José Sarney a prorrogar seu mandato presidencial para cinco anos

Carlos Rhienck/O Tempo
Rodrigo Clemente/O Tempo
Em 2006, com Maria Lúcia Cardoso.
Ela chegou à Câmara Federal, mas
ele perdeu a eleição para o Senado
Na semana passada, testemunhou sobre o envenenamento de uma modelo, ocorrido em 2000

 

Com reportagem de Ezequiel Fagundes


VEJA

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