Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, janeiro 15, 2009

Míriam Leitão Quadro cinza

 O Globo 

Fraco, declínio, queda, demissões. Palavras assim, todas negativas, rechearam o Livro Bege divulgado ontem pelo Fed. O livro é um relatório da situação econômica feito regularmente pelo banco central americano, com dados de várias partes do país. No texto, o registro dos estados de que o ambiente era aquele mesmo que registrei aqui na coluna: o movimento do Natal deles foi fraquíssimo.

A temporada das festas de fim de ano foi muita fraca, com descontos enormes e, mesmo assim, pouco movimento. Foi o que reportaram todos os distritos pesquisados ao Fed. Nada que já não se soubesse, mas o pior do livro é não ter uma palavra de alento. Pelo contrário. O relatório mostra que estão em queda preços e vendas de imóveis, novas construções, o que significa que a crise imobiliária que detonou o abalo nos alicerces da economia americana continua piorando. Quanto mais os preços caem e há menos interesse em compra, maior o descasamento entre o preço financiado pelo imóvel e seu valor real. Portanto, maior a probabilidade de interrupção de pagamentos de hipotecas. O estouro da bolha que detonou a crise continua produzindo impactos. É por isso que, como diz o Livro Bege, estão em queda salários, empregos, indústria de quase todos os setores, vendas de varejo, oferta de crédito.

"Não tem nada lá que já não estivesse na cabeça do mercado e das pessoas. Mostra o que todo mundo estava vendo: desaceleração na atividade econômica, vendas no varejo fracas, mercado de crédito ruim, entre outros pontos. Os dados econômicos do fim do ano passado e do início deste ano serão muito ruins", diz o economista Álvaro Bandeira, da Ágora.

O economista Cristiano Souza, do Banco Real, achou um fato positivo, mesmo assim, com ressalvas. "Só a inflação é o ponto positivo. O Livro Bege só mostra a piora da atividade em geral, mas a inflação continua cedendo, tem queda de índice de energia. Isso mostra que a política monetária deve ser a de continuar a injetar liquidez no mercado. O único risco é a deflação. O PPI (índice de preços ao produtor) já veio negativo em novembro e deve continuar negativo. O índice de preço ao consumidor também."

Quando os preços caem muito, e por muito tempo, acontece um dos mais complexos dilemas de política monetária: a taxa de juros, mesmo que em zero, fica alta, porque a inflação está negativa. Hoje os juros do Fed já estão perto de zero, mas se houver deflação, os juros reais vão crescer.

Ou seja, o único alento, a queda da inflação, traz embutida uma ameaça. E um alento real ajudaria muito num dia que teve as seguintes más notícias: a produção industrial na Zona do Euro caiu 1,6% em novembro em relação a outubro — foi o sétimo mês consecutivo de queda; o PIB alemão deve ter, em 2008, o menor crescimento desde 2005 e a previsão é que a retração neste ano chegue a 3%, a maior desde a Segunda Guerra Mundial; as vendas no varejo dos EUA caíram 2,7% em dezembro, quando o esperado pelo mercado era 1,2% — foi o sexto mês seguido de queda nas vendas do varejo; o Deutsche Bank anunciou prejuízo de 4,8 bilhões de euros referente ao exercício do quarto trimestre do ano passado; o Barclays anunciou corte de emprego em suas operações comerciais e de varejo; o Citigroup continua com sua reestruturação com o objetivo de ficar muito menor, rapidamente; bolsas em queda no mundo todo: Bovespa -3,95%; França - 4,56%; Alemanha - 4,63%; Londres -4,97%; Argentina - 3,92%; Dow Jones - 2,94%, Nasdaq - 3,67%, S&P500 - 3,35%.

Até se poderia dizer que o mundo todo não estava mal, porque as bolsas asiáticas comemoram o avanço chinês. A China virou a terceira economia do mundo. Ontem, o centro de estatística da China divulgou uma revisão do PIB de 2007 e, como aumentou a taxa de crescimento, o país venceu mais uma etapa da sua corrida de obstáculos e desta vez passou a Alemanha. O problema é que o dado não tira as preocupações do horizonte do país, que enfrenta desemprego, desaceleração e desequilíbrios.

O China Daily Online trazia ontem, como primeira foto na capa, um amontoado de estudantes universitários recém-formados numa feira de emprego na província de Zheijang. Todos olhavam aflitos um mural de notícias atrás de oportunidades de trabalho. A estimativa do UBS é que a crise possa eliminar 15 milhões de empregos na China. A desaceleração da economia e a queda do comércio internacional estão acontecendo mais rapidamente do que se imagina e afetam diretamente a economia chinesa.

O quadro desolador dos Estados Unidos só piora o quadro chinês. As duas economias, como se sabe, vivem em estranha simbiose. Nas negociações entre a equipe de transição e o Congresso americano aumentou-se o valor do pacote com o qual o presidente que vai tomar posse na próxima semana pretende enfrentar a crise. Agora já está em US$ 850 bilhões, destinados a criação de emprego e redução dos impactos da crise sobre os governos regionais e as famílias.

E o mundo fica assim esperando Godot, aliás, Obama como se ele fosse o último recurso.

Com Leonardo Zanelli

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