A grande vitória do PT e de seus aliados na admissão da proposta de João Paulo Cunha é que neste ano se poderá instaurar uma comissão especial para tratar da "reforma" que eles querem. Na verdade, de alterações que interessam ao Palácio do Planalto, mas que em nada mudam a relação entre representantes e representados. Mudanças mais substanciais, que iriam fazer diferença na vida do País e aprofundar a democracia, foram propostas no relatório da Comissão Especial da Reforma Política ainda em 2008.
Mas a maioria dos deputados da base aliada impediu a aprovação delas. Esses parlamentares não viram vantagens para si e para suas candidaturas com o fortalecimento dos partidos e o fim da troca de favores entre os que investem em candidatos e aqueles que conseguem chegar ao posto de representantes - sabe-se lá se da sociedade ou daqueles que os financiaram. As propostas de adotar listas fechadas, financiamento público e outras, que trariam mudanças realmente importantes para a democracia no Brasil, quedaram-se derrotadas diante de um plenário lotado mais de interesses próprios que de deputados.
É de perguntar se o próprio PT - que votara a favor do relatório que visa à implantação dessa reforma profunda - e o governo, também, não se uniram a essa tese de que é melhor maquiar o ruim e apresentá-lo como novo do que realmente mudar algo em favor do futuro, da ética, da legitimidade da representação da cidadania, enfim, de novos tempos na política. Ao ver o teor da esfarrapada "reforma", não tenho dúvida: houve mais um retrocesso desse partido, que, não é de hoje, perdeu o constrangimento de cometer toda e qualquer ação que um dia condenou. Para comandar mais essa indignidade escolheram um homem dentre aqueles que já carregam a marca do governo Lula: o processado por corrupção. Assim, não paira dúvida alguma de que a coisa não é para ser séria.
Além de atender a interesses de algumas lideranças e partidos, os farrapos da "reforma" vêm infestados de larvas, como a tentativa de prorrogação de mandatos, a esdrúxula e antidemocrática tese de coincidência das eleições em todos os níveis de representação. Não convém esquecer que tal propósito prorrogacionista e de coincidência de mandatos só foi concretizado uma única vez em toda a nossa história, pela ditadura que começou em 1964, no tristemente célebre Pacote de Abril. Quem diria: o governo de Lula e do PT, além de explicitar, várias vezes, admiração por generais e tecnocratas do regime ditatorial, passa a adotar os expedientes e casuísmos políticos que mandavam às favas os escrúpulos! Péssimo exemplo para nele se mirar.
Já seria trágico se essa enganação terminasse naquilo que o petista mensaleiro encalacrado no Supremo Tribunal Federal propôs. Mas, não. Aninhada onde a cidadania não pode enxergá-la e protegida da luz do sol e da decência está a traça do terceiro mandato, verdadeiro objetivo dessa variedade de molambos da "reforma" que passa a tramitar na Câmara este ano. Aliás, Chico Science, um grande e criativo pernambucano que sabia das coisas, já dizia: "Molambo, boa peça de pano pra se costurar mentira/ molambo boa peça de pano pra se costurar miséria..." Infelizmente, os molambos dessa "reforma" política que o Congresso vai digerir em 2009 podem servir para costurar um golpe!
É certo que a praga da tentativa de assalto ao poder está atacando candidatos a ditador na vizinhança. Exemplo clássico é o do coronel Hugo Chávez, que sonha com reeleição ilimitada. Insulta a democracia e tem o discreto apoio do amigo Lula, que contemporiza dizendo que o que não falta na Venezuela é eleição. Chávez apela para plebiscitos para se manter no poder. Perdeu o último, mas não desanimou. Já anunciou para este mês de janeiro uma nova consulta. Disse que não foi derrotado, que o resultado foi apenas um "por enquanto".
O "por enquanto" de Lula são duas propostas descaradas de deputados sobre plebiscito pelo terceiro mandato. Ele finge que não vê, desconversa, diz que é contra, mas, vira e mexe, reclama ao povo que oito anos são pouco tempo para fazer tudo o que o País necessita.
Enquanto a candidata anunciada pelo presidente à sua sucessão, a ministra Dilma Rousseff, não decola e as recentes eleições municipais demonstram que Lula não transfere voto, como seus aliados gostariam, os trapos de "reforma" acolhidos pela Câmara servem de cortina de marionetes que apontam para um outro caminho, digamos, alternativo: o fim da reeleição.
Até poderíamos discutir a possibilidade de acabar com a reeleição - embora, pessoalmente, eu seja favorável à sua vigência no País -, mas a condição sine qua non para isso seria que os princípios do respeito à democracia e à República presidissem o debate. O governo do PT, o presidente Lula e alguns partidos que o apoiam no Congresso, lamentavelmente, não possuem essa condição. Prova mais cabal disso é a própria "reforma".
Não é com molambos que iremos costurar as mudanças que o Brasil reclama.