o globo
NOVA YORK. Uma antiga piada de economistas diz que a diferença entre recessão e depressão é que a recessão caracteriza-se quando o seu vizinho perde o emprego, e a depressão quando você perde o seu. Há muitos indícios de que a recessão já chegou ao Brasil. Aos poucos, a força inevitável da crise econômica que assola o mundo está fazendo o governo brasileiro cair na real, com algumas exceções, como o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, que pretende obrigar as empresas a não demitir, assim como já houve quem quisesse obrigar os bancos a emprestar. Os muitos milhões de empregos criados nos últimos anos, do que o governo se vangloria muito justamente, têm origem nas mesmas empresas que hoje demitem. É a economia, estúpido.
Apesar das primeiras bravatas, o governo, acertadamente, preferiu trabalhar para melhorar a liquidez do mercado, em vez de brigar contra ele. A medida mais recente do Banco Central, de dar garantias aos bancos internacionais sem limites para as empresas brasileiras que precisam rolar seus financiamentos, é mais uma tentativa de reduzir as taxas internas para empresas que não têm condições de pegar financiamentos externos e estavam sendo prejudicadas por empresas grandes, como a Petrobras, que estavam se valendo de financiamentos internos, mesmo a taxas maiores.
Obrigar os bancos a emprestar poderia levar a um equívoco como o já acontecido na Argentina, quando a mesma medida teve como consequência o "corralito", com os investimentos de pessoas físicas e jurídicas ficando presos nos bancos.
Como as coisas não funcionam por voluntarismo no capitalismo, não é possível isolar o Brasil dos efeitos da crise internacional, assim como os benefícios da economia globalizada levaram o país a um crescimento acima de nossa média nos últimos anos.
O governo brasileiro sabe que o desemprego vai crescer este ano, e, para além do histrionismo do ministro do Trabalho e das lideranças sindicais, começa a arrancar visões positivas dos números negativos que estão pela frente, numa nova etapa de tentar tapar o sol com uma peneira.
No melhor cenário, a taxa de desemprego, que em 2008, segundo IBGE, nas seis principais regiões metropolitanas do Brasil já teve pequeno avanço em novembro, ficando em 7,6%, acima dos 7,5% do mês anterior, pode chegar ao índice de 2006, que foi de 8,4%.
Como as estatísticas podem explicar tudo, a notícia tem um lado otimista: o resultado de novembro é o melhor para um mês de novembro desde o início da série do IBGE, em 2001. Mas é a primeira alta do índice desde julho, quando a taxa foi de 8,1%. Já o índice de desemprego no país em 2006 foi o menor desde 1997, mas isso agora não serve de nada.
É com esse contorcionismo que o presidente Lula já prepara o anúncio de um desemprego crescente em dezembro, cujo número deve ter dobrado no final do ano passado. Segundo ele, esses dados serão "menos piores" do que se esperava, pois em vez de 300 mil desempregados que normalmente existem em dezembro, o número apenas dobrará.
Na pior das hipóteses, a taxa de desemprego recuará aos níveis de 2007, quando ficou em 9,3%. Naquela ocasião esse número era o menor da série desde março de 2002, o que não é uma atenuante para o momento atual.
A tentativa de manter artificialmente o nível de emprego, assim como o de normalizar linhas de crédito na base da pressão governamental, são facetas da mesma postura de imaginar que o país estivesse preservado numa redoma dos efeitos da "marolinha", culpa de Bush e dos países ricos.
A culpa é realmente do sistema financeiro internacional alavancado e pouco regulamentado, mas foi graças a esse momento excepcional de liquidez no mundo nos últimos cinco anos que o Brasil se encontra na situação atual, mais preparado para aguentar o baque.
Mas o baque virá, e, mesmo sendo relativamente menor no Brasil, de acordo com previsões da OCDE, ainda assim afetará gravemente nossa economia.
As previsões de queda da produção industrial de dezembro são bastante sombrias, e há modelos que indicam uma queda de 14% em relação ao ano anterior. As previsões mais otimistas indicam uma queda próxima de 10%.
O quarto trimestre de 2008, quando a crise internacional mostrou sua cara mais explicitamente a partir da quebra do banco Lehman Brothers, teria um crescimento negativo de cerca de 2%, o que reduziria o crescimento do PIB de 2008 e, em consequência, o de 2009.
Até antes de os primeiros números negativos da economia brasileira mostrarem quão grave é a crise, havia o entendimento generalizado de que um crescimento de 2,5% do PIB já estava garantido graças ao ritmo de crescimento de 2008, próximo a 6%.
Agora, com o baque no quarto trimestre aparecendo muito mais fortemente do que se esperava, a previsão do crescimento do PIB de 2008 está mais próxima de 5%. Com esses números, a revisão para baixo do crescimento brasileiro para 2009 está sendo feita, e ontem a ONU soltou documento em que prevê um crescimento de apenas 0,5% do país este ano, muito abaixo dos 2% que o mais pessimista dos economistas vinha fazendo.
Ainda é mais provável, porém, que o crescimento do PIB fique próximo a 2%, com tendência de queda, dependendo do comportamento industrial após o primeiro trimestre deste ano, que também deve ser negativo, caracterizando uma recessão.
É dentro desse cenário muito ruim da economia brasileira, e num cenário pior ainda da economia dos Estados Unidos e mundial, que o Copom se reúne na próxima semana para decidir qual o tamanho do tombo da taxa de juros básica da economia brasileira.
Se não havia dúvidas de que ela cairá, agora, depois de a Turquia cortar sua taxa e nos deixar na situação de país com a maior taxa de juros do mundo, é possível que o tamanho do corte seja mesmo de 0,75 ponto percentual, para, pelo menos, termos companhia nesse campeonato negativo.
Dificilmente haverá corte de 1 ponto percentual, como muitos gostariam. E os mais conservadores, que defendem uma redução de apenas 0,5 ponto percentual na taxa, perderam ambiente político para sua cautela excessiva.
Entrevista:O Estado inteligente
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