Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, janeiro 20, 2009

ILAN GOLDFAJN Crédito: o que fazer?

O GLOBO

Alguém ainda acredita que os bancos internacionais voltarão a emprestar no futuro próximo? Quem tinha ilusões ficou desiludido com o déjàvu da semana passada. Os bancos voltaram a divulgar perdas bilionárias.

Nesse cenário de perdas, falta de capital e falências bancárias é difícil vislumbrar a volta do crédito.

No Brasil, o debate sobre a falta de crédito deve esquentar, agora que o Banco Central (BC) vai começar a reduzir os juros. Por que os bancos não emprestam mais agora que os juros estão caindo e os depósitos compulsórios no BC já foram liberados? Não seria necessário uma mão forte que forçasse os bancos (no Brasil e no exterior) a emprestar? É tentador imaginar que a solução para a falta de crédito envolva forçar os bancos privados a expandir os empréstimos públicos. A lógica parece cristalina. Um dos canais de transmissão mais potentes desta crise financeira para o resto da economia é através do encolhimento brutal do crédito. Como a falta de crédito é um problema advindo da incapacidade das instituições financeiras em conceder crédito — seja porque estão quebradas, com falta de capital, sem liquidez, ou, simplesmente, em pânico — a solução natural seria substituir essa falta de capacidade e/ou disposição com medidas econômicas que forçassem o crédito a voltar.

Mas, às vezes, o que parece cristalino, não o é. Infelizmente a crise é mais do que o seu braço financeiro.

Envolve o lado real da economia, através da reestimação da riqueza global. Quanto do consumo passado era baseado numa riqueza falsa, na subida enganosa do mercado imobiliário, das bolsas no mundo e dos ativos em geral? E, seguindo essa linha de raciocínio, quanto era produzido no mundo para satisfazer esse falso consumo? Houve excesso de investimentos para ampliar a capacidade de produção desnecessariamente (para satisfazer o consumo exagerado baseado em riqueza falsa)? Parece claro que haverá mudanças permanentes com a crise. Há hoje um consenso que pelo menos o sistema financeiro mundial tenha inchado demais.

E, também, que o consumo americano era insustentável e que deveria se retrair. Não são necessários muitos passos lógicos para construir um cenário onde a economia mundial precise de um ajuste, onde consumo e investimento caiam (substancialmente), antes que possam voltar ao vigor anterior. E o crédito nesse cenário? Pois bem, nesse cenário quem concede crédito deveria tomar cuidado redobrado, independentemente se é um banco privado, uma entidade pública ou o próprio governo. Alguns setores precisarão encolher, algumas firmas poderão tornar-se não lucrativas.

Não está claro se nesse cenário seria eficiente conceder novos empréstimos para alguns setores e/ou firmas, já que a taxa de inadimplência deve elevar-se no processo de ajuste global.

Nesse cenário, a ausência de crédito não se deve aos problemas dos bancos, nem a uma aversão despropositada a emprestar. A contração dos empréstimos está seguindo a lógica do ajuste global. Forçar o crédito é maximizar as perdas, seja dos bancos privados ou públicos. Nesse cenário, ir contra a lógica do ajuste global é jogar dinheiro fora.

Na realidade, a retração de crédito no mundo deve ser resultado dos dois argumentos levantados neste artigo. Por um lado, a queda de crédito deve ser fruto das dificuldades dos bancos e, por outro lado, a queda também deve ser a natural reação de quem vislumbra um ajuste global nesta nova realidade. A política econômica deve reagir ao efeito das dificuldades dos bancos, mas permitir a retração devido ao ajuste global.

Na prática, na medida que dificilmente se consegue separar o joio do trigo, é prudente evitar os extremos, combatendo a paralisia no crédito, mas também as medidas extremas que forcem a concessão de crédito ou expandam de forma descontrolada o crédito público (a fundo perdido).

Este é apenas mais um exemplo de um princípio geral: o governo deve buscar políticas que minimizem o impacto da crise, mas também aquelas que preservem a capacidade de uma retomada vigorosa e longa, uma vez que as condições internacionais permitirem.


ILAN GOLDFAJN é professor de economia da PUC-Rio. E-mail: goldfajn@uol.com.br.

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